A rodada de conversas diplomáticas foi tão intensa em Glasgow na primeira semana da COP26 que o presidente da conferência, Alok Sharma, preferiu ganhar tempo enviando um recado por escrito em vez de encontrar jornalistas. Deixar as mesas onde ocorrem os debates políticos prejudicaria “os intensos esforços para concluir as negociações a tempo”, escreveu nesta sexta-feira (05/11), ao explicar a organização pretendida para a segunda semana.
Os tópicos a serem finalizados nos próximos dias são complexos. Espera-se que a COP26 conclua o chamado “livro de regras” do Acordo de Paris, debate que se arrasta desde a conferência seguinte ao fechamento do pacto global feito na França. Este manual é necessário para que o tratado do clima seja aplicado seguindo um conjunto de processos que possam ser verificados e que sejam justos e eficazes.
Outro ponto-chave é a regulamentação do mercado de carbono. Segundo fontes ouvidas por NetZero, há duas linhas principais em jogo: a primeira é sobre trocas diretas de créditos de carbono de um país para outro, ou seja, um paga para outro cortar as emissões em seu lugar. A segunda linha negocia compensações envolvendo participantes dos setores público e privado.
O funcionamento deste mercado internacional estimularia o corte de emissões e o aceleramento de investimentos em projetos de baixo carbono. No Brasil, uma proposta de lei (PL 528/21) quer inaugurar o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE). O texto tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados e foi aprovado na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços.
Destaques da primeira semana
De Glasgow, Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, falou com NetZero sobre os resultados dos primeiros dias da COP 26. O compromisso de mais de 100 países em acabar com o desmatamento até 2030 é apontado como um dos destaques – e a adesão do Brasil era esperada:
“Não há nada no conteúdo da carta que amarre o Brasil mais do que ele já mesmo se comprometeu. Era esperada a assinatura do país nesse documento porque ele quer se ‘cacifar’ para receber recursos internacionais.”
Por outro lado, o país dispõe em seus cofres de recursos internacionais para proteção das florestas que estão paralisados. O Fundo Amazônia, congelado desde que Jair Bolsonaro chegou à presidência, conta com R$ 3,2 bilhões em valores atualizados.
Araújo comenta:
“Não basta ter o recurso. É preciso vontade de usá-lo de forma controlada, com participação social nos processos decisórios. A gestão Bolsonaro tem demonstrado pouca vontade de controlar o desmatamento e não acredito que isso vá mudar em 2022.”.
Já a participação do país no compromisso global de redução de emissões de metano causou surpresa. Segundo o documento, a iniciativa reúne mais 100 países e promete cortar 30% deste gás até 2030 em comparação com os níveis de 2020. O metano fica preso na atmosfera por até 100 anos e tem potencial para causar efeito estufa 28 vezes maior que o CO2.
Araújo duvida que a atual gestão vá trabalhar para atingir a meta de corte e comenta sobre a possível motivação do Brasil ao aderir ao pacto:
“O país chegou com um rótulo de vilão internacional do clima e isso atrapalha as negociações aqui. O compromisso de reduzir metano terá grande repercussão na agropecuária, que responde por um percentual relevante das emissões.”
Brasileiros são destaque na COP26
Em paralelo às discussões diplomáticas, grupos organizados da sociedade civil têm apresentado seus pontos de vista em Glasgow. As mulheres indígenas do Brasil ganharam notoriedade, presentes em diferentes eventos, e até em cartazes pela capital escocesa, como as verdadeiras guardiãs do clima.
Nesta sexta, a Coalizão Negra por Direitos, movimento que reúne cerca de 250 organizações, movimentos sociais e pesquisadores, lançou uma carta em que pontua que a “crise climática é também humanitária e tem impacto direto na vida das populações negras, quilombolas e dos povos indígenas”.
Na COP26, o grupo se posiciona contra o racismo ambiental, pede o fim do desmatamento em todos os biomas nacionais e defende a titulação das terras e dos territórios quilombolas.
Este Brasil das populações tradicionais e indígenas também mostra seus rostos na Escócia. Numa ala da conferência dedicada à apresentação de soluções climáticas e tecnologias por empresas e países, a exposição For those who are to come é um dos pontos mais visitados.
O curador da exposição, Eduardo Carvalho, comenta:
“É um dos únicos estandes na COP26, se não o único, que mostra o fator humano como solução. Precisamos de gente para combater as mudanças climáticas e para nos adaptar a elas. E falo, principalmente, sobre as pessoas da Amazônia.”
A mostra reúne fotografias que retratam a diversidade de faces, de cores e de populações que vivem na Amazônia – nas cidades, nas reservas extrativistas, nas florestas, nas aldeias e nas beiras dos rios. Os registros foram feitos pelos fotógrafos Nailana Thiely, Marcela Bonfim e Bruno Kelly.
Carvalho complementa:
“A Amazônia tem essa diversidade biológica e cultural. As pessoas que vivem lá podem nos ensinar e nos ajudar a fazer a diferença como terráqueos, porque esse é o momento da ação, e ela tem que acontecer com todas as vozes que precisam ser ouvidas.”
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