Um dos principais caminhos para a redução de emissões está nas mãos do agro, diz levantamento do BCG

O agronegócio é hoje o segundo setor que mais emite gases do efeito estufa no país, respondendo diretamente por 20% de todas as emissões. Entretanto, mais do que responsável pelo problema, o agro pode ser parte importante da solução. É o que aponta um estudo recente publicado pela consultoria BCG intitulado “Semeando o futuro: O agronegócio como pilar da transição climática no Brasil”. Os dados apontam que, com a combinação agricultura sustentável, bioenergia e implementação de Soluções Baseadas na Natureza (SbN), seria possível diminuir em até 1,83 bilhão de toneladas as emissões de CO2 entre 2023 e 2030. Em outras palavras: o agro pode ser um importante impulsionador da agenda climática.

Para Arthur Ramos, diretor-executivo, sócio e líder da prática de Clima e Sustentabilidade do BCG no Brasil, além de colocar o agronegócio como agente propulsor de mudanças, o relatório joga luz sobre um ponto interessante: as SbN, vistas por ele como “a grande avenida de oportunidades para o setor mitigar suas emissões”.

“SbN é você olhar o lado positivo, o lado meio cheio do copo. Como tenho uma grande área degradada, se eu conseguir reduzir isso dentro do que seria o patamar legal (hoje 95% dos desmatamento é ilegal), você já teria uma mudança fundamental na sua pegada de carbono. E há ainda o lado de transformar isso em incentivos econômicos a partir do mercado de carbono. A SbN está associada a isso, uma forma de conseguir viabilizar projetos e iniciativas que vão contribuir para a redução das emissões”.

Arthur Ramos, diretor-executivo, sócio e líder da prática de Clima e Sustentabilidade do BCG no Brasil

SbN E O AGRONEGÓCIO

SbN é a sigla para Soluções Baseadas na Natureza, um termo guarda-chuva, criado pela União Europeia e que contempla medidas inspiradas, apoiadas ou copiadas da natureza e que visam atender simultaneamente objetivos ambientais, sociais e econômicos. Ou seja, são ações que têm por finalidade proteger, gerenciar de maneira sustentável e recuperar ecossistemas naturais ou modificados e que visam atender simultaneamente objetivos ambientais, sociais e econômicos.

Hoje são muitos os exemplos de SbN nas cidades – jardins de chuva, tetos verdes, lagoas urbanas, entre outros –, mas é no campo que o resultado e investimento nessas soluções se mostra mais atrativo. Nos últimos 40 anos, o Brasil devastou cerca de 15% de sua vegetação nativa e é possível reverter esta tendência a partir de soluções viáveis do ponto de vista econômico.

“As SbN são uma avenida de receita com um investimento relativamente baixo para o agro. O que a gente coloca no estudo é justamente esse melhor retorno. Temos a missão de não deixar isso virar um potencial desperdiçado. E o grande potencial das SbN está no mercado de carbono”.

O estudo mostra isso em números. Sozinho, o potencial de redução de emissões do mercado de créditos de carbono, regulado e voluntário, adicionado com o de SbN é, de longe, o maior. Outra vantagem apontada pelo estudo da BCG é o investimento menor de capital inicial: o Brasil poderia mitigar até 1,5 milhões de toneladas de CO2 até 2030 a partir da expansão das SbN no agro com investimentos de US$ 120 bilhões, boa parte bancada pelo setor financeiro.

REGULAÇÃO

Um passo importante para que esse mercado cresça seria a regulação, na opinião de Arthur. “O Brasil ainda não possui uma regulação do mercado de carbono, aqui há o mercado voluntário. Aparentemente, agora o governo tomou as rédeas dos Projetos de Lei para serem enviados ao Congresso. E há a regulação global, que é outro incentivo, pelo artigo 6º do Acordo de Paris, que permitiria também o comércio de carbono entre países. Isso criaria um mercado demandante”.

Em julho deste ano, o governo brasileiro concluiu um modelo que prevê a coexistência de mercados regulado e voluntário para a redução das emissões dos gases. A meta é aprovar o projeto até a COP-30, Conferência da ONU sobre Mudanças do Clima, prevista para 2025, em Belém (PA).

