Ao inovar em inteligência semântica, Legalbot mostra que, no duelo entre homens e robôs, a sustentabilidade das empresas sai ganhando

Entropia é um conceito da física relacionada ao grau de desordem de um sistema. Quanto maior a desordem, menor a energia disponível para uso. E quanto maior o consumo de energia, maior o risco de colapso desse sistema –que pode ser uma empresa, um país ou o próprio corpo humano.

A tecnologia digital é um dos meios para reduzir essa entropia. Um dos exemplos é o Waze, aplicativo para dispositivos móveis baseado em navegação por GPS. Ele incorpora um sistema complexo, que é a mobilidade urbana, e reduz a incerteza ao definir a melhor rota –e, por isso, a entropia diminui. Ao fazer uso da tecnologia e escolher caminhos mais eficientes, esse mecanismo libera mais tempo das pessoas e gera menos gás carbônico –e, não por isso, passou a fazer parte do cotidiano dos motoristas em grandes cidades.

Mas se em vez de muitos trajetos para serem percorridos houvesse muitas normas para serem seguidas? “O que a Legalbot se propõe a fazer é reduzir a entropia regulatória. Nosso propósito é focado em ESG, porque empresas que não são eficientes do ponto de vista da difusão da informação são sistemas que vão quebrar”, explica Alexandre Bess, fundador e CEO da regtech Legalbot.

A empresa nasceu em um momento em que é humanamente impossível que as organizações acompanhem tudo que é relevante em seu setor de atuação. É preciso então que a tecnologia digital entre no jogo para reduzir riscos, potencializar oportunidades e, mais uma vez, manter a entropia sob controle.

“Em essência, o que a gente faz em termos de ESG é tornar a empresa mais sustentável reduzindo as fricções internas na difusão da informação. São as tecnologias digitais que facilitam a redução dessa fricção.”

COMO NASCE UMA REGTECH

Alexandre Bess e outros três sócios eram referência nas suas áreas e quando identificaram, há mais de seis anos, uma questão que colocaria as grandes empresas em xeque. “Olhamos para algo que não era tratado e, na verdade, para onde ninguém gosta de olhar porque não é o core de nenhuma empresa: o nicho regulatório”, diz Bess.

A jornada começou quando um banco pediu para que eles fizessem um estudo sobre todos os normativos do Banco Central. O estudo demorou 10 mil horas, mobilizou 12 especialistas e durou 4 meses. “Lemos todas as normas e dissemos o que era relevante ou não”, lembra. “Mas o problema é que toda nova norma revoga as anteriores, então o sistema inteiro se torna obsoleto muito rapidamente. E fazer a manutenção disso é muito caro.”

A dificuldade se encontrou, naquele momento, com o avanço tecnológico. Há seis anos emergiam tecnologias que foram pontos de inflexão, como a nuvem, que barateia o processamento e viabiliza o armazenamento de dados. “Se tenho processamento barato e possibilidade de guardar dados eu posso aplicar algorítimos sobre textos, que são machines learnings.”

Então veio a oportunidade. O teste para a ideia nascente era executar o que os 12 especialistas haviam feito ao longo dos 4 meses. O algorítimo precisou de apenas 3 horas para entregar o pedido.

“Por mais que tivessem erros, é uma quebra de paradigma tão grande que vimos que dava para fazer muita coisa a partir disso. Pensamos: temos uma tecnologia disruptiva aqui.”

Eles faziam parte do Google for Startups Campus. Lá, ouviram avaliações dos melhores especialistas na área e viram que além de coletar e organizar as informações, era também preciso reduzir esforço das pessoas para interpreter o assunto.

“Começamos com isso e hoje é muito mais”, diz Bess. A máquina organiza informações para que o trabalho do humano seja o menor possível, liberando o tempo desse funcionário. Mas o homem tem que estar ali calibrando e interagindo com a tecnologia, crescendo juntos, explica.

“A combinação simbiótica homem-máquina é matadora, é o futuro. Quem não fizer, estará quebrado.”

Bess ressalta que o homem –ou o funcionário—é parte essencial nesse processo. Mas ele está alocado nos metros finais dessa maratona, e é o refinamento humano que faz a diferença na análise dos termos.

O ROBÔ, O HOMEM E A INTELIGÊNCIA SEMÂNTICA

Mas antes disso, a corrida é feita por robôs de diferentes complexidades, que lançam mão da inteligência semântica para identificar e organizar informações. A tecnologia tem capacidade de ler códigos, normas, leis e textos em geral para extrair as informações necessárias, mas é o olho não biônico que referenda o que é válido de fato para a empresa.

