O que é capitalismo de stakeholders?

Capitalismo de stakeholders -ou, em português, de partes interessadas- “é uma forma de capitalismo em que as empresas buscam criar valor a longo prazo, levando em consideração as necessidades de todas as partes interessadas e da sociedade em geral”.

A definição é de Klaus Schwab, o homem por trás do conceito. Schwab fundou e é, desde sua criação, presidente executivo do Fórum Econômico Mundial, uma organização internacional para a cooperação público-privada que organiza anualmente um encontro dos principais líderes empresariais e políticos do mundo todo em Davos, na Suíça.

Antes disso, porém, ele era professor universitário quando, em 1971, discutiu pela primeira vez o termo em um livro intitulado “Modern Enterprise Management in Mechanical Engineering”. Schwab conta que o conceito já era parte do DNA das empresas ocidentais no pós-guerra. Elas se viam como parte inserida na comunidade, com forte ligação com os clientes e fornecedores.

Naquela época, Schwab, nascido na Alemanha, refletia sobre a estrutura empresarial alemã, baseada em um respeito mútuo entre as companhias locais e as instituições do seu entorno, o que o ajudou a construir o conceito de “partes interessadas”. Isso acabou influenciando não só a Alemanha como os países do norte da Europa e embasou o estado de bem-estar social, em que empresas e cidadãos pagam impostos para financiar coletivamente educação, saúde e lazer, além de garantir o direito de aposentadoria.

O DUELO DE TRÊS MODELOS

O que entendemos hoje como capitalismo é o sistema que tem como objetivo maximizar os lucros de uma companhia para distribui-los a seus acionistas. O sistema capitalista surgiu com a decadência do sistema de produção anterior, o feudalismo, no século 15, e é marcado, entre outros pontos, pela transição do trabalho servil para o assalariado.

Em um texto escrito em 2019 para o Project Syndicate, Schwab afirma que precisamos escolher que tipo de capitalismo queremos e indica que essa resposta pode definir a era em que vivemos. Ele elenca então os três modelos:

  • “Capitalismo de acionistas”: o modelo que vivemos hoje na maior parte do planeta se guia pelo lucro e, ao longo de décadas e décadas, promoveu prosperidade, geração de empregos e abertura de novos mercados;
  • “Capitalismo de estado”: modelo em que o estado tem a tarefa de definir os rumos da economia e cujo principal exemplo é a China;
  • “Capitalismo de stakeholders”: modelo sugerido por Schwab que coloca as empresas como gestoras dos interesses da sociedade.

Ele diz, então, que o primeiro modelo cresceu à medida que a globalização fez romper os laços entre a empresa e seu entorno, mas hoje essa estrutura se mostra insustentável.

“Ao mesmo tempo, sindicatos, governos e outras partes interessadas da sociedade civil perderam muito de seu poder e influência, enfraquecendo ainda mais o tecido em que um modelo de partes interessadas poderia prosperar”, indica Schwab. Ele diz que isso fez com que mesmo países que aderiram ao conceito de stakeholders como princípio de governança, viram enfraquecer suas instituições enquanto as empresas ficavam mais fortes.

EM QUE MOMENTO ESTAMOS NESTA DISCUSSÃO

Mural traz o rosto da ativista Greta Thunberg em prédio de São Francisco (EUA). (Foto: Aslihan Altin/Unsplash)

A ascensão de novas gerações, mais preocupadas com o futuro do planeta, estão influenciando o debate e provocando questionamentos sobre a forma como consumimos, investimos e toleramos a maximização de lucros para acionistas. A figura mais expoente é a jovem ativista ambiental sueca Greta Thunberg.

Greta, que quando criança trabalhava para convencer os pais a mudarem o estilo de vida da família em direção à redução da pegada de carbono, hoje é uma figura planetária pela luta contra as mudanças climáticas, representando as preocupações das novas gerações com o futuro do planeta.

A característica mais importante do modelo de stakeholders hoje é que as apostas do nosso sistema são agora mais claramente globais, diz Schwab.

Em 2019, Schwab lançou um novo “manifesto de Davos”, afirmando que era hora de as empresas assumirem seus compromissos com o pagamento de impostos, o combate à corrupção, a defesa dos direitos humanos em toda a cadeia produtiva e estimulou a criação de metas ESG.

Cinquenta anos depois do conceito trazido por Schwab, o capitalismo de stakeholders finalmente chegava às discussões globais. Um dos sinais mais significativos dessa mudança se deu quando Larry Fink, presidente da gestora de fundos BlackRock, afirmou em sua carta anual aos CEOs que sustentabilidade se tornaria um critério para avaliação de investimentos em 2020.

Foi o momento de virada. No Brasil, o impacto foi sentido em 2021: as boas práticas ambientais, sociais e de governança ganharam relevância nos negócios, e ESG se tornou um termo necessário no dicionário dos executivos.

“O capitalismo de stakeholders é uma forma de capitalismo em que as empresas não apenas otimizam os lucros de curto prazo para os acionistas, mas buscam a criação de valor de longo prazo, levando em consideração as necessidades de todos os seus stakeholders e da sociedade em geral.”

COMO TRANSFORMAR O SISTEMA ECONÔMICO GLOBAL

“Nosso sistema econômico global está quebrado. Mas podemos substituir a imagem atual de agitação global, insustentabilidade e incerteza por uma economia que funcione para todas as pessoas e para o planeta”, propõe Schwab no livro que, enfim, dá nome ao modelo: “Stakeholder Capitalism: A Global Economy that Works for Progress, People and Planet”, lançado há um ano em parceria com Peter Vanham.

A proposta é alçar indicadores ESG ao patamar dos indicadores financeiros e alinhar a remuneração dos executivos ao sucesso na construção desses novos atores.

“Os líderes empresariais agora têm uma oportunidade incrível. Ao dar um significado concreto ao capitalismo de stakeholders, eles podem ir além de suas obrigações legais e cumprir seu dever para com a sociedade. Eles podem aproximar o mundo de alcançar objetivos compartilhados, como os descritos no acordo climático de Paris e na Agenda de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Se eles realmente querem deixar sua marca no mundo, não há alternativa.”

Para chegar a isso, Schwab diz que é preciso que quatro partes interessadas desempenhem papeis centrais:

  • governos (de países, estados e comunidades locais) – cuja missão é criar a maior prosperidade possível para o maior número de pessoas;
  • sociedade civil (de sindicatos a ONGs, de escolas e universidades a grupos de ação) – que deve promover o interesse social e dar propósito a seus membros;
  • empresas (o setor privado, sejam pequenas ou grandes empresas multinacionais) – que visam gerar um superávit econômico, mensurável em lucros no curto prazo, e criação de valor no longo prazo.;
  • comunidade internacional (composta por organizações internacionais como a ONU ou regionais, como a União Europeia) – que deve preservar a paz.