À primeira vista, parece que a conta não fecha. Há 15 anos, a Editora MOL doa parte (a maior parte, diga-se) de sua renda para organizações sociais. E, mesmo assim, ganha dinheiro. “Somos um negócio lucrativo, tivemos um lucro de mais de R$ 2 milhões no ano passado. Mas doamos cerca de R$ 10 milhões. Poderíamos fazer o contrário? Sim. Mas aí nosso modelo não faria sentido. A gente precisa repensar as relações, aprender a lucrar menos. Se não for bom pra todo mundo, não é bom”, ensina Roberta Faria, cofundadora e CEO da MOL.
Não há como questionar o sucesso da MOL: trata-se de uma das maiores empresas de impacto social do país. Seu modelo de negócio foi criado por Roberta e Rodrigo Pipponzi e é baseado em doações – a coleção Sorria, sua principal publicação, é vendida nas redes de farmácias Raia/Drogasil, e tem seu lucro revertido para organizações sociais. Em 15 anos de vida, em parceria com as grandes redes de varejo, a editora já gerou cerca de R$ 60 milhões em doações. Atualmente são 15 grandes parceiros: Droga Raia, Drogasil, Pernambucanas, Riachuelo, Marisa, Vivara, entre outros, que somam 7.000 pontos físicos onde as publicações da editora são vendidas.
Este ano a receita operacional da MOL deve chegar a R$ 28 milhões – um crescimento de 46% em relação a 2022, com um volume de doações que passa da casa dos R$ 10 milhões para 200 ONGs dedicadas a diversas causas, como saúde, educação, proteção animal e combate à violência contra a mulher. No ano passado, a MOL doou R$ 4,85 para cada real de lucro.
O segredo destes números está no volume altíssimo de vendas das publicações – as revistas Sorria e Todos são as mais vendidas no Brasil inteiro. Ainda assim, com uma queda de 80% da circulação de revistas na última década, a editora achou que estava na hora de se reposicionar.
“Nossos projetos são bem sucedidos, não dependemos de publicidade – o próprio leitor financia nosso negócio. Entretanto, ao olhar para frente, pensamos: o que precisamos ter para seguir com relevância?”
A MAIOR COLEÇÃO DE LIVROS DO PAÍS
A MOL decidiu reposicionar seu carro-chefe, a Sorria. Após circular por 15 anos com o formato de revista, agora a Sorria passará a ser uma marca social e estará presente em diversos canais, não apenas nos pontos físicos. Para começar, a revista se tornou uma coleção de livros focados em saúde, bem-estar e qualidade de vida. A primeira tiragem é de 550 mil exemplares, o que equivale a mais de 4 vezes a venda do livro mais vendido no Brasil em 2022.
“Queremos ter uma marca de produto e conteúdo – a maior do Brasil. E parte da renda segue sendo doada para organizações do terceiro setor. Em princípio, mudamos o formato de revista para livro colecionável. A revista não fala com todas as gerações – o livro fala. Ele segue sendo usado e reconhecido na vida escolar, na vida adulta. E temos um produto feito para durar, não é periódico, portanto sustentável”.
A mudança também passa do mundo físico para o digital. Agora a Sorria se tornou multimídia: tem redes sociais, site, podcasts. A ideia é investir em uma marca social mais ampla, que pense na jornada inteira do consumidor.
“Estamos ocupando outros espaços. Temos, por exemplo, uma coleção de embalagens de presentes da Sorria. Quando a pessoa vai à farmácia, compra um presente rápido e não tem onde embrulhar – agora oferecemos sacolas, que também geram renda para os projetos”, diz Roberta.
Acompanhe a seguir uma conversa rápida com a executiva.
TRÊS PERGUNTAS PARA ROBERTA FARIA
- O que é um produto social?
Não somos uma empresa tradicional, nem uma ONG: somos um negócio social. Para fazer um produto social, não é só reverter parte de sua renda para uma causa. Isso é uma ação de marca, de marketing. Um produto social pensa em toda a cadeia de produção: no ambiente, nos fornecedores éticos e justos, nos impactos dessa produção, no ciclo de vida inteiro do produto. Então não é fácil. Você precisa pensar no impacto do seu produto e quem vai ter acesso a ele. Vendemos livros 80% mais baratos do que os encontrados no mercado – há cidades que não tem livraria nem banca de revista, mas tem farmácia, e as pessoas encontram nossos livros ali.
Recebemos comentários de pessoas que leram a Sorria e foi a primeira revista que viram na vida. Isso é informação de qualidade por um valor baixo. Isso é democratização do acesso à leitura, é impacto social.
2. Como vocês trabalham o ESG?
A MOL já nasceu ESG, principalmente voltada para o S. Entretanto, o G, de governança, sempre caminhou junto. A transparência é a alma do nosso negócio: sem ela, o consumidor brasileiro não confia na doação que está fazendo. Para evitar dúvidas, como para onde o dinheiro vai, deixamos tudo muito detalhado, incluindo a prestação de contas. Governança é estrutural para nós. Eu brinco que nós respondemos as perguntas antes que alguém faça.
Já no E estamos nos empenhando mais de uns anos para cá. Sempre utilizamos papel de cadeia FSC, tinta com menor impacto, mas faltava chegar à neutralização total de carbono até a chegada no varejo. É um processo de longo prazo e já chegamos ao meio do caminho. Agora vamos destinar 5% de todas as doações para a restauração da Mata Atlântica. Isso vai ser suficiente não só para neutralizar o nosso carbono, como para fazer isso muitas vezes.
3. Vocês geram lucro, consideram-se inseridos no capitalismo?
Carregamos todos os encargos, responsabilidades e direitos de qualquer empresa. Obter lucro, portanto, também é um de nossos fins. Entretanto, acho que é preciso repensar o modelo de capitalismo. Existe uma noção atrasada de maximizar lucros a qualquer preço. Não se pode pegar o dinheiro e, em vez de pagar o fornecedor, pagar outras contas. Ou então barganhar com o fornecedor. Ou usar o papel mais barato. Gente: papel certificado, tinta menos poluente, tudo isso vai ser mais caro. E ponto. Você vai lucrar menos. Para cada real de lucro operacional, a gente doa 4 ou 5. E somos um negócio lucrativo mesmo assim.
“Se não for bom pra todo mundo, não é bom. Essa lógica de você sempre ganhar faz com que alguém perca. E, se tem alguém perdendo, isso não vai se sustentar. Pense: se você pressionar o fornecedor para vender por menos, e assim você lucrar mais, ele vai quebrar, e não vai poder mais te fornecer. Precisamos repensar o valor do dinheiro: ele tem também a função de fazer justiça social. O dinheiro não pode ser só uma fonte de prazer e realização pessoal.”
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