A expressão “Taxonomia Verde” – que quer dizer classificação de atividades econômicas sob o viés da sustentabilidade – surgiu desde 2016 no mundo das Finanças ASG (Ambiental, Social e Governança), após o Grupo de Estudos de Finanças Verdes do G20 e outras organizações-chave apontarem que o desenvolvimento de uma Taxonomia era necessário, por exemplo, para mensurar fluxos financeiros para a Economia Verde, assim como para viabilizar a expansão de novas tecnologias “verdes” (com saldo ambiental positivo).
O financiamento de novas tecnologias pode ser considerado muito arriscado por bancos ou investidores tradicionais, mas essas tecnologias são fundamentais para alcançar uma economia sustentável. A avaliação da viabilidade técnica, com a chancela de entes públicos com expertise na matéria, fornece segurança para que o mercado lhes dê escala, especialmente se, ao mesmo tempo, reguladores bancários e de investimentos começarem a exigir que as instituições financeiras divulguem o percentual de suas carteiras que está alinhado a taxonomias verdes e, simultaneamente, reguladores dos mercados de capitais exigirem que as empresas divulguem o percentual de sua produção ou de suas receitas que está alinhado com a classificação socioambiental.
Desde então, a União Europeia decidiu elaborar uma Taxonomia Verde, e nisso foi seguida por diversas outras economias, inclusive emergentes. Entretanto, o foco inicial da Taxonomia da UE na mitigação e adaptação às mudanças climáticas significou que não foram consideradas sinergias com outros benefícios ambientais, tais como a redução de resíduos (resultantes da energia do biogás derivada do lixo doméstico) ou a conservação dos ecossistemas. Além disso, na taxonomia da UE, apesar de ter havido a previsão do princípio de que nenhuma atividade econômica que gerasse benefícios a um objetivo ambiental, mas causasse danos a outro poderia ser incluída, a inclusão da energia nuclear e gás natural leva a concluir que o princípio em questão não foi levado efetivamente a sério. Por fim, é preciso salientar que, no caso brasileiro, precisamos que impactos sociais também sejam considerados.
Uma boa estratégia para desenvolver taxonomias é começar com atividades que trazem apenas benefícios ambientais ou sociais, tais como as que proporcionam eficiência hídrica, eficiência energética, eficiência no uso de matéria-prima ou outros insumos, aumento dos níveis de segurança e saúde dos trabalhadores, comunidades afetadas e/ou consumidores, redução da poluição, conservação e restauração de ecossistemas.
Não faz sentido, por exemplo, gastar energia discutindo se o gás natural ou a energia nuclear é “verde” (como ocorreu na UE), quando atividades óbvias, como agricultura regenerativa e tecnologias de detecção precoce de incêndios florestais, ainda não têm um “rótulo verde”.
Além disso, é fácil compreender que não resolveremos problemas ambientais e sociais em nenhum lugar do mundo se financiarmos impactos positivos e, ao mesmo tempo, continuarmos financiando danos ambientais e sociais. Infelizmente, o fato de, por exemplo, a geração de energia renovável se expandir não implica que a energia de origem fóssil diminua em números absolutos (de modo que o total de emissões de GEE permanece o mesmo).
Desenvolver Taxonomias Verdes é positivo para criar novas oportunidades de negócios, mas, se levamos realmente a sério os objetivos ambientais e sociais, precisamos abordar profundamente também o outro lado da equação.
A solução radical seria proibir certas atividades econômicas – e esse já é o caso de uma parte da poluição e do desmatamento. Entretanto, isso não pode acontecer antes que a “nova economia” esteja pronta, com fornecimento suficiente de energia limpa para todos. Para essa transição, precisamos também de uma “etiqueta”, como foi feito recentemente (pela primeira vez no planeta) pelo regulador financeiro da Indonésia, para as atividades que, mesmo que legais, devem ser restringidas e, se possível, descontinuadas – atividades econômicas foram classificadas em “verdes”, “amarelas” e “vermelhas”, sendo essas últimas as indesejáveis.
Finalmente, é essencial lembrar que qualquer taxonomia séria deve considerar também a localização das atividades econômicas. Um projeto pode ser “verde” em uma área e “amarelo” ou mesmo “vermelho” em outra, porque afeta negativamente um hotspot de biodiversidade, uma comunidade indígena, uma bacia hidrográfica importante e assim por diante.
Além disso, o mercado financeiro deve parar de financiar violações às regras ambientais! Infelizmente, a realidade não poderia estar mais longe disso. Um relatório recém publicado pela Finance for Biodiversity explora as ligações entre o mercado financeiro e os crimes ambientais e deixa claro como as diligências a este respeito estão muito longe de ser suficientes. As diligências devem abranger toda a cadeia de valor, por exemplo, inclusive para evitar a lavagem de dinheiro. Um exemplo fácil é a extração de ouro no Brasil: o estudo aqui mencionado ilustra uma quantidade de ouro envolvida em forte suspeita de ilegalidade que é igual à metade da produção de ouro do país no período analisado.
Nada disso é fácil, mas há pontos inequívocos para começar: incluir atividades que trazem múltiplos e relevantes benefícios ambientais e sociais na categoria “verde” (não entendida como ambiental apenas, mas sim como “vá em frente!”) e colocando uma “etiqueta vermelha escura” nas atividades que provavelmente serão proibidas num futuro próximo, devido aos danos incontroversos que causam, impossibilitando sua inclusão em qualquer trajetória de transição.
O mercado precisa de um framework (a ser atualizado conforme o desenvolvimento tecnológico) para que possa avançar na direção exigida por uma sociedade que depende da natureza para satisfazer, ao fim e ao cabo, todas as nossas necessidades (inclusive econômicas).
O setor financeiro no Brasil está atrasado nessa agenda se for comparado a outras economias de peso em nível global – e isso é também um fator de atração de investimentos estrangeiros de que tanto precisamos.
Atualmente, além da União Europeia, cerca de 15 outros países (como China, África do Sul, Colômbia e Rússia) já possuem Taxonomias Verdes, de modo que a SIS publicou recentemente um estudo que busca extrair das experiências desses países lições e recomendações para uma Taxonomia brasileira. Essas recomendações já foram incorporadas ao PL 2838/2022, apresentado pelo deputado federal Zé Silva. Essa é uma pauta de interesse não apenas do setor financeiro, mas também do setor público, do setor produtivo e de toda a sociedade brasileira e a participação de instituições científicas e da sociedade civil organizada será essencial para que ela seja bem conduzida.
Luciane Moessa é pós-doutora em Direito Econômico e Financeiro pela USP, fundadora e diretora executiva da Associação Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS).
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