“Em vez de empresários, poderíamos começar a falar como seres humanos, você não acha?”. Foi assim que Vinicios Malfatti, diretor de Sourcing do Grupo Soma, iniciou esta entrevista à NetZero quando respondeu sobre a responsabilidade da empresa com sua cadeia de fornecedores. Pois é isso: quem leva a sério as práticas ESG já parte do pressuposto que está lidando com seres humanos – que merecem respeito. E é este o excelente que Malfatti veio nos contar.
Muito distante, porém, das vinícolas gaúchas Aurora, Salton e Garibaldi, cujo fornecedor foi acusado recentemente de manter mais de 200 pessoas da Bahia em trabalho análogo à escravidão, e as empresas abertamente se eximiram de qualquer responsabilidade. Da mesma forma agiu a fabricante do açúcar Caravelas, que também alegou desconhecer mais de 30 trabalhadores de um de seus fornecedores que estavam nas mesmas condições. É inacreditável, mas isso aconteceu. Em 2023.
Colocar a culpa nos outros e dizer que não tem nada a ver com isso demonstra, além de arrogância, uma péssima gestão da cadeia de fornecedores – uma governança problemática, com falta de transparência, rastreamento, controle e auditoria. É preciso começar ESG do zero. Para dizer o mínimo.
“No Grupo Soma acreditamos no respeito pelo ser humano. Uma roupa pendurada na arara fala diretamente sobre nossos valores, nossa identidade. Ela é uma soma de esforços e isso precisa refletir no cuidado com as pessoas”, disse Malfatti sobre o grupo, que hoje agrega dez marcas de destaque no mundo da moda brasileira: Animale, Farm, Fábula, Foxton, Cris Barros, Off Premium, Maria Filó, NV, Hering e Dzarm.
MUITO ALÉM DO QUE MANDA A LEI
Segundo Malfatti, seguir a legislação vigente para as práticas com fornecedores é o óbvio que toda empresa faz – ou deveria fazer. Mas só cumprir a lei não basta. É preciso se empenhar e fazer mais.
“Sabemos que nossa cadeia é sensível, pois lidamos com a moda. Então, além da proposta documental e comprovações exigidas pela lei, temos uma equipe de auditoria que vai até os fornecedores e checa o que está acontecendo; vemos se existe folha de pagamento dos funcionários, como estão sendo pagos os encargos sociais, entre outros. E investimos ainda em um outro cuidado: os programas corporativos”
Ele se refere, por exemplo, ao Programa Somar, um plano que pontua os fornecedores de acordo com critérios sociais e ambientais. Conforme a pontuação alcançada, o fornecedor recebe medalhas de ouro, prata, bronze – ou os sinais de alerta e crítico. Esta aferição é feita de acordo com as entregas mensais e, ao final do ano, há uma nota geral. A idéia não é punir, e sim premiar aqueles com boas práticas, e ajudar a melhorar quem precisa.
“O crescimento do fornecedor tem a ver com nosso negócio: a moda tem um viés de bem estar e felicidade – não faz sentido que o fornecedor não se sinta bem. Além dos aspectos sociais e ambientais valorizamos este relacionamento também pela governança. O fornecimento deve ser perene e não durar apenas uma coleção”.
O PASSO A PASSO DA CADEIA DE COMPRAS
Para se tornar um fornecedor do Grupo Soma, é preciso passar por diversas fases. Primeiro, os candidatos passam por treinamentos, aulas e orientações sobre os valores da empresa. Depois, há uma checagem do aprendizado – e também uma verificação in loco se estas orientações estão sendo aplicadas na prática.
Toda a cadeia passa por auditorias não anunciadas a cada quatro meses, pelo menos, com o intuito de mitigar riscos em relação à violação de direitos humanos, condições justas de trabalho e não cumprimento da legislação, por meio de auditorias sociais realizadas por empresa terceirizadas.
“Não basta mandar o resto de tecido pro aterro. Isso é o que manda a lei. Mas podemos fazer melhor: reciclar, criar fibras, impactar menos. Hoje mesmo um fornecedor me apresentou uma solução ótima: um resto de tecido que pode virar telha – um substituto ao amianto, que não causa danos à saúde”.
Stella Messias, analista de sustentabilidade do Soma, completou: “Ultrapassar a legislação é um dos valores do Grupo”. Segundo ela, a empresa fechou uma parceria recente com o Fashion Hub, que conecta grandes organizações com pequenas startups para trazer soluções nunca antes vistas. “Ano passado conseguimos uma tecnologia de reciclagem mecânica dos fios e também uma reciclagem química, onde os resíduos se transformam em adubo. Assim conseguimos fechar o ciclo de produção para além da industria têxtil”.
RESPONSABILIDADE COM O PAÍS
A empresa costuma dizer que “cuida de gente”. Para tal, criou uma diretoria justamente com o nome de Gente e Gestão – onde, naturalmente, clientes, colaboradores e fornecedores estão envolvidos.
Segundo Malfatti, o Soma é hoje um dos maiores compradores do país – e esta posição só faz crescer a responsabilidade.
“Temos um papel social de geração de valor – não se trata só de geração de salário. É emprego, geração de renda, desenvolvimento de negócios. Agora conseguimos exportar e colocar nossa bandeira fora do Brasil, com a Farm. Tudo isso passa por cuidar do nosso ecossistema – o Soma não vai crescer sozinho. É um papel de responsabilidade com o país, com o emprego, com as pessoas”.
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