Seis camadas formadas por papel-cartão, alumínio e polietileno dão corpo a uma das embalagens mais tradicionais do mercado: a longa vida. Criada na década de 1950 de forma pioneira pela Tetra Pak, essa combinação permite que o alimento dure mais tempo porque impede que o contato com luz, oxigênio e microrganismos.
Setenta anos depois, a caixinha encara um desafio símbolo do nosso tempo: se tornar totalmente sustentável. A meta tem motivado uma cruzada de inovação dentro da empresa, em busca da primeira embalagem cartonada asséptica totalmente sustentável. Valéria Michel, diretora de Sustentabilidade da Tetra Pak Brasil, conta que esse compromisso tem prazo:
“Temos a ambição de até 2030 desenvolver a embalagem para alimentos mais sustentável do mundo. Não é um desenvolvimento trivial, envolve muita inovação na cadeia como um todo. Mas estamos trabalhando fortemente nesse caminho.”
Dessas seis camadas, aquela formada pelo papel-cartão, que garante a estrutura da caixinha, já nasceu renovável e reciclável. Em média, 75% da embalagem é constituída de papel. Outros 5% são formados por alumínio e 20% por um polímero, o polietileno. São nessas duas matérias-primas que se concentram os esforços de pesquisa e desenvolvimento da Tetra Pak.
O polietileno, que representa quatro camadas, protege contra a umidade externa e permite que o papel-cartão grude na folha de alumínio.
“Nossa jornada começou aumentando o conteúdo renovável da embalagem. Essa camada de polímero é de origem fóssil. Então começamos em 2014 a substituir por polietileno de cana de açúcar, de origem renovável. Primeiro foi a tampinha e hoje está na embalagem”, explica Valéria.
A mudança na matéria-prima foi feita em parceria com a Brasken e permite que alguns modelos de embalagem já alcancem 80% de material renovável. Outro desafio para o futuro é o desenvolvimento de uma fibra renovável celulósica, com celulose regenerada.
BARREIRA DE ALUMÍNIO, EIS A QUESTÃO
O terceiro material presente na embalagem é o que concentra os esforços da equipe de inovação da companhia. A folha de alumínio – que forma a quarta camada de proteção de fora para dentro — protege contra o oxigênio e a luz e garante a manutenção do valor nutricional e do sabor do alimento mesmo em temperatura ambiente.
Ou seja, é o coração da embalagem longa vida. Por isso, a substituição dessa barreira não é simples: “Não adianta ter embalagem sustentável se ela afetar a proteção de alimento”, pontua Valéria.
Em 2020, a Tetra Pak lançou no Japão uma embalagem com barreira alternativa, que consegue substituir o alumínio. Mas, ainda assim, faz uso de matéria-prima fóssil – cuja substituição é o próximo passo das pesquisas, que envolvem o centro de pesquisa e desenvolvimento da Tetra Pak, parceiros e universidades, sobretudo na Suécia.
“Temos como pilar o design for environment. Cada novo produto tem que ser melhor que a geração anterior, no consumo de água e de energia. Todo esse conceito vale para todos os nossos produtos. Se não for para ser totalmente sustentável, a gente já nem olha [o projeto].”
RECICLAGEM DE CAIXINHA: DE VILÃO À FONTE DE RENDA
Neste ano, a companhia lançou na Europa um projeto-piloto em que uma das matérias-primas da caixinha – o polímero – fosse reciclado. Isso porque, apesar de os componentes da embalagem poderem ser reciclados, eles eram destinados à fabricação de outros materiais. Não voltavam a ser caixinha. E neste ano isso começou a mudar.
Por muitos anos, a caixinha de longa vida foi vista como um vilão da reciclagem: como a separação das camadas da embalagem exige um equipamento, ela despertava pouco interesse, tanto nos catadores de material reciclagem nas ruas como nas recicladoras. O investimento necessário para separar essas camadas e reciclá-las tornava as caixinhas um resíduo destinado ao lixo comum.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos, de 2010, fez que com as indústrias se engajassem na responsabilidade pelo destino dado às embalagens pós-consumo. Quando a legislação chegou, a Tetra Pak já estava voltada para a qualificação dessa cadeia.
