Brasil tem potencial e recursos para liderar mercado de carbono voluntário mundial, diz pesquisa da McKinsey

Se formos pensar nas riquezas naturais, o Brasil tem um futuro bilionário e sustentável pela frente. Até 2030, o país pode abocanhar 15% do mercado voluntário de crédito de carbono – um valor de até US$ 15 bilhões. Isso é o que aponta estudo da consultoria McKinsey. E pode crescer ainda mais. Se as iniciativas privada e pública se organizarem e investirem neste setor, até 2050, o país aumentará ainda mais seu potencial de oferta de soluções baseadas na natureza – e movimentar até US$ 60 bilhões.

Atualmente, o Brasil atua bem abaixo do potencial neste setor: representa apenas 1% do mercado. Se atingir os níveis previstos pela consultoria, o Brasil seria um dos principais mercados de carbono voluntário do mundo – apenas a Indonésia teria a capacidade de atingir os mesmos patamares com soluções naturais. Neste cenário otimista, seria possível, enfim, sairmos da indigesta quinta colocação entre os maiores emissores de gases de efeito estufa do mundo – só no último ano, com a alta do desmatamento, o Brasil aumentou em 12,2% suas emissões.

“A gente tem um potencial gigantesco, mas participa muito pouco. Não é mais uma questão econômica. Dos 15 municípios que mais removem florestas no Brasil, 13 estariam melhores se estivessem implantando o [mercado voluntário de] carbono”, defende Henrique Ceotto, sócio da McKinsey e coordenador de conteúdo da Iniciativa Brasileira para o Mercado Voluntário de Carbono.

“É mais vantajoso financeiramente recuperar biomas para gerar carbono do que manter a pecuária extensiva em pastagem degradada. Dá para sonhar com 15% em 2030: a gente precisa gerar 200 milhões de crédito de sequestro de carbono. Isso representa 10 milhões de hectares reflorestados. É um número factível, a gente faz isso em florestas comerciais”.

Por que, então, o mercado ainda está tão abaixo das projeções da McKinsey? Por que não existe um caminho bem traçado para o mercado de carbono – não há uma rede bem estabelecida no mercado, não se sabe quanto vender, a qual preço, como, e onde.

“É fácil vender gado, você tem uma cadeia pronta para abater e vender o gado ou a carne. A cadeia do carbono não está construída”.

DESAFIOS BRASILEIROS

Antes de chegar ao “como”, precisamos passar por uma breve explicação sobre mercado de carbono voluntário – e pelos desafios brasileiros. 

Quando órgãos reguladores fiscalizam as emissões de carbono de empresas, o excedente gera uma multa ou um imposto mais caro. Tudo é determinado pelo governo: os limites de emissão de cada setor, as regras de compra e venda de licença de créditos (adquiridos pelas empresas que não conseguirem cumprir a meta).

No outro campo, o mercado voluntário de carbono envolve uma negociação bilateral – entre comprador e vendedor. Qualquer ONG ou empresa pode reduzir suas pegadas de carbono e ofertar no mercado os créditos disponíveis, que podem ser vendidos até em bolsas de valores e comprados por qualquer um (desde empresas a indivíduos e governos). 

Só que o Brasil ainda engatinha nos dois cenários. Em 2022, um decreto presidencial inaugurou um esboço de mercado regulado de carbono. Não houve definições, por exemplo, das metas de reduções em cada setor, apenas citou os “elegíveis”. E cada um deles deveria debater e definir suas possibilidades reais num futuro próximo. Com o novo governo, e um projeto de lei (PL 412/2022) mais robusto em trâmite já no Senado, pode ser que o decreto seja substituído.

GOVERNANÇA

Quanto ao mercado voluntário, segundo a McKinsey, ainda falta consolidar mecanismos de governança. “O mercado voluntário de carbono precisa ter altíssima integridade, isso é muito importante. Precisa ser simples e transparente, preciso de dados confiáveis para estabelecer parâmetros de forma estruturada. Hoje você pode consultar qualquer projeto, mas são informações desestruturadas, fica difícil comparar projetos”, conta Ceotto. Na prática, o que faltam são padrões e metodologias de certificação de créditos de carbono internacionalmente reconhecidos, e facilidade e conhecimento para acesso ao mercado.

