Criado em volta da mesa, o administrador público Giuliano Bittencourt conta que da cozinha da casa de sua família, na cidade mineira de Divinópolis, vinham os melhores aromas e os pratos mais saborosos – todos invariavelmente gordurosos. A morte do pai, diabético e hipertenso, antes dos 60 anos acendeu um alerta para que ele começasse a olhar com mais cuidado para a própria alimentação.
Anos mais tarde, ele visitou o MIT (Massachusetts Institute of Technology), nos Estados Unidos, enquanto ajudada a fundar o Seed – Startups and Entrepreneurship Ecosystem Development, programa de aceleração de startups do governo de Minas Gerais. Foi naquele momento que todas peças se juntaram em sua cabeça: com a tecnologia correta, era possível produzir vegetais dentro das grandes cidades, do lado do consumidor, o que, além de permitir o frescor também é muito mais sustentável. “Reconheci ali uma oportunidade de negócio que fazia sentido para mim”, conta ele.
Quando retornou ao Brasil, não perdeu tempo. Pediu exoneração do cargo no governo de Minas Gerais e centrou esforços na estruturação do que se tornaria a primeira fazenda urbana da América Latina. Mas, antes, teve que aprender a cultivar. Com o sócio Pedro Graziano, passou dois anos produzindo alface orgânica hidropônica em uma fazenda convencional arrendada em Betim.
Lá, os sócios entenderam e vivenciaram o maior problema da cadeia de alimentos, o desperdício: de tempo, de energia, de combustível, de fertilizantes, de água, de alimentos. A experiência só reforçou a importância e urgência do projeto.
PLANTANDO HORTALIÇAS NO SHOPPING
Durante uma feira de produtores, em uma conversa com o gerente de marketing do Boulevard Shopping, em Belo Horizonte, os empreendedores encontraram o apoio necessário e, num terreno no térreo, construíram a Boulevard, com uma estufa de mais de 1.000 m² e capacidade para produzir 40 mil pés de hortaliças por mês. O ano era de 2017 e tinha ali início a operação da startup BeGreen, que vem triplicando seu faturamento a cada ano.
“Uma vez eu entrevistei uma candidata e perguntei por que ela queria trabalhar na BeGreen. A resposta define bem nosso sucesso e crescimento: ‘Aqui, quanto mais, melhor para o mundo. Eu cansei de trabalhar em empresas onde quanto mais, pior para o mundo’”, lembra ele, fundador e CEO da startup.
“Hoje, felizmente, venture capitalists investem não só em empresas que deem dinheiro, mas que façam isso de forma positiva. Aposta-se nos propósitos. E negócios sustentáveis geram, sim, riqueza.”
Bittencourt, que ganhou o título de “Forbes Under 30” na categoria Tecnologia e Inovação, não fala isso à toa. Hoje, cinco anos depois da primeira inauguração, sua startup já soma mais de R$ 16 milhões em investimentos, 80 colaboradores, mais de 10 mil m² de área construída e produção de 130 mil pés de hortaliças (22 toneladas) por mês, com produtividade média de 3,35 quilos por m².
A BeGreen também oferece planos de de assinatura semanal e quinzenal para que os consumidores possam receber as hortaliças em casa, e o número de fazendas saltou para oito, incluindo unidades dentro da Mercedes-Benz, em São Bernardo do Campo (a primeira do mundo em uma fábrica de veículos); no Via Parque Shopping, no Rio de Janeiro; na sede do iFood, em Osasco; no Shopping Bahia, em Salvador; e no Parque D. Pedro Shopping, em Campinas (SP).
Vale lembrar que todas essas fazendas impactam diretamente as empresas onde estão localizadas, permitindo que elas deixem de emitir gás carbônico e joguem comida fora (muitas vezes, os alimentos chegam aos restaurantes danificados ou estragados depois de longas viagens).