“Vinte anos atrás, quem reciclava caixinhas da Tetra Pak era porque queria salvar o planeta. O valor era muito baixo, não era comercialmente viável, a conta não fechava. Trabalhamos para agregar valor nessa cadeia. Hoje, essas cooperativas já sabem que há mercado para essa embalagem. Mas levou 20 anos, não foi algo rápido.”
Durante esse período, a empresa atuou sobretudo em três frentes: orientando catadores e recicladores sobre o potencial da embalagem, mapeando esses locais e dando incentivos econômicos para que se fortalecesse a cadeia de reciclagem desse produto.
Em 2020, no entanto, 108 mil toneladas de embalagens cartonadas foram recicladas no país, o equivalente a 43,7% de toda a produção local. “É muita caixinha. Depois de 25 anos, podemos dizer que existe um valor econômico para ela e a Tetra Pak não precisa mais subsidiar essa cadeia para que ela aconteça.”
Além da questão legal, quanto mais caixinhas forem para a reciclagem, mais a empresa consegue contribuir para sua meta de zerar as emissões de carbono em todas as fábricas da empresa até 2030 e, até 2050, em toda sua cadeia de valor.
Uma usina recicladora da Klabin, que será inaugurada em Pernambuco, e uma parceria com uma usina em Manaus também devem contribuir para que a taxa de reciclagem de caixinhas aumente. Até pouco tempo atrás, a Tetra Pak bancava o frete desses materiais do Norte e Nordeste para usinas de outras regiões, como uma forma de estimular a coleta e separação dessas embalagens em todos os estados.
“A gente tem que ter esse investimento na cadeia até que ela se desenvolva. Precisamos ajudar a cadeia até que ela esteja no ponto de rodar sozinha, como agora acontece em Manaus”, diz Valéria.
DESAFIO É CONVENCER O CONSUMIDOR A RECICLAR A EMBALAGEM
Depois de todo esse investimento para o estímulo de uma rede de coleta e reciclagem de embalagens longa vida, o desafio da Tetra Pak é convencer o consumidor brasileiro de que essa caixinha não deve ser descartada no lixo comum. “Tenho que garantir que essa embalagem vá parar na reciclagem”, conta Valéria.
“Qual é o maior desafio da minha área? Não tenho caixinha. Tenho capacidade instalada para reciclar e não chega caixinha porque o consumidor não separou em casa. Então, há 8 anos trabalhamos fortemente com educação.”
Nessa trajetória, a Tetra Pak identificou que o consumidor brasileiro se mobiliza mais com o social do que com o ambiental.
Nas pesquisas de tendências, a empresa viu que há um descolamento entre o discurso do consumidor, que defende ações de sustentabilidade, e a prática: não chega à metade a parcela que diz que separa o material para a reciclagem. “Como temos feito: se falamos do impacto ambiental, alguns se comovem. Quando falamos: se você separar sua caixinha, você pode mudar a vida de um catador, funciona. A gente conhece histórias incríveis e isso sempre nos motivou muito. Mostrar o lado social dessa cadeia tem funcionado. Se não faz para salvar o planeta, faz para ajudar alguém.”
Mas, Valéria assinala que falta muito ainda: educação para separação na fonte e infraestrutura de coleta seletiva nas cidades. “Atacamos para vários lados, sempre em busca de quem não está separando embalagem longa vida. Trabalhamos focados nisso, no Brasil esse é nosso coração.”
Entre os projetos da Tetra Pak, está um piloto em São Paulo que mostra o tamanho do desafio. “O catador autônomo, do carrinho, historicamente não coleta caixinha. Fizemos uma parceria com o aplicativo Cataki para incluir nossa embalagem. Fizemos um subsídio financeiro, 25 centavos a mais para cada quilo — dobrando o ganho dele.” Com 115 catadores, foram recolhidos em algum meses 38 toneladas de embalagem.
“Estamos buscando esses caminhos, tanto para aumentar tanto o conteúdo renovável como reciclável. Ainda não chegamos na última etapa, mas temos várias frentes de inovação”, diz Valéria. Como sociedade, no entanto, Valéria acredita que ainda falta muito.
“Quantas empresas estão cientes de sua responsabilidade pós-consumo e estão fazendo alguma coisa? Muitas só estão olhando para o básico ou para nada. Com tendência ESG, isso tem mudado, estamos em evolução. Mas falta muito para chegar aonde gostaríamos. É uma mudança cultural e isso leva um tempo.”
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