Como transformar processos e produtos para que as embalagens de xampus, condicionadores, alimentos e produtos de limpeza que chegam nas prateleiras de lojas de 190 países – e são consumidos diariamente por 2,5 bilhões de pessoas – sejam feitas com menos plástico virgem?
Esse é um dos desafios que a Unilever, multinacional detentora de marcas como OMO, Dove, Rexona, Hellmann’s e Kibon, tem para resolver. Uma das metas estabelecidas pela companhia é reduzir o uso do plástico virgem pela metade até 2025.
“Quando essa meta foi estabelecida, achávamos que só havia uma maneira de atingi-la: vendendo metade do que vendemos hoje. Era difícil imaginar como isso poderia acontecer com o business crescendo, que é o que precisamos e já vimos que é possível”, diz Zita Oliveira, gerente de sustentabilidade LATAM da Unilever.
Para atingir o resultado almejado sem encolher a operação, a companhia está trabalhando em duas frentes principais: a redução absoluta do plástico e o aumento do percentual de resina PCR (Plástico Reciclado Pós-Consumo) na composição das embalagens.
SEM INOVAÇÃO, NÃO HÁ MUDANÇA
A redução absoluta do uso de plástico virgem passa, por exemplo, pelo desenvolvimento de novos produtos e novos formatos de embalagens.
Um exemplo é o desenvolvimento de fórmulas concentradas, que entreguem ao consumidor a mesma performance, porém com menor impacto no meio ambiente. Foi o que aconteceu com o produto OMO para Diluir, que, por vir em uma embalagem menor (e o consumidor faz a diluição em casa, com água), permitiu à empresa usar 72% menos plástico na comparação com o OMO Líquido.
“Globalmente, a Unilever investe em ciência e equipe dedicada para desenvolver novas tecnologias que ajudem a acelerar inovações que reduzem o uso do plástico em nossos produtos e processos. Isso passa por concentrados, refil, reutilização, projetos de retorno, embalagem livre de plástico e até alteração de formatos e de design”.
No caso da inclusão de resina PCR, o desafio o de foi transformá-la em um produto de qualidade que pudesse voltar para as embalagens.
Diferentemente do PET – plástico usado nas garrafas de refrigerante -, que já tem uma cadeia de reciclagem estabelecida, o polietileno, que é o plástico mais usado nas embalagens da Unilever, tem uma composição que absorve mais o odor e as contaminações quando em contato com o lixo orgânico. Por isso a reciclagem é mais complexa.
“Antes da Unilever puxar essa demanda, o polietileno que era separado pelo consumidor virava itens rudes, como poste e trilho de trem. O que conseguimos foi transformar essa resina em uma resina de qualidade, que poderia voltar às nossas embalagens. Para isso, fomos desenvolvendo recicladores até chegar no nível de qualidade que precisávamos”.
Em 2017, a Unilever usava 0% de resina reciclada nos produtos comercializados no Brasil. Em maio deste ano chegou a quase 30 mil toneladas de resina PCR inclusa nas suas embalagens.
Todas as marcas de produtos de limpeza e higiene já utilizam essa resina em alguma proporção. As conquistas mais recentes são de Seda, Comfort, Tresemmé, Fofo e Dove. Este último, por exemplo, já tem 100% do frasco feito com PCR.
“Essa inclusão também se transforma em redução de CO2 porque estamos reduzindo resíduo que vai para aterros. Além disso, a produção dessa resina emite menos CO2 do que a virgem”, explica Zita.
DESAFIOS DA TRANSFORMAÇÃO
Segundo Zita, os 4 principais desafios encontrados no caminho para reduzir o plástico virgem nas embalagens da marca são a cadeia complexa da reciclagem, a qualidade da resina, a escassez de material, e as cores.
A cadeia complexa tem a ver com o fato de que a reciclagem de plástico no Brasil envolve muitos processos em diferentes fases de maturidade.
