Firgun conecta agenda ESG de grandes empresas a empreendedores das periferias que buscam crédito para crescer

A microempreendedora paulistana Debora Soares Fidel, 36, não teve uma vida fácil. Com apenas 7 anos de idade, ficou órfã de mãe. Aos 9, perdeu o pai. Para se virar, começou ainda adolescente a trabalhar em casas de família, como faxineira. Mas sempre que cozinhava, era elogiada. E foi nesse ambiente adverso que ela descobriu sua vocação. Logo, começou a preparar as refeições para as festas da família.

Debora aprendeu a cozinhar com uma cunhada, aos 8 anos, e nunca mais parou. Mas cozinha foi um bico para ela até 2012, quando foi demitida. Sem trabalho e com uma filha recém-nascida, tornou-se empreendedora. Passou a vender tortas salgadas, frescas e saborosas, de porta em porta na periferia de São Paulo.

Com o sucesso, ficou conhecida na região e começou a crescer. Logo passou a atender empresas e a trabalhar apenas sob encomenda. Ainda assim, a grana vivia curta, era difícil investir em equipamentos de cozinha e ampliar a clientela. Mais de uma vez, teve de recorrer a agiotas. Pegava crédito com juros extorsivos, de 1% ao dia.

Foi nessa altura da vida que o caminho de Debora Fidel cruzou o da fintech Firgun, que conecta microempreendedores a investidores. Fábio Takara, sócio-fundador da startup, entusiasma-se ao contar a história de Debora, hoje conhecida como Chef Debinha. “O crédito revolucionou a vida dela. Quando a encontramos, ela faturava R$ 80 mil por ano e contratava duas pessoas para ajudá-la em eventos. Um ano depois de tomar R$ 15 mil com a gente, ela já faturava R$ 800 mil e empregava dez pessoas fixas.” E reforça:

“Esse caso mostra como um crédito bem-feito, com juros adequados, pode fazer a pessoa crescer. Antes ela pagava 1% ao dia, depois passou a pagar 1% ao mês. Conseguiu se estruturar e crescer.”

PANDEMIA UNIU AGENDA ESG DE EMPRESAS AO MICROCRÉDITO

A Firgun nasceu em 2016 como uma empresa de peer-to-peer lending, ou seja, de empréstimos entre pessoas. Na prática, ela fazia a ponte entre pessoas físicas com dinheiro para pequenos investimentos e microempreendedores com necessidade de um pequeno capital (o valor médio dos créditos é de R$ 2.000). Pode parecer pouco, mas, para um microempreendedor periférico, essa quantia pode ser suficiente para dar o start na operação – ou fazê-la decolar.

O portfólio da Firgus está repleto de exemplos desse tipo. São empreendedores que trabalham com moda, artesanato, beleza, pequenos mercados e, claro, gastronomia, entre outros.

Mas havia um problema, que a pandemia tratou de escancarar. No modelo peer-to-peer, se você quer oferecer um crédito de R$ 10 mil a alguém em necessidade, pode precisar de 400 apoiadores dispostos a investir, por exemplo, R$ 25 reais no projeto. E isso leva tempo. Leva tempo divulgar as ações e atrair interessados nesse financiamento coletivo a juro baixo. Em média, o dinheiro levaria de 30 a 40 dias até estar disponível para o empreendedor.

Em tempos de Covid-19, isso começou a parecer tempo demais.

“A pandemia motivou a reestruturação do nosso negócio. Nós já queríamos trabalhar com recursos próprios, já estávamos indo ao mercado para isso, e com a pandemia aceleramos esse processo.”

“Surgiram mais pessoas precisando de crédito, especialmente mulheres, que começaram a cozinhar para aumentar a renda”, completa. Com a crise, tornou-se urgente pensar em soluções para liberar o dinheiro mais rapidamente.

A resposta para o problema surgiu em maio de 2020, com o lançamento do Fundo Periferia Empreendedora. Em vez de focar no modelo peer-to-peer, pulverizando a captação de recursos por centenas de investidores, a Firgun decidiu procurar diretamente algumas empresas já conscientes da relevância de ações ESG e, portanto, mais abertas a ouvi-lo. Deu certo.

FUNDO PERIFERIA EMPREENDEDORA ESTIMULA “DOAÇÃO INIFINITA”

Com o apoio de Grupo Pão de Açúcar, Cielo, Fundação Casas Bahia, Prospera Capital, Garin Investimentos e ICE (Instituto de Cidadania Empresarial), a startup conseguiu arrecadar mais de R$ 500 mil para um “fundo de doação infinita”.

