Julia Moioli
A agricultura está entre as atividades que mais emitem gases do efeito estufa, causadores das mudanças climáticas que afetam a vida de bilhões de pessoas no mundo todo. Mas se por um lado ela pode ser vilã, a agricultura é também uma das atividades com maior potencial para sequestrar o poluente e assumir protagonismo no mercado de carbono – mecanismo que permite negociar créditos para que países possam reduzir numericamente suas emissões.
Mas, por enquanto, ainda não há metodologias e protocolos adequados para que isso aconteça, especialmente no caso de uma agricultura tropical como a do Brasil, com mais particularidades. O Projeto PRO Carbono, idealizado pela multinacional alemã de agroquímicos Bayer em 2020, atua justamente para ampliar essas perspectivas.
A ideia da empresa é unir agricultores, instituições de pesquisa, consultorias locais, bancos, seguradoras e equipe tecnológica para estimular uma verdadeira frente ampla de transformação. Ao mesmo tempo em que se trabalha na criação de um modelo para mensurar carbono no solo, promove-se boas práticas de manejo entre produtores para capacitá-los para um futuro que já está aqui.
Fábio Passos, diretor do negócio de Carbono para a América Latina da Bayer, atua há mais de 15 anos com o setor de agronegócio e dimensiona o desafio:
“Temos o compromisso de sempre olhar para a agricultura do futuro e, quando fazemos isso, entendemos o tamanho da oportunidade que o mercado de carbono trará. Para construir essa jornada, é fundamental agregar parceiros. Precisamos de união para vencer.”
Acompanhando a safra 2021/2022, o PRO Carbono atinge este ano 1.800 agricultores de cereais (soja e milho) de 666 municípios em 16 estados brasileiros. Todos são usuários da plataforma da Bayer Climate FieldView Plus. Por meio dela, é selecionado o talhão (unidade mínima de cultivo de uma propriedade) onde o cultivo será acompanhado. Os dados são então coletados e rastreados.
O ponto de partida do projeto é a realização da análise socioambiental dos inscritos. Esse processo garante que eles não apresentem passivos ambientais, como áreas de desmatamento, infrações trabalhistas ou áreas irregulares dentro da propriedade. Esse relatório é, aliás, um dos grandes benefícios de curto e médio prazos aos participantes: funciona como garantia de estarem no caminho certo dos princípios ESG – e, caso não estejam, os ajuda a chegar lá.
INSTITUIÇÕES DE PESQUISA DÃO SUPORTE CIENTÍFICO
Dez instituições de pesquisa, entre elas Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), Esalq/USP (Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”), Unesp (Universidade Estadual Paulista) e Federação Brasileira do Sistema Plantio Direto, atuam no protocolo científico.
A Embrapa, por exemplo, contribui com métodos analíticos que geram avaliações de ciclo de vida da produção, considerando emissões e remoções na cadeia agrícola.
Porém, com base no relatório socioambiental e nos modelos de cada negócio, são as cerca de 70 consultorias locais que auxiliam os agricultores a construir um plano de manejo sustentável por três anos. “A realidade do Rio Grande do Sul é diferente da realidade da Bahia. Um agricultor que planta soja é diferente de um agricultor que planta só o milho”, explica Passos.
“Precisamos não só do nosso conhecimento global, mas de pontos de apoio locais para replicar o método. Para expandir um projeto como esse é preciso capilaridade.”
O passo seguinte é a análise do solo: coleta-se amostras para observar fertilidade e quantidade de carbono e determinar o período inicial da pesquisa.
Então, é chegada a hora do cultivo, em que dois processos andam juntos: a adoção de práticas conservacionistas (como plantio direto, rotação de cultura, plantio de cobertura e fertilidade) e o uso de aceleradores para aumentar o sequestro de gás carbônico da atmosfera (como otimização da aplicação de fertilizantes e de corretivos, adoção genética e biotecnologia e ajuste de densidade de plantas por ambiente).
Ao final da safra, os agricultores compartilham seus dados de colheita via Climate FieldView Plus. Os resultados são analisados e as próximas safras, calibradas. Dessa forma, é possível realizar uma comparação entre o antes e o depois e estabelecer os ganhos.
Graças a outras parcerias, como a que a Bayer mantém com a produtora de fertilizantes Mosaic e com o Itaú BBA, durante o projeto, os agricultores têm acesso a eventos informativos que introduzem novos conceitos, como o de produtos carbono neutros (com redução e balanceamento de emissões), assim como soluções de financiamento.
COMO FUNCIONA NA PRÁTICA
Durante o programa, o agricultor é o responsável pelos insumos (sementes, fertilizantes, defensivos) no talhão do projeto, enquanto a Bayer arca com os custos de coleta de solo, mensuração de carbono no primeiro ano, assessoria socioambiental e consultoria de práticas sustentáveis.
A multinacional estima que, ao final do período de três anos adotando as práticas do programa, os produtores tenham uma alta de 6% na rentabilidade média e de mais de 10% na produtividade. A Bayer quer mostrar que boas práticas valem a pena –para o combate ao aquecimento global e para o bolso do produtor. A experiência na área piloto serve ainda de base para os agricultores eventualmente ampliarem o cultivo nos moldes do projeto.
“Fazer só por fazer para a Bayer é pouco. Queremos criar modelos que conectem sustentabilidade com rentabilidade.”
Para a multinacional, é a chance de ir além do cumprimento de seu compromisso global de carbono, que se propõe a reduzir 30% das emissões até 2030 e tornar a empresa neutra em emissão de gases de efeito estufa.
“Quando o produtor começa a ver uma agricultura mais sustentável e de mais produtividade no mesmo hectare, ele se conecta muito com as nossas soluções”, afirma Passos.
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