Inclusão social e educação com sustentabilidade: empresa ensina detentas como produzir (e usar) bioabsorventes

Quem faz direitinho o dever de casa ESG sabe que é preciso abraçar as questões socioeconômicas da comunidade local – e não simplesmente lavar as mãos e colocar tudo na conta do poder público. Um exemplo de empresa que coloca o entorno dentro de seu plano de negócios é a Herself, que desde 2019 fabrica calcinhas e moda praia absorventes (tudo feito no Brasil para não perder o controle da cadeia produtiva).

O foco é um nicho bem específico: as mulheres encarceradas. O projeto “Revolucione seu Ciclo” busca levar educação menstrual e ensinar mulheres internas de unidades prisionais a produzirem bioabsorventes. O impacto já é considerável: mais de 2.000 mulheres no Ceará, Minas Gerais e Rondônia foram beneficiadas. E a produção dos absorventes ecológicos já somam 3,8 toneladas de resíduos evitados.

Mas por que investir em detentas?

Este público, no Brasil, é imenso. E, infelizmente, vem aumentando com o crescimento da fome no pós-pandemia. Segundo dados do levantamento World Female Imprisonment List, hoje o Brasil alcançou a terceira maior população feminina em privação de liberdade do mundo. São cerca de 42.694 mulheres e meninas presas em regime provisório ou condenadas. Desse total, de acordo com Ministério da Justiça e Segurança Pública, 62% são de mulheres negras.

“No cárcere, existe uma sobreposição de negligências sofridas por estas mulheres. São muitas as injustiças, uma por cima da outra. Atuar com esta população é uma oportunidade de nós, como empresários, entendermos diferentes contextos sociais e encontrarmos alternativas para levar a elas autonomia, empreendedorismo. É uma oportunidade de escrever uma nova história”, explica Raíssa Assmann Kist, CEO e co-fundadora Herself.

Projeto “Revolucione seu Ciclo”, em presídios femininos. Foto: Iolanda Candido e Pablo Andres

INOVAR PARA QUEM?

Raíssa conta que um dos principais pilares da Herself é a escuta. Assim, ouvindo as necessidades das mulheres, ela foi desenvolvendo seus produtos. Em determinado momento, entretanto, ela chegou ao contexto de que muitas mulheres jamais tiveram escolha.

“Foi quando nos deparamos com a pobreza menstrual. Existe uma parcela gigante de mulheres que não tem nenhuma escolha. Queremos inovar, ok, mas para quem? Como nossa tecnologia vai chegar em pessoas que não podem comprar nosso produto?”

Foi assim que, em 2018, ela foi convidada por uma assistente social a atuar no maior presídio feminino do Rio Grande do Sul. Usando retalhos da produção, linha e agulha, ela passou a ensinar estas mulheres a produzir algo que melhoraria consideravelmente suas vidas – e ainda seria a possibilidade de um novo ofício. O projeto foi aumentando e já foram 4 casas prisionais beneficiadas.

SAÚDE E EDUCAÇÃO

Segundo Raíssa, a iniciativa leva, em primeiro lugar, a informação. Ela percebeu, num primeiro momento, um abismo educacional destas mulheres com relação ao período menstrual e ao próprio corpo. Uma questão de saúde pública.

“Pela falta de conhecimento ou de acesso, elas inseriam tufos de papel higiênico, usavam absorvente externo como interno, e colocavam a saúde em risco. Nosso trabalho foi de ensinar, no início, para que saíssem da pobreza menstrual. E assim passassem a produzir algo importante, mas que também pudesse gerar renda. As meninas querem trabalhar, por saúde mental, para reduzir a pena, para sentir que elas fazem a diferença para outras pessoas”.

Além das ações no cárcere, a empresa também atua na capacitação de comunidades escolares e de redes de professores, em cursos de autoconhecimento menstrual e na formação de educadoras menstruais: a primeira em língua portuguesa, que já formou mais de 90 educadoras em 15 países. Neste projeto, o foco está em capacitar mulheres de diversas áreas para que estas criem seus próprios negócios de impacto.

“Fomos aprofundando o espaço de diálogo e criando conteúdos sobre autonomia em relação ao próprio corpo, uma visão mais positiva da menstruação. Colocamos isso em aulas, livros, capacitações. E formalizamos a Escola da Menstruação, em 2019. Para nós, dignidade menstrual é acesso a produtos e também acesso a informação. Não adianta só falar em educação e saúde, mas a pessoa não tem produto. E também não adianta apresentar um produto sem que ela saiba como usar. Nossa inovação é atender a necessidades reais: trazemos tecnologia e modelo dentro do nosso contexto, do nosso país”. 


Comments

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *