“Bancos devem ser parte da solução e não do problema: eles escolhem para onde os recursos são direcionados”

Os bancos são comumente alvos da narrativa fácil de estigmatização. Mas assim como em outras temáticas, na agenda ambiental, os bancos são parte da solução e não do problema. Temos papel estratégico para direcionar recursos a projetos e atividades que contribuam para o desenvolvimento sustentável e uma sociedade mais equilibrada e inclusiva. Nos últimos anos, intensificamos as práticas voltadas aos temas ESG (Ambientais, Sociais e de Governança, na sigla em inglês).

A recente divulgação da autorregulação para a cadeia de carnes integra esse esforço histórico das instituições financeiras. Os bancos brasileiros, ao oferecer crédito a frigoríficos e matadouros, terão de cumprir um protocolo com requisitos mínimos comuns para promover o desmatamento ilegal zero na cadeia de carnes.

As novas regras determinam que os bancos participantes da autorregulação irão solicitar aos seus clientes frigoríficos, na Amazônia Legal e no Maranhão, a implementação de um sistema de rastreabilidade e monitoramento que permita demonstrar, até dezembro de 2025, a não aquisição de gado associado ao desmatamento ilegal de fornecedores diretos e indiretos.

Este sistema deverá contemplar informações como embargos, sobreposições com áreas protegidas, identificação de polígonos de desmatamento e autorizações de supressão de vegetação, além do Cadastro Ambiental Rural (CAR) das propriedades de origem dos animais. Aspectos sociais, como a verificação do cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo, também foram considerados.

Esse normativo foi discutido por mais de um ano antes de ser divulgado. Houve diálogo com organizações envolvidas no tema para coletar suas percepções, que foram consideradas na elaboração do texto. Foram consultadas associações e representantes do setor de carne, como a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) a ABRAFRIGO (Associação Brasileira de Frigoríficos), a ABIEC (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes), a ABRAS (Associação Brasileira de Supermercados), além de especialistas do setor e organismos de governo.

Também foram consideradas as boas práticas recomendadas pelo Imaflora e Ministério Público Federal, por meio do Protocolo de Monitoramento de Fornecedores de Gado da Amazônia (“Boi na Linha”), e pelo Grupo de Trabalho de Fornecedores Indiretos (GTFI), fórum multistakeholder que discute e estabelece boas práticas para o monitoramento de fornecedores indiretos na cadeia de suprimento da carne bovina no Brasil.

UMA DEMANDA DA SOCIEDADE

A agenda ambiental é uma demanda da sociedade, com quem o setor está em sintonia e seguirá aprimorando suas práticas. Os bancos não fogem à sua responsabilidade e, além de cumprirem as normas e a legislação, estão engajados em iniciativas voluntárias de cunho socioambiental, como é o caso da autoregulação da Febraban.

O desmatamento e a degradação dos solos representam aproximadamente 45% das emissões de gases de efeito estufa do Brasil, tornando a mudança no uso do solo a principal fonte de emissões do país. A maior parte deste desmatamento ocorre de forma ilegal (mais de 99%, segundo dados do Mapbiomas para o ano de 2022, possuem algum indício de irregularidade). E o bioma Amazônia é que o que apresenta a maior área desmatada (58% do total em 2022, segundo o mesmo relatório).

Eliminar o desmatamento ilegal representa, portanto, um dos principais desafios ambientais e climáticos do país. Nesta direção, na COP 26, em Glasgow, o país assinou a declaração de líderes sobre florestas e uso do solo, se comprometendo a eliminar o desmatamento até 2030.

A regra recém-publicada pela Febraban é mais ambiciosa ao estabelecer dezembro de 2025 como data-alvo para que os frigoríficos e matadouros comprovem que não adquirem gado proveniente de fazendas com desmatamento ilegal. Este prazo está alinhado com compromissos públicos assumidos por grandes frigoríficos para o monitoramento de seus fornecedores.

Se o novo normativo se aplica às operações de crédito com clientes frigoríficos e matadouros de abate bovino, os bancos já adotam uma série de critérios socioambientais para a concessão de crédito a produtores rurais. Seja por determinação do Banco Central ou por iniciativas voluntárias, como o normativo de 2014 da Autorregulação Febraban, que trata da responsabilidade e dos processos de gerenciamento de riscos socioambientais dos bancos. Existem ainda políticas e procedimentos adotados pelas instituições financeiras individualmente, definidos a partir de suas próprias políticas e processos de gestão de riscos.