Outro ponto fundamental, de acordo com Ceotto, é a regulamentação fundiária. E isso depende fundamentalmente do governo. Isso por que, no Brasil, existem centenas milhares de hectares de terra com mais de um dono – boa parte delas pertence à União ou aos estados, mas grileiros surrupiam hectares, por meio de alterações de dados geo-referenciados, e intitulam-se donos daquelas áreas. Desse imbróglio surgem inúmeras disputas fundiárias. 

“É fundamental resolver questões fundiárias que atrapalham o mercado voluntário de carbono. Então precisa ser trabalho em conjunto entre governo e iniciativa privada”, defende Ceotto. “Estamos criando mecanismos para disponibilizar modelos de financiamento e dar mais integridade a esse mercado. O governo precisa resolver a questão fundiária e definir a natureza do crédito. Então ambos precisam caminhar paralelamente. Você não quer a iniciativa privada fazendo papel de governo, nem o governo fazendo papel de iniciativa privada, porque nenhum dos dois vai fazer isso bem”. 

MÃO DE OBRA

O primeiro passo para chegar aos 60 bilhões de dólares até 2050 já rende logo de cara um benefício econômico atraente ao país: a criação de empregos. Segundo Ceotto, é preciso recapacitar 900 mil pessoas e ensinar a elas técnicas de reflorestamento, monitoramento e práticas agroflorestais. “São várias profissões que terão de ser criadas ou ampliadas, em diversos níveis, até mesmo superior”, explica. “E 60% desses empregos serão criados onde os projetos acontecem. Ou seja, estamos falando do Vale do Jequitinhonha [em Minas Gerais], Amazônia Legal – áreas socioeconomicamente desafiadoras. Então, o mercado de carbono traz empregos de média para alta especialização em regiões que precisam desses empregos, o que ajuda no desenvolvimento sustentável e inclusivo.”

Para gerar essa abundância de créditos de carbono, o sócio da McKinsey aponta para os setores de energia, agricultura e pecuária. De acordo com ele, a geração de energia elétrica, que hoje gera cerca de 25% das emissões brasileira, pode cair para 2% a 2,5%; a pecuária pode reduzir suas emissões em 40%; e a agricultura pode reduzir pela metade sua participação no lançamento de gases do efeito estufa (e emitir cerca de 13%). 

“Muitas das emissões industriais nós também podemos praticamente zerar. E isso tudo com tecnologias atuais. O Brasil tem muita vantagem nessa nova economia verde, porque várias das nossas cadeias já são as menores emissoras, quando comparadas com as de outro país. Soja e aço são exemplos. Então a gente tem vantagem para levar além e criar um mercado excedente de carbono”.

Um dos principais trabalhos a ser feito é a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF). Essa técnica mistura diferentes sistemas produtivos: gado em meio à produção de grãos, por exemplo. Ou pode apenas ser rotacional, com uso alternado de produções – ao contrário das plantações tradicionais de soja ou eucalipto, por exemplo, que são usadas à exaustão para o mesmo plantio. E, assim, a terra fica mais produtiva.

“A principal fonte de emissão na pecuária é o metano, que também vem da fermentação entérica do gado. O ILPF (Integração Lavoura Pecuária Floresta) reduz o ciclo de engorda. Se cortar pela metade o ciclo de engorda, você reduz pela metade o metano emitido. Lembrando que o metano impacta ainda 20 vezes mais que o carbono”, conta Ceotto.

De resto, fica a lição de casa: reflorestar e conservar os ecossistemas. A McKinsey indica que o Brasil detém um terço das oportunidades globais de reflorestamento e um quarto das oportunidades de conservação. Sobram possibilidades sustentáveis por aqui. Resta ver como o país se aproveitará delas.


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