A proposta era direcionar esse montante a empreendedores por meio de créditos de até R$ 3.000, com 120 dias para começar a pagar, parcelamento em até 20 vezes e política de juro zero. Ou seja, o tomador de empréstimo por meio do fundo recebe o dinheiro mais rapidamente – de duas a três semanas, segundo Takara – e não paga juros e nem mesmo correção monetária, desde que mantenha as prestações em dia. Se atrasar os compromissos, pagará juros de 1% ao mês.

Quando esse dinheiro retorna para o fundo, por meio dessas prestações, ele fica novamente disponível para beneficiar outro empreendedor. Daí a ideia de “doação infinita”. Depois que entra nessa rede, por meio de doações de empresas, o crédito vai trocando de mãos apenas entre os microempreendedores periféricos selecionados. 

PROJETO PODE AJUDAR CADEIA PRODUTIVA DE GRANDES EMPRESAS

 “Isso não é um investimento financeiro, mas uma ação ESG”, explica Takara, da Firgun. Segundo ele, embora a importância de investir em boas práticas ambientais, sociais e de governança já esteja clara para grande parte das empresas do país, muitas não sabem como fazê-lo – ou têm recursos limitados.

“Estruturar uma área de ESG tem um custo muito grande, que pode ser superior ao orçamento disponível para os próprios projetos ESG. Por que não fazer parcerias com organizações que já têm esse conhecimento, já têm contato com as comunidades? Entendo que essa é uma forma de fazer as coisas acontecerem, otimizando recursos.”

Enquanto empresas de capital aberto, especialmente as que compõem o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE B3), já têm isso claro, Takara espera que, com o passar do tempo, até empresas de médio porte percebam que podem fazer a diferença ao investir em projetos como o fundo.

A ação também beneficia os negócios. “Se uma empresa tem microempreendedores como parte da sua própria cadeia produtiva, e fomenta crédito a eles, consegue ter uma qualidade melhor dos produtos que vai receber e até aumentar a base de fornecedores, a partir do momento que as pessoas se interessam em trabalhar com ela”, afirma.

O Fundo Periferia Empreendedora já beneficiou 252 tomadores, com um valor médio de R$ 2.000 por ação.

FUNDOS “SOB MEDIDA” PERMITEM FOCAR GRUPO A SER IMPACTADO

Além de poder doar recursos para o Fundo Periferia, Takara conta que é possível encomendar um projeto personalizado, que atenda a um interesse específico da agenda ESG da empresa.

Foi o que aconteceu quando uma das maiores produtoras de cimento do país, a InterCement, procurou a Firgun. A ideia era investir em ações de microcrédito especificamente nos municípios onde a fabricante possui plantas industriais. “Eles estavam olhando para os funcionários, seus familiares e amigos. Queriam beneficiar as comunidades em que atuavam diretamente”, conta Takara.

Do encontro surgiu o desenho do Fundo Ser+ Empreendedor, que estreou em agosto com R$ 300 mil em caixa. O fundo é direcionado especificamente a moradores dos municípios de Campo Formoso (BA), São Miguel dos Campos (AL), Ijaci (MG) e Cezarina (GO), todos de pequeno porte, onde o impacto da ação é ainda mais expressivo.

O microcrédito oferecido tem quotas no valor de R$ 1.000, que podem ser pagas em até 12 vezes, e de R$ 2.000, para serem pagas em até 24 vezes. Sempre sem juros e com carência de 90 dias para iniciar o pagamento das parcelas. Assim como no caso do Fundo Periferia, a doação é “infinita”: o pagamento das parcelas alimenta o fundo e permite novos empréstimos a outros empreendedores.

NA BASE DE TUDO, CAPACITAÇÃO PARA EMPREENDER

Em todos os casos, os empréstimos são destinados a empreendedores pré-selecionados por entidades parceiras da Firgun, como a Empreende Aí e a Impact Hub, que atuam na capacitação e educação financeira dos tomadores de crédito, de modo a maximizar o impacto das ações. Também é realizado um acompanhamento semanal dos negócios, como estímulo para que os empreendedores mantenham os livros-caixa em dia e invistam com consciência.

Takara é enfático ao defender a importância dessas ações de microcrédito:

“Estudos mostram que, para cada R$ 1 liberado em microcrédito, o PIB do município recebe R$ 4,5. Com crise econômica, não podemos depender de agentes do Estado. Temos de fazer as coisas acontecerem, temos de ser protagonistas se quisermos alcançar um Brasil melhor.”


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