A proposta cria o Sistema Brasileiro do Comércio de Emissões e define o modelo “cap and trade” (que limita as emissões de gases do efeito estufa por meio da precificação) e o limite de emissão a partir de 25 mil de toneladas de carbono equivalente/ano. As empresas passariam a ser reguladas e receberiam cotas de emissão que teriam de cumprir: aquelas que emitirem menos passariam a ter cotas referentes a essas emissões evitadas e aquelas que emitirem mais teriam que compensar dentro do mercado regulado ou em parte do mercado voluntário.

Melhorar o entendimento do uso de crédito de carbono também seria um efeito da regulamentação dessa atividade, ampliando a sua divulgação e meios de participação. Uma pesquisa feita pelo McKinsey & Company em 2022 sobre o agricultor brasileiro, mostrou que apenas 6% dos empresários do agronegócio fazem uso do programa de carbono, já que a maioria desconhece (50%) ou não recebeu oferta de crédito (60%).

ONDE ESTÃO AS SOLUÇÕES PARA O AGRO

As principais Soluções Baseadas na Natureza aplicadas no agronegócio estão associadas às iniciativas de reflorestamento e à conservação (evitar o desmatamento). E, como explica o executivo do BCG, cada um apresenta necessidades e riscos diferentes.

“Como eu asseguro essa solução ao longo do tempo, como eu evito incêndios, riscos naturais? E há ainda os riscos da própria verificação, mensuração e certificação que não é algo trivial de se fazer. Do lado de projetos de reflorestamento, esses são mais concretos, pois você vê o que está sendo replantado, então a qualidade desse crédito é melhor. Mas há dificuldades também de identificar, quantificar, especialmente se falarmos de Amazônia Legal, a questão fundiária é muito complexa. Por exemplo, se estou fazendo um reflorestamento dentro de uma área indígena, como vou ter certeza de que aquilo está sendo feito de forma correta? Eu assino um contrato? Como eu lido com os povos originários que têm um modelo decisório diferente? É um tema complexo, cheio de incertezas e riscos”.

Para Ramos, o maior desafio do Brasil é chegar na COP-30 com exemplos de que as SbN podem ser previsíveis e de alta confiabilidade. “Para colocar essas soluções em prática, vamos precisar de terra, investimentos, mobilização de capital internacional. Temos que ter o cuidado de mostrar que as SbN podem ser implementadas e que, mesmo que tenham críticas, são um caminho possível”.

Entre as SbN consideradas mais eficazes para a mitigação de GEE na agricultura podemos citar a agricultura de conservação, sistema agrícola sustentável que envolve a redução do revolvimento do solo, a manutenção da cobertura vegetal do solo e a rotação de culturas; a utilização de sistemas agroflorestais, que combinam culturas agrícolas com árvores, resultando em maior produtividade e diversidade de culturas, além de fornecerem serviços ecossistêmicos importantes, como a proteção do solo, o controle de pragas e doenças e a conservação da biodiversidade; e a restauração de áreas degradadas ou a criação de corredores ecológicos, que pode ajudar a recuperar a biodiversidade e aumentar a capacidade de sequestro de carbono dos ecossistemas.

São algumas iniciativas que aparecem como resposta para o agro lidar com a pressão crescente pela redução das emissões poluentes, já que o setor terá papel decisivo para garantir a segurança alimentar da população global, que deve chegar a 8,5 bilhões de pessoas em 2050. Portanto, agricultura sustentável em escala será fundamental. E será mesmo possível aumentar a produção e ao mesmo tempo reduzir emissões de GEE? Ramos afirma que sim.

“Gostamos da expressão falso dilema. Você pode crescer reduzindo emissões. Grande parte das técnicas de agricultura sustentável já são adotadas no campo, o que trazemos no estudo é mais a necessidade de expansão e divulgação delas. Reforçar a questão da recuperação, da integração lavoura-pecuária-floresta, adotar uma logística mais eficiente, modais mais econômicos, ou seja, há muitos temas para serem expandidos, e por isso temos uma visão positiva do caminho a seguir”.


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