“O reciclador recebe o resíduo de 3 fontes: cooperativas, aterros automatizados ou distribuidores informais. Já essas fontes recebem o resíduo de 4 tipos diferentes de coleta: estações de coleta, coleta seletiva municipal, produtores de grande volume e os agregadores, como sucateiros e catadores. Tudo isso se embaralha até chegar no reciclador”.
A Unilever precisa ainda lidar com a questão das cores. Em produtos com mercado já estabelecido, é importante que a embalagem reciclada mantenha a cor padrão. O desafio é grande porque há linhas que possuem um espectro amplo. É o caso de Seda, que tem 26 cores.
Quando moídos, os frascos coloridos se transformam em uma resina cinza. Para ter a resina branca, que é a mais usada, é preciso ter frascos brancos, o que nem sempre é fácil de encontrar.
“Se uso a resina cinza com pigmento rosa para fazer a embalagem de Seda Ceramidas, ela fica roxa. E roxo é uma outra variante da linha. Então, o desafio era como colocar essa resina cinza em um frasco rosa e esse frasco continuar sendo rosa? A solução foi clarear a resina cinza colocando pigmento branco. Agora, quando a embalagem é totalmente branca, como Dove, eu preciso usar 100% de resina branca”.
RESÍDUOS ESCASSOS. E AGORA?
Outro desafio, e também uma preocupação, é não ter o volume de resina necessário devido a escassez de resíduo, já que a cadeia de reciclagem de polietileno ainda não é tão madura como a de garrafas PET ou de alumínio.
O uso da resina PCR não faz parte de uma uma edição limitada. Ela entrou como uma especificação da Unilever e existe uma preocupação com o desabastecimento porque, se a entrega dessa resina parar hoje, não é possível voltar para a virgem amanhã, já que alguns insumos – como os pigmentos – são diferentes. Segundo Zita, são necessários dois ou três meses de ajustes caso seja preciso voltar para a resina virgem.
“A solução que consideramos é o trabalho em conjunto da indústria em aumentar a demanda. Hoje, o consumidor já separa o alumínio e o PET, mas o polietileno ainda não. Estamos criando valor para esse material porque aí o reciclador, as cooperativas, e os catadores vão atrás e começam a puxar mais, até o consumidor realmente criar o hábito de separar. Não podíamos esperar que isso acontecesse naturalmente, por isso, partimos para a ação”.
NÃO BASTA SER RECICLÁVEL. É PRECISO TER RECICLABILIDADE
Hoje, 70% das embalagens da Unilever são tecnicamente recicláveis, mas apenas metade é reciclável na prática. São conceitos diferentes.
“Ser reciclável é diferente de ser tecnicamente reciclável. Você pode resolver todas as questões para uma embalagem poder ser reciclada, mas, se não existe coleta e processamento daquele material, a gente não vai comunicar que é reciclável”, explica Zita.
É o que acontece, por exemplo, com os plásticos flexíveis, usados em embalagens de refil. Hoje, só 3% desse material é coletado e processado em todo o mundo, de acordo com a Ellen MacArthur Foundation.
Para ficarem mais leves, macias e flexíveis, essas embalagens são feitas em multicamadas, com diferentes tipos de plástico. Essas camadas são fundidas e, por isso, difíceis de separar mecanicamente. A reciclagem pode ser feita, mas exige tecnologia específica e é bem mais cara.
“O flexível entra na nossa meta de tornar as nossas embalagens 100% recicláveis, reutilizáveis ou compostáveis até 2025. O plástico flexível é o segundo, em termos de volume, depois do rígido, onde temos que atacar para torná-lo reciclável”.
Em alguns produtos, a Unilever já conseguiu avançar usando o monomaterial, ou seja, apenas um tipo de plástico, o que amplia o poder de reciclabilidade do plástico flexível. É o caso das linhas de Meu Assado, Sopinhas Knorr e arrozes especiais Ritto, da Mãe Terra. Porém, ainda é preciso que exista uma cadeia de reciclagem desse material estabelecida.
Embora não seja uma solução aplicada ao Brasil, a Unilever está trabalhando com embalagens flexíveis na Índia, onde a empresa financia a coleta destes recipientes e encaminha para uma cimenteira usar como fonte de energia.
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