Esse avanço tecnológico traz um desafio para esse universo regulatório em todo o mundo.

“Leis e regras estão sendo feitas desde o Código de Hamurabi [por volta de 1780 a.C] da mesma maneira, há milhares de anos. O que tem de quebra de paradigma agora? Agora temos um robô que não é humano lendo. Isso gera implicações na forma como eu escrevo as leis, que agora, para serem lidas por robôs de maneira mais eficaz precisam ter menos ambiguidade.”

A máquina pode então ler (ou raspar) informações, coletá-las, classificá-las e fazer a taxonomia desses dados. Esse pacote de informações chega ao funcionário para que melhores decisões sejam tomadas. Os serviços oferecidos pela Legalbot também buscam auxiliar nesse processo.

Para ter uma imagem mais concreta dessa facilidade, Alexandre cita o exemplo de uma grande rede de escolas, com unidades em diversos locais e cuja regulamentação segue normas federais, estaduais e municipais. Durante a pandemia, houve dificuldade para acompanhar decisões governamentais e saber, por exemplo, quando uma escola poderia ou não abrir as portas.

Para fazer esse acompanhamento, a empresa conta com 6 funcionários para tentar mapear essas mudanças. A decisão de mudar a conduta frente a uma alteração na regulação não pode ser feita pelo robô, mas ele pode garantir a coleta desses dados para otimizar a tomada de decisão. Isso pode permitir, por exemplo, que mais escolas possam atender os alunos com mais agilidade.

“Ajudamos as organizações a operarem em conformidade em ambientes altamente regulados. Ajudamos a executar as atividades cumprindo as obrigações com pouco esforço. Entregamos produtividade, seletividade e controle.”

Alexandre Bess, fundador e CEO da Legalbot. (Crédito: Divulgação)

São questões que perpassam as organizações como um todo, mas áreas com maior regulação exigem mais atenção das empresas. Segundo Bess, hoje o setor financeiro e as grandes empresas já compreenderam o ganho que essa tecnologia pode trazer para o negócio. Dentro de uma organização, áreas como jurídica, compliance, tributária e regulatória são as que mais demandam esse tipo de atenção.

“Imagine que você chega em uma área da empresa e as normas estão no email de um funcionário. Nós damos mecanismos para dar autonomia a quem precisa de determinada informação sem ter que pedir para outro funcionário mandar um arquivo que ele não lembra onde está”, exemplifica Bess.

A Legalbot não divulga sua lista de clientes, mas diz que são de grande porte e com uma mentalidade que identifica tecnologia digital como oportunidade para a melhoria dos processos. A intenção, porém, é levar essas soluções para empresas menores.

Para isso, a Legalbot, que já ganhou diversos prêmios pelo mundo, planeja agora segmentar a plataforma de soluções que oferece a seus clientes, favorecendo a capilarização do serviço.

“Queremos democratizar. Teremos que quebrar a plataforma em microprodutos mais simples e didáticos e começar a fazer uma jornada de aprendizagem com essas pessoas”, diz Bess, que também colabora com a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) para a criação de um marco regulatório sobre regtechs, a ser lançado no final deste ano.

Ele ressalta que há um “vale” no Brasil quando o assunto é a adoção de tecnologia para o compliance regultório: 

“O governo digital acelerou nos últimos anos e temos uma mentalidade pró-tecnologia, mas temos organizações e empresas privadas que ainda são muito lentas para a adoção dessas tecnologias. O maior problema é que as empresas têm dificuldades de se apropriar dessas tecnologias digitais.”

SUGESTÕES PARA IR MAIS LONGE EM INOVAÇÃO

Conversar com Bess é um mergulhar no debate sobre inovação, e ele sugere diversas leituras ou figuras públicas que valem a pena conhecer. Seguem algumas:

  • A Empresa viva” (1998): livro de Arie de Geus que introduz o conceito de “empresa viva”, cujo propósito é realizar seu potencial e se perpetuar como comunidades longevas em oposição a empresas econômicas que agem apenas em função do lucro imediato.
  • Morte e vida de grandes cidades” (2011): um dos livros em que Jane Jacobs trata de sistemas complexos e discute a vitalidade das grandes cidades.
  • Scale: The Universal Laws of Life, Growth, and Death in Organisms, Cities, and Companies” (2018) : o físico britânico Geoffrey West já foi presidente do Santa Fe Institute e se dedica a estudar os princípios fundamentais de sistemas adaptativos complexos.

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