“Agenda de risco para mudanças climáticas está ganhando novo protagonismo nas organizações”, diz Carla Leal, da WayCarbon

A pandemia tem sido um momento de fazer “cair a ficha” para todos nós sobre a importância de agir coletivamente contra ameaças que são globais. E, para Carla Leal, diretora de growth da consultoria WayCarbon, o paralelo com a crise climática é inevitável. “Em ambos os casos, precisamos ter uma visão sistêmica. Não adianta se preocupar com a sua vida e não com o todo”, diz. “Percebemos a fragilidade da vida humana nessas situações. A importância de usar máscara, passar álcool em gel nas mãos, ficar em casa para proteger também os outros e evitar um colapso, tudo isso reforça a necessidade de colaboração.”

A valorização da agenda de combate ao aquecimento global, em especial nos últimos anos, está expressa no próprio crescimento da consultoria. Apenas no último ano, o faturamento e as vendas da WayCarbon quadruplicaram. A empresa, que tem foco exclusivo em sustentabilidade e mudança climática, hoje soma mais de 400 clientes, incluindo 75% das companhias listadas no ISE B3 (Índice de Sustentabilidade Empresarial). “Houve uma associação entre os efeitos da pandemia e o risco que a mudança climática representa”, pondera Leal.  

Outro indicador concreto dessa preocupação é a expansão do programa Amigo do Clima, criado pela consultoria para ajudar a medir a pegada de carbono de empresas e eventos e compensá-la por meio da aquisição de créditos de carbono oriundos de projetos nacionais certificados, que já compensou mais de 7,8 milhões de toneladas de CO2 desde sua criação em 2014.

Nesse sentido, um dos projetos mais promissores em andamento é a parceria com a rede de varejo Americanas, que criou uma área dentro do seu site (e app) para comercializar apenas produtos com rotulagem climática, que certifica que os artigos ali expostos são “carbono neutro” e tiveram suas emissões de gases do efeito estufa, desde a criação até o descarte, neutralizadas.

A iniciativa estreou no final do ano passado, sob a marca Americanas + Clima, e lista mais de 1.300 itens com os selos eureciclo, Sistema B e Amigo do Clima. O primeiro certifica empresas que realizam logística reversa das embalagens, ou seja, disponibilizam sistemas para a coleta e destinação adequadas do lixo gerado. O Sistema B é um movimento global de empresas que buscam equilibrar compromisso social e lucratividade, considerando o impacto de suas ações não apenas na saúde dos negócios mas também no meio ambiente e nas pessoas e comunidades ao redor. O Amigo do Clima, criado pela própria WayCarbon, certifica os negócios que compensam voluntariamente emissões de gases do efeito estufa.

Com a iniciativa, as empresas de bens de consumo que neutralizarem suas emissões com a WayCarbon poderão colocar seus artigos à venda na nova área da Americanas.

“Essa agenda de rotulagem climática nos produtos vai ser muito importante daqui para a frente, porque os consumidores estão cada vez mais conscientes e querem saber que tipo de produto estão consumindo. Isso é uma grande tendência de mercado.”

PAINEL REÚNE INFORMAÇÕES SOBRE ESG NAS EMPRESAS

A WayCarbon foi fundada em 2006 por quatro sócios, dos quais três atuam até hoje diretamente no negócio. No início, era uma espécie de grupo de estudos que chegou a uma metodologia nova de avaliação e geração de créditos de carbono, aprovada pela ONU. “Teve um momento que esse mercado de carbono sofreu um desaquecimento, então eles começaram a atuar em outros temas relacionados à mudança climática, como inventários de emissão de gases estufa, e perceberam como essa questão era complexa”, conta Carla Leal. “A partir disso, desenvolveram uma tecnologia para esse inventário, que veio a se tornar o Climas, nosso principal produto digital.”

O Climas é um software de gestão de informações ESG. A ideia é oferecer uma espécie de painel que permita a coleta e visualização integrada de diversos indicadores de sustentabilidade. Com isso, a promessa é facilitar a tomada de decisões ao mesmo tempo em que se obtém mais visibilidade, controle e segurança para as informações estratégicas da companhia. 

