A conta parece não fechar: se a água literalmente cai do céu, e 75% do planeta está coberto de água, é de se estranhar que ela seja um dos primeiros recursos naturais ameaçados de extinção. Como a água pode acabar? Sem trocadilhos, é bom colocar as barbas de molho. A água de beber, aquela que faz com que a gente sobreviva, pode não ser suficiente para abastecer o mundo em breve. Isso se os impactos ambientais seguirem no ritmo que estão.
Para entender melhor o que estamos dizendo – e também para buscar soluções a tempo -, em primeiro lugar, é preciso derrubar o mito da abundância. Desde que o mundo é mundo existe a mesma quantidade de água na Terra: ela vai circulando por meio do que se chama “ciclo hidrológico”, movimento contínuo pelo qual a água evapora, se condensa, se precipita e alimenta novamente nascentes, rios, lagos, oceanos, mananciais subterrâneos.
O problema é que ninguém bebe água do mar. A água doce, ou seja, aquela que a gente usa para sobreviver, corresponde a uma parte mínima do total de água do planeta, formada majoritariamente pelos oceanos. Segundo a ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico), a fração de água doce no mundo é de apenas 2,5% – sendo que a maior parte está congelada nas calotas polares (70%) ou enterrada nos aquíferos subterrâneos (29%). A água doce superficial representa apenas 1% da quantidade total.
Portanto, em um planeta que não para de crescer e já conta com 8 bilhões de pessoas, dá para imaginar que esta água – que precisa ser tratada antes de chegar nas torneiras – não é abundante, muito pelo contrário: ela é insuficiente.
POR QUE ESTAMOS DESIDRATANDO
A escassez hídrica vem se agravando por diversas razões. De uma forma geral, o desafio dos países para não secar de vez é, em primeiro lugar, conter o aumento da temperatura do clima, fator que gera ondas de calor e extremos de seca que afetam a disponibilidade de água. O relatório especial do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas, das Nações Unidas, divulgado recentemente, mostra que, se a temperatura global subir acima de 1,5°C, em todo o mundo mais de 350 milhões de pessoas ficarão expostas até 2050 a períodos severos de seca.
Segundo António Guterres, secretário-geral da ONU, o recurso está se esgotando em função do “consumo excessivo vampírico e uso insustentável”, além dos riscos que sofre pelo aquecimento global. Ao ressaltar que o ciclo da água foi quebrado, ecossistemas destruídos e lençóis freáticos contaminados, ele afirma que quase três em cada quatro desastres naturais estão relacionados à água.
DIFICULDADES DE DISTRIBUIÇÃO
De acordo com o relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), 26% da população global não tem acesso à água potável e cerca de 46% dos habitantes do planeta não possuem serviços de saneamento seguros – o equivalente a 3,6 bilhões de pessoas. O levantamento também alerta que a população urbana global que enfrenta a escassez de água está projetada para dobrar. Em 2016, eram 930 milhões de pessoas sofrendo com a falta de água. O número deve ficar entre 1,7 e 2,4 bilhões até em 2050. É muita gente para pouca água.
O problema vai além da escassez. Existe uma questão clara de gestão e distribuição. Há uma lacuna na gestão da água – e os governos precisam rapidamente desenvolver e implementar planos para garantir o acesso equitativo ao recurso.
A má gestão da água afeta o mundo inteiro – especialmente o Brasil, que está bem longe do mito de ser um país com “abundância” de água.
Segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), mais de 35 milhões de pessoas ainda não têm acesso à água tratada no Brasil e o sistema de abastecimento de água potável gera 37% de perdas, em média. A falta de tratamento do esgoto compromete mais de 110 mil quilômetros dos rios brasileiros que recebem os dejetos. A agência estima que, para regularizar a situação, seriam necessários pelo menos R$ 150 bilhões de investimentos em coleta e tratamento de esgotos até 2035.
ONDE ESTÁ A ÁGUA NO BRASIL?
Para saber por que falta água no Brasil, é importante entender a distribuição da água doce no país. No Norte do Brasil está concentrada 68% da água do país, enquanto a população corresponde a apenas 6% do total. A relação é invertida no Sudeste, onde mora 43% da população brasileira, mas a água equivale a apenas 6% do total. A região Sul, onde a frequente ocorrência de enchentes induz a um imaginário de excesso de água, tem 15% da população do país e apenas 7% da água.
Dentro deste cenário, especialistas apontam onde as torneiras estão abertas: no agronegócio, por exemplo. O processo produtivo do agro depende de muita água. Para a produção de 1 quilo de carne bovina, são utilizados 17 mil litros de água; são precisos 2,8 mil litros de água para a produção de 1 quilo de soja, 2.500 litros para 1 quilo de arroz e 5.280 litros para 1 quilo de queijo.
O QUE FAZER?
Na Conferência da Água, realizada em março, especialistas do mundo inteiro apontaram algumas direções para solucionar a crise hídrica. Serviços ambientais, como controle de poluição e biodiversidade, estão entre as recomendações destacadas no relatório, ao lado de oportunidades de compartilhamento de dados e cofinanciamento. O estudo cita a criação de “fundos de água”, formas de financiamento que trazem usuários, como cidades, empresas e serviços públicos, para investir coletivamente na proteção do habitat a gestão de terras agrícolas para melhorar a qualidade e quantidade da água.
Um fundo lançado em 2013 na cidade de Monterrey, no México, foi responsável por manter a qualidade da água, reduzir inundações e melhorou problemas de infiltração, além reabilitar habitats naturais, por meio de cofinanciamento. Nairóbi, no Quênia, também tem uma história de sucesso com uma iniciativa semelhante na bacia hidrográfica do rio Tana-Nairóbi, que fornece 95% da água doce da capital e 50% da eletricidade de todo o país.
A mensagem mais importante, porém, veio no final da conferência, redigida pelos relatores de Direitos Humanos das Nações Unidas. Na mensagem, eles lembram que o recurso é um direito e deve ser gerenciado desta forma, sem que um viés mercadológico dificulte ou impeça o acesso equitativo.
“A água é um bem comum e não uma commodity”.
**A série especial “Caminho das Águas” tem o patrocínio da TyQuant.
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