ESFORÇO CONTÍNUO

As ações dos bancos, portanto, não vêm de agora. Revisado em 2020, o normativo da Autorregulação de 2014 prevê que os bancos verifiquem a inexistência de embargos por desmatamento, independentemente do bioma em que o imóvel rural esteja inserido, além da sobreposição com Unidades de Conservação e Terras Indígenas.

Há três anos, foram aprimoradas ainda as metodologias para medir os saldos dos financiamentos por atividades econômicas, sob a ótica socioambiental. Já é possível mensurá-los sob a perspectiva da Economia Verde, a exposição ao risco ambiental e a exposição às mudanças climáticas.

Desde 2018, a Febraban trabalha com o setor bancário para implementar as recomendações da Task Force on Climate-related Financial Disclosures(TCFD), para compartilhar conhecimento e ferramentas desenhadas de acordo com o contexto nacional e ampliar a divulgação de informações financeiras relacionadas às mudanças climáticas. A própria TCFD reconheceu a importância dessa iniciativa.

Além disso, em fevereiro de 2021, a Febraban fechou parceria com a International Finance Corporation (IFC), do Banco Mundial, para acelerar o incentivo às finanças sustentáveis.

E como as novas regras serão acompanhadas? Os bancos que aderem à autorregulação se comprometem, de forma voluntária, a seguir padrões de conduta e são periodicamente supervisionados, podendo sofrer punição em caso de descumprimento.

Em caso de descumprimento, a IF (Instituição Financeira) responde a procedimentos administrativos, que podem incluir a assinatura de um plano de ação, o pagamento de multa, a suspensão e até a exclusão de sua participação no Sistema de Autorregulação Bancária.

O canal denominado “Conte Aqui” também foi criado para que se possa reportar eventual descumprimento dos normativos pelas Instituições Financeiras. Eventuais denúncias são avaliadas e podem integrar o plano de monitoramento e supervisão da Autorregulação.

Além disso, os bancos têm rígidas políticas e regras de controle voltadas ao relacionamento com o cliente bancário. Os procedimentos de “conheça seu cliente” visam garantir a identidade, a atividade e a coerência na origem e na movimentação de recursos dos clientes, pessoas naturais ou jurídicas.

Esses procedimentos são importantes pilares na prevenção a atividades ilícitas, e recomendados pelo Comitê da Basiléia, na Suíça, pelo qual os bancos devem estabelecer um conjunto de regras com o objetivo de identificar e conhecer a origem e constituição do patrimônio e dos recursos financeiros do cliente. Nesse sentido, os bancos não devem iniciar ou manter relacionamento com clientes envolvidos com atividades proibidas por lei.

REGRAS DO BANCO CENTRAL

O Banco Central exige, desde 2008, regras para que os bancos incorporem aspectos socioambientais nas operações de crédito. Os requisitos, que foram substancialmente reforçados em 2021, tratam das Políticas de Responsabilidade, dos processos de gerenciamento de riscos e do reporte de informações sociais, ambientais e climáticas associadas às atividades e às operações bancárias. Estas regras são aplicáveis a qualquer tipo de operação e cliente.

O próprio sistema de crédito rural do Banco Central realiza uma série de cruzamentos e verificações e, caso identificados impedimentos, de acordo com a regulação, as operações não são liberadas.

Em resumo, para embasar as decisões de crédito, os bancos realizam as suas análises a partir das normas do regulador, dos normativos da autorregulação Febraban e de suas próprias políticas e procedimentos de gestão de riscos. A nova regra anunciada se soma a esses procedimentos.

A medida beneficia a todos: bancos, frigoríficos, matadouros, pecuaristas e a infinidade de pessoas e empresas envolvidas nessa cadeia. Afinal, há muito em jogo. O Conselho da União Europeia adotou, em maio passado, regulamentação que busca garantir que um conjunto de bens essenciais colocados no mercado europeu deixe de contribuir para o desmatamento e a degradação florestal na UE e em outras partes do mundo.

As novas regras europeias exigirão que empresas que comercializam commodities e seus derivados implementem rigorosa due diligence de diversos produtos, incluindo gado bovino.

O setor tem consciência de que é necessário avançar no gerenciamento e na mitigação dos riscos sociais, ambientais e climáticos nos negócios com seus clientes e canalizar cada vez mais recursos para financiar a transição para a Economia Verde.

Os bancos estão no centro das cadeias produtivas do país e irão estimular ações para desenvolver uma economia cada vez mais sustentável. Estamos falando da geração atual, mas mirando também as próximas. Não podemos ficar inertes. O tempo é agora.

**Amaury Oliva é diretor de Sustentabilidade e Autorregulação da Febraban (Federação Brasileira de Bancos)


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