“Vejo que hoje a demanda por gestão ESG virou o que era o ERP [gestão de processos] anos atrás. Os diretores querem um dashboard claro que traga todas as suas demandas já consolidadas. Querem saber de modo rápido e fácil como suas empresas estão em relação a temas como diversidade, gasto de energia, consumo de água.”

Segundo a executiva, cada setor tem suas especificidades, e a materialidade, ao se tratar de ESG, é cada vez mais demandada.

O termo “materialidade”, segundo o novo Guia ASG da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), designa “o processo de definição de aspectos ASG relevantes, ou seja, que possam influenciar, substantivamente, as avaliações e decisões de stakeholders”. No caso de gestores e investidores, temas materiais são aqueles que podem influenciar a tomada de decisão de investimentos. “Portanto, materialidade é um método que revela como todo o processo de inclusão de fatores ASG impactará os investimentos, os clientes, o meio ambiente e a sociedade.”

Em outras palavras, é a parte do ESG (ou ASG) que importa diretamente ao negócio em questão: traz oportunidades, gera riscos, aponta tendências. “Antes o pessoal nem sabia o que era materialidade, mas hoje tenho certeza que todos sabem”, brinca Leal.  

DEPOIS DA MITIGAÇÃO ADAPTAÇÃO ENTRA NO RADAR DAS EMPRESAS

Após a fase de inventário de emissões, começam a aparecer demandas de descarbonização, “que são os compromissos que as empresas têm que assumir, ou querem assumir, de redução de emissões com base na ciência ou mesmo de net zero”, conta a executiva da WayCarbon.

Nesse sentido, além da agenda de mitigação dos efeitos da atividade econômica das empresas no meio ambiente, Leal conta que a agenda de adaptação tem ganhado força nos últimos anos.

As estratégias de mitigação e de adaptação em relação às mudanças climáticas são diferentes. No primeiro caso, as estratégias têm como função combater as causas e minimizar impactos do aquecimento global.

No segundo caso, o da adaptação, os esforços são direcionados a reduzir consequências negativas das mudanças climáticas. Ou seja, se as estratégias de mitigação não conseguem conter suficientemente as emissões para evitar a mudança climática e seus efeitos negativos, como episódios mais imprevisíveis e dramáticos de estiagens e de alagamentos, teremos de desenvolver uma espécie de resiliência climática: formas de adaptação a um clima mais hostil, que garantam a sobrevivência da humanidade e de todos os demais seres vivos.

“A agenda de adaptação também se tornou muito importante, pensando questões como a parte de riscos ao negócio e custos de transição”, conta Leal.  Por conta da nova demanda, a consultoria desenvolveu outro software, o Move, que faz análise da vulnerabilidade da empresa e dos riscos associados à mudança do clima.

“A agenda de risco está ganhando um novo protagonismo nas organizações, portanto ajudamos as empresas a mensurarem e tangibilizarem os riscos físicos a que estão suscetíveis.”

Carla Leal explica que cada setor tem uma necessidade e risco específicos. “Por exemplo, quando a gente fala no setor de energia, temos no Brasil empresas que têm matriz de geração eólica, solar e hidrelétrica, e cada atividade de geração fica suscetível a um diferente nível de risco. Quando falo em secas estou afetando mais as hidrelétricas e menos as geradoras de energia solar. Quando falo de inundação, pode ser o inverso.”

CONSULTORIA OFERECERÁ CURSOS COM TEMÁTICA ESG

A demanda por informação e estratégias relacionadas a ESG está “altíssima”, segundo a WayCarbon. As empresas de capital aberto, mais suscetíveis ao escrutínio do mercado, lideram o movimento.

“No ano passado vimos que muitas empresas fizeram seus IPOs [oferta inicial de ações] e tiveram demandas ESG dos investidores. A conscientização dos investidores sobre a importância do tema foi fundamental para que as empresas passassem a se movimentar.”

Atenta a essa demanda, a WayCarbon deve intensificar nos próximos meses a oferta de cursos relacionados a temas ESG, em especial sobre mudanças climáticas. Alguns cursos devem ser mais gerais, como um piloto lançado no ano passado para anteder gerentes que queriam conhecer melhor a agenda climática. Outros terão um perfil mais específicos, como o que abordará a realização de inventários técnicos de emissões de gases de efeito estufa, previsto para maio.


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