AUTOMAÇÃO E TECNOLOGIA DE PONTA PERMITEM CULTIVO SUSTENTÁVEL
Entre os grandes diferenciais, as fazendas da BeGReen estão cravadas dentro dos centros urbanos, próximas do consumidor final, o que reduz o desperdício de alimentos a apenas 1% (na América Latina como um todo esse índice pode chegar a 70%). Além disso, o transporte é eliminado ou altamente reduzido, e, consequentemente, as emissões de gás carbônico emitidas no trajeto.
Mas são os diferenciais tecnológicos que ajudam a entender essa revolução no modo de cultivo. Menores do as convencionais, essas fazendas não usam terra e cultivam sementes selecionadas em estufas hidropônicas (com as raízes na água, em soluções com nutrientes naturais) que economizam em até 90% o consumo de água. As plantas ficam em espécies de calhas, que recebem de forma automatizada por injeção os volumes exatos de água e nutrientes. Há ainda exaustores que garantem a qualidade do ar e cobertura de filme agrícola especial e cortina, que controlam temperatura e luminosidade para minimizar interferências por mudanças bruscas de clima e contaminação.
“Usamos a tecnologia para criar o ambiente ideal para as plantas crescerem. Não precisamos utilizar agrotóxico, apenas defensivos biológicos. Tudo isso nos torna 28 vezes mais produtivos por metro quadrado do que um produtor convencional.”
Para manter a tecnologia sempre atualizada, a startup conta com uma equipe interna de pesquisa e desenvolvimento, mas também centra esforços em parcerias.
Como Bittencourt faz questão de lembrar, as próprias plantas não sobrevivem sem um ecossistema colaborativo. Foi assim com a Mercedes-Benz e com o iFood, em 2020, quando ajudou a criar um modelo de produção hidropônica e verticalizada com iluminação de LED para potencializar a produtividade de forma sustentável na fazenda urbana da empresa de delivery.
STARTUP MIRA EM INTERNACIONALIZAÇÃO E MAPA ESG
Com todos os pilares do Sistema B, a startup está neste momento estruturando sua área ESG e desenvolvendo seu mapa de impacto. Como ainda não há metas estabelecidas, e a ideia é focar em medição.
“Em termos de ODS, sabemos que impactamos em água, cidades sustentáveis, emissão de CO2, desperdício e fome, mas a partir do momento que tivermos o arcabouço de medição de um ano completo para todas as nossas fazendas, o que deverá acontecer no final de 2022, começaremos a definir o quanto teremos que reduzir em desperdício e o que fazer para zerar emissão em fazendas onde isso
ainda não acontece”, planeja Bittencourt.
“Nossa maior ambição ESG é chegar ao desperdício zero em todas as fazendas. Afinal, foi para resolver essa dor que nascemos.”
No lado social, a startup também trabalhar com parcerias para planejar e executar suas ações que, desde a fundação, já levaram mais de 100 toneladas de hortaliças para bancos de alimentos e comunidades. Um exemplo é a participação no projeto Mesa Brasil Sesc, que recebe excedentes de produção e alimentos fora dos padrões de comercialização mas próprios para o consumo. Outro é a doação de parte da
produção da fazenda na sede do iFood para 3.000 famílias cadastradas no Banco de Alimentos de Osasco. Além disso, todas as fazendas de shopping recebem, em média, 1.500 pessoas por mês para visitas guiadas que explicam o processo produtivo.
Estruturar essas ações deve fortalecer os princípios da BeGreen e também ajudar a empresa a crescer. Ela começa agora a diversificar sua produção, incluindo frutos e legumes, e deve dobrar a capacidade produtiva em seis meses, chegando a 100 mil m² de área produtiva em um ano. Também se prepara para inaugurar este trimestre uma nova fazenda, desta vez na Ambev, em São Paulo.
“Geramos muito impacto no Brasil com nossa forma de produzir e temos tudo para nos tornar uma empresa internacional. Mas não podemos nos esquecer do que nos motivou em primeiro lugar: alimento saudável e sustentável. Nossa atuação é muito mais complexa do que só entregar alface, mas, no final do dia, o que importa é que o pé de alface chegue ao consumidor com sabor melhor que o de uma hortaliça convencional e com a garantia de ser sustentável.”
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