“As pessoas precisam entender que resíduos geram dinheiro”, diz CEO do Wastebank, fintech direcionada a catadores

Cerca de 800 mil pessoas sobrevivem hoje da reciclagem no Brasil. Quase um milhão de catadores e catadoras de resíduos que retiram diretamente do lixo a sua subsistência. A maioria destes profissionais, entretanto, vive à margem do sistema financeiro: não são bancarizados e, como se pode imaginar, têm muita dificuldade de acesso em suas transações monetárias. Pensando nestes agentes ambientais e em formas de melhorar a renda deste público que nasceu o WasteBank, banco digital direcionado para toda a cadeia de reciclagem.

“O WasteBank vem de uma dor: os agentes desta cadeia precisam processar pagamentos de maneira rápida, segura e eficiente. Para solucionar o problema, não basta você simplesmente dar uma conta a eles, permitir um pagamento via Pix, boleto. Você tem que ensinar as pessoas. O grande desafio é a educação e oferecer acesso gerando impacto financeiro, social, ambiental e educacional”, diz Gabriel Pedreira, fundador e CEO do Wastebank.

Os pilotos da empresa começaram em 2011 e, em 2019, o WasteBank se tornou um aplicativo e depois, com todas as regulamentações, um banco digital. E como isso funciona? Os catadores criam uma conta e ganham um cartão de débito (existe a opção do cartão digital para evitar o uso de plástico), nos moldes de um banco comum, e os correntistas podem efetuar saques em ATMs das redes Tecban (ao custo de R$ 9,00 por saque) e Saque e Pague (com 10 saques gratuitos por mês). Os aplicativos do grupo também não consomem dados. “Percebemos que todos os catadores têm celular, mas muitos deles não tem pacote de dados”, afirma o diretor.

Na plataforma eles têm acesso ao WasteMap, um mapa com todos os pontos de entrega de recicláveis mais próximos deles, entre associações, cooperativas, empresas privadas ou espaços WasteBank. Neste último, todo o material entregue é direcionado para um parceiro. Quem gera o cashback para os catadores são os parceiros. O material é pesado, calculado e o valor é pago na hora para quem tem conta no aplicativo. Nem uma taxa é cobrada e nenhum valor é retido por parte do banco.

Segundo o fundador e CEO do WasteBank, hoje mais de 50% da reciclagem do Brasil passa, direta ou indiretamente, pelos sistemas do grupo. Em 2022, foram quase R$ 40 bilhões transacionados dentro das plataformas.

UMA GRANDE PIRÂMIDE

“Hoje temos sucateiros que são grandes empresas com mil funcionários, dezenas de caminhões, movimentando milhões de reais, com todos os trabalhadores CLT, com EPI, segurança. Ou seja, temos que pensar que nesta pirâmide da cadeia da reciclagem hoje há diferentes realidades. Aquelas desconectadas, sub conectadas, sub digitalizadas, sub profissional ou informal, e temos o oposto disso, as mais profissionais. Nosso objetivo é envolver todas as camadas”.

No aplicativo também há uma plataforma de contabilidade mais simples para ajudar os catadores a emitir notas, abrir uma MEI (WasteMEI), efetuar pagamentos da DAS e fazer a declaração do Imposto de Renda. Há duas opções de planos com taxa anual.

Questionado sobre o que difere o banco dos outros bancos digitais que também oferecem acessibilidade e serviços com mais facilidade, Gabriel conta que a ideia não é ser uma empresa de meios de pagamento ou uma fintech, mas servir de ponte para que a cadeia da reciclagem transacione meios de pagamento seguros e eficientes.

“Existe também a porta giratória digital. Muitas empresas que se dizem acessíveis, mas não são. Sabemos que tem uma camada de brasileiros que mesmo no digital não consegue ter uma conta, seja porque tem algum problema com o nome, não tem um endereço físico, entre outros. Como nós temos um sistema de gestão empresarial da reciclagem, temos dados. Temos o CPF de pessoas que entregam resíduos no mesmo lugar há 20 anos. Isso é um contracheque da reciclagem. E quando vemos esse CPF dentro do nosso sistema, entendemos que aquele CPF tem um histórico de produtividade de reciclagem que pode garantir que aquela pessoa tenha uma jornada financeira próspera e crescente”.

#MEURESÍDUOGERAVALOR

Além de atuar para a inclusão de catadores no sistema financeiro, o Wastebank também quer mudar a percepção do brasileiro sobre seus resíduos. Para se ter uma ideia do problema, mais de 70% dos brasileiros sequer separam o lixo comum do reciclável, segundo uma pesquisa do Ibope, em parceria com a Abrelpe e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Levantamento feito pela Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos) em 2019 mostrou que somente os recicláveis que vão para lixões levam a uma perda de R$ 14 bilhões anualmente. Para isso, o banco lançou o movimento #meuresiduogeravalor.

“Para o Brasil sair de 4%, 5% e chegar a 15% de reciclagem as pessoas precisam ver que aquele material é um insumo. Que a latinha, o plástico, o papelão geram dinheiro”.

O movimento leva a escolas, casas, condomínios, bairros, entre outros, espaços para descartar resíduos. O valor arrecadado pode, por exemplo, ser usado para aplicar melhorias aos locais. Vai desde um morador que quer pagar uma reforma em casa e, para isso, começa a reciclar (e a receber) pelos resíduos entregues nos pontos WasteBank. Ou ainda uma escola em que professores e alunos se unem pela reciclagem e resgatam recursos para promover melhorias no local.

“Temos quase 40 escolas hoje pelo Brasil sendo atendidas pelo projeto. Professores e pais estimulam a reciclagem no ambiente familiar e escolar e o recurso desse resíduo é destinado a melhorias nas escolas. Algumas recebem até R$ 2.000 quando entregam os resíduos. Ao mesmo tempo, o colégio desenvolve atividades lúdico-pedagógicas sobre o tema em matemática, ciências, ou falando sobre matéria-prima, cor, formas. Temos modelos de espaços do WasteBank que são contêineres que ficam em condomínios e essas comunidades começam a participar e a se beneficiar com isso”.

Depois de receber uma rodada de investimentos, a startup sediada em Campinas (SP) agora busca novos parceiros para manter o projeto e ampliar as iniciativas. Um dos próximos passos é oferecer um microcrédito de R$200 aos correntistas.

“Ainda estamos trabalhando nisso porque não adianta dar crédito e cobrar uma taxa de 20% ao mês do catador; é preciso de um crédito com uma taxa paciente, social. Queremos ter uma empresa sólida, que gere emprego e impacto em que todos consigam pagar suas contas e melhorar o planeta. Queremos crescer, mas com cuidado, planejamento, para que não vire uma empresa de tecnologia que se distancie das pessoas. As pessoas estão sempre em primeiro plano”.


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