Ainda criança, em Salvador, Anna Luísa Beserra Santos tinha um sonho: ser cientista. Aos 15, impactada pela leitura do romance “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, que narra o dia a dia de nordestinos em um ambiente de pobreza e seca, ela decidiu trabalhar com saneamento. E foi assim que, em 2015, a adolescente desenvolveu um equipamento inédito, capaz de filtrar a água de cisternas de captação de água das chuvas, a partir de radiação solar: o Aqualuz.
Com este carro-chefe, nasceu a Sustainable Development & Water for All (SDW), startup que desenvolve projetos sócio-ambientais para populações que não têm acesso a água e a esgoto tratado. “Apesar do livro de Graciliano Ramos ser antigo [lançado em 1938], os problemas continuam. Muitas pessoas ainda vivem isoladas e sem saneamento”, diz Anna Luísa.
O Aqualuz é a principal tecnologia desenvolvida pela organização. Em 2019, Anna Luísa, sua criadora, venceu o “Jovens Campeões da Terra”, principal prêmio da ONU para jovens de 18 a 30 anos com ideias inovadoras e arrojadas para solucionar os desafios ambientais mais urgentes do nosso tempo.
O equipamento atende hoje mais de 1.100 famílias atendidas, em zonas rurais de 15 Estados brasileiros. A diretora-executiva da SDW explica que, a partir de metodologia de tratamento da água com a luz do sol, recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), ela criou o equipamento, otimizando o tempo de filtragem, garantindo que não houvesse re-recontaminação e adaptando-o à realidade brasileira.
“A dificuldade foi manter a tecnologia simples para seu propósito: atender comunidades rurais. O Aqualuz precisava ter alta durabilidade e manutenção que só dependesse da limpeza com água e sabão”, conta.
O Aqualuz, geralmente, é acoplado a cisternas, que predominam no interior do Brasil, mas também pode ser direcionado a caixas d’água e poços. “O importante é ter certeza de que a água só tenha contaminação microbiológica, tipo de filtragem realizada pela tecnologia”, complementa.
O dispositivo é um reservatório fechado com capacidade para 10 litros. A tampa é de vidro, o que permite a incidência da radiação ultravioleta, que mata os microorganismos presentes. A descontaminação dura entre duas e quatro horas. Em 24 horas, em média, são dois ciclos de filtragens, o que garante 20 litros de água potável – 10 litros são suficientes para uma família de cinco pessoas. “Desenvolvi o equipamento com um sensor, que muda de cor quando a água está boa para o consumo”, explica Anna Luisa.
DESAFIOS DE UMA EMPRESA INICIANTE
Se o Aqualuz é simples, o início da SDW foi espinhoso. “Foram vários anos tentando identificar um modelo de negócios e desenvolvendo a tecnologia, que ainda não estava 100% validada. Só estreamos no mercado em 2019. Uma menina não passava a credibilidade que esse tipo de mercado precisa”, relembra. “O prêmio da ONU foi a chancela que a gente precisava para o mercado dar valor à tecnologia do Aqualuz”.
Pouco depois, a SDW vendeu seu primeiro projeto – desenvolvido no município baiano de Bom Jesus da Serra – para uma grande empresa, a Transmissoras Brasileiras de Energia (TBE).
A maioria dos negócios da empresa tem ocorrido com companhias de energia que buscam melhorar as condições de saneamento das populações das áreas em que operam. Outra forma de contratação é via ONGs que atuam em parceria com as empresas.
Os projetos não se restringem à instalação dos reservatórios. A SDW faz um diagnóstico das comunidades beneficiadas, a partir de indicadores socioambientais; promove educação ambiental dos moradores e, após cerca de um ano, produz um relatório com os resultados da iniciativa, que são comparados aos números iniciais.
“A gente consegue trazer métricas que calculam o retorno social do investimento, que as empresas usam em seus relatórios de sustentabilidade. Cada real investido resulta em R$ 27 economizados para a sociedade”
A executiva ressalta os benefícios para os empresários que investem em um saneamento adequado: as famílias adoecem menos, o que evita gastos com remédios e transporte, e produzem mais no trabalho, ao faltarem menos, seja por estarem enfermas ou cuidando dos filhos enfermos.
FABRICAÇÃO EM ESCALA
Para reduzir os preços, ela diz que a SDW está buscando fabricar produtos em escala. Para atingir mais pessoas, a meta é fazer com que as tecnologias sejam usadas por até 50 pessoas e não somente por uma única família.
Além do Aqualuz, a SDW desenvolveu mais duas tecnologias. No Sanuseco, banheiro sustentável sem necessidade de descarga – as fezes são direcionadas para um recipiente onde é feita compostagem, enquanto a urina é destinada para tecnologia complementar, a Sanuplant, que trata água amarelas e cinzas (provenientes da cozinha e chuveiros) com o uso de bananeiras. “As plantas absorvem nutrientes da água, de modo que não ocorre contaminação do entorno”, diz.
Com estes produtos, a SDW beneficia cerca de 20 mil pessoas. Para o ano que vem, mais três equipamentos estão a caminho. O Sanufossa, que realiza a biodigestão de todos os resíduos de uma residência e poderá substituir fossas sépticas tradicionais, menos sustentáveis; o Aquasalina, dessalinizador solar para tratar água salobra; e o Aquabarro, filtro de barro modificado que consegue descontaminar a água.
O novo Marco do Saneamento, de 2020, estabelece que, até 2033, 99% da população tenha acesso a água potável e 90% a tratamento de esgoto. Anna Luísa acha que a meta só será alcançada com a ajuda de empresas de inovação. Em Alagoas, por exemplo, a SDW tem parceria com a BRK, que assumiu, em 2021, os serviços de água e esgoto em 13 cidades da região metropolitana de Maceió.
“No ano que vem, o número de famílias atendidas com o Aqualuz passará de 100 para 800. Queremos ter cada vez mais empresas contratando projetos, impactando cada vez mais a população”, diz a jovem baiana, que segue com o mesmo sonho de criança: salvar vidas.
Deixe um comentário