Há mais de oito anos, os moradores de Maricá, na região metropolitana do Rio de Janeiro, não pagam nenhuma tarifa para circular de ônibus. E também não pagam pelo aluguel de bicicletas, disponíveis em estações espalhadas pela cidade.
Maricá é uma das mais de 70 cidades brasileiras que disponibilizam transporte público gratuito, segundo levantamento da Coalizão Triplo Zero, uma rede de organizações voltadas à mobilidade urbana. “Quando você coloca tarifa zero, e melhora o nosso transporte, as vias deixam de ser voltadas para os carros. Para isso é preciso que se tenha um transporte público de qualidade”, defende Itamar Marques, Coordenador da Comissão de Mobilidade Urbana do CREA-RJ, chefe da Divisão Técnica de Transporte e Logística do Clube de Engenharia e coordenador do Fórum de Mobilidade Urbana.
A ideia, segundo ele, não é apenas liberar catracas. Seria preciso também melhorar o transporte como um todo, começando pelas emissões dos ônibus tradicionais.
“Precisamos pensar no meio ambiente. Ônibus elétricos são menos poluentes, porém o ideal no momento é que sejam híbridos. Onde vamos descartar as baterias se forem apenas elétricos? O híbrido tem o uso de fontes como a cana-de-açúcar, o hidrogênio.”
UM CASE DE SUCESSO
Pensando em reduzir as emissões, além da tarifa zero, a prefeitura de Maricá elaborou um novo projeto: zero carbono. Em parceria com a COPPE/UFRJ, a administração colocou nas rua ônibus híbridos, que funcionam com eletricidade, etanol e hidrogênio. Fecharam ainda acordo para fabricação dos veículos – o que deve gerar empregos e royalties pela patente da tecnologia.
A preocupação com os danos causados pelos transportes não é à toa – e muito menos se restringe às cidades que aderiram à tarifa zero. Quase um quarto das emissões globais dos gases de efeito estufa vêm deste setor – no Rio de Janeiro, a situação é ainda mais grave: o transporte emite 40% das emissões totais.
Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o transporte individual representa 35% das viagens motorizadas – e responde por 60% do dióxido de carbono emitido nos centros urbanos brasileiros. Já o transporte público coletivo é responsável por 25% das emissões. A primeira missão para reverter o cenário e reduzir as mudanças climáticas é estimular o uso de transporte público.
“Fica claro que a melhor política de redução das emissões dos GEE (Gases do Efeito Estufa) passa pelo estímulo e pela melhoria dos sistemas de transporte público coletivo, já que o nível de emissões unitárias chega a ser 36 vezes menor nesses casos do que os observados para os automóveis. Mesmo os sistemas de ônibus que utilizam óleo diesel são muitas vezes menos poluentes, do ponto de vista das emissões de GEE, do que as viagens por automóvel e motocicleta”, diz o relatório do IPEA.
UMA QUESTÃO DE ESPAÇO
Um levantamento realizado pelo jornal Folha de S. Paulo aponta números interessantes: um ônibus, que ocupa cerca de 50 metros quadrados, pode transportar cerca de 50 pessoas. Seriam necessários 40 carros, que ocupam 840 metros quadrados, para levar a mesma quantidade de gente – o cálculo considerou a taxa de ocupação dos veículos na cidade de São Paulo, que, na ocasião, era de 1,2 pessoas.
“Em cidades desenvolvidas, as pessoas ricas andam de ônibus. No Brasil não. É preciso mudar isso. Todos os modais precisam estar integrados. Um precisa complementar o outro. Não adianta nada, por exemplo, melhorar o transporte público no Rio e deixar só três viagens para a Ilha do Governador, onde moram 400 mil pessoas que precisam se locomover por toda a cidade, não apenas na ilha.”
A dificuldade dos grandes centros vem justamente da sua dimensão e complexidade. A maioria das cidades que adotou a tarifa zero tem uma população pequena e apenas o ônibus como modal. Maricá foi a primeira com mais de 100 mil habitantes a zerar a passagem. A cidade fluminense tem uma vantagem: um alto valor de royalties recebido do petróleo. Com essa verba, a prefeitura reservou um fundo municipal e criou a EPT, Empresa Pública de Transporte. Este é o principal modelo para viabilizar o transporte público gratuito: a criação de um fundo municipal de mobilidade urbana sustentável, financiado por impostos sobre combustíveis fósseis e estacionamentos privados; a municipalização do sistema de transporte público; e a realização de uma consulta popular sobre a tarifa zero.
COMO CHEGAR LÁ
Para fazer a mudança gradativa e desonerar parcialmente os usuários, o CREA-RJ propõe ainda que sejam realizadas novas licitações e firmados novos contratos com empresas de transporte. E que o vencedor seja aquele que oferecer o menor valor mensal para prestar os serviços dentro dos padrões mínimos, estabelecidos pela sociedade, de atendimento e sustentabilidade.
“Um ponto importante: a tarifa máxima a ser paga pelos usuários não deve ultrapassar a uma despesa mensal de 6% do salário-mínimo local, avaliando-se a viabilidade de adoção da Tarifa Zero”.
No entanto, essas medidas exigem um subsídio público – e aí os críticos alegam a questão da inviabilidade financeira. Mas há soluções. O CREA recomenda que os fundos, sejam eles municipais, estaduais ou federais, sejam compostos não apenas pela arrecadação tarifária, mas também por novas fontes permanentes de receita. São elas:
- Orçamentos Públicos das três esferas de poder;
- Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE);
- Cobrança de estacionamento em vias públicas e as multas de trânsito;
- Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e taxas de licenciamento;
- Pedágio urbano;
- Impostos sobre a valorização de imóveis vizinhos ao sistema de transporte público;
- Receitas acessórias das empresas operadoras de transporte público.
“Plano de saúde normalmente tem carência, um ou dois anos. Plano odontológico, três meses de carência. Mas para adquirir o seu direito de ir e vir você tem que esperar 65 anos de carência, isso se você conseguir sobreviver”.
Só no Brasil, segundo o IPEA, as famílias gastam 13% do orçamento com o transporte. Em Maricá, a gratuidade no transporte aumentou a demanda em seis vezes e rendeu uma economia de R$ 160 milhões aos moradores, no ano passado. Com a sobra, as famílias puderam turbinar o comércio local e melhorar suas condições de vida – além de, claro, aproveitar melhor a cidade.
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