Manifestação no pavilhão de eventos da COP26 no último dia do evento em Glasgow, Escócia.

COP26, dia 10: Sem consenso, discussões se estendem em busca de acordo final

A Conferência do Clima de Glasgow não acabou com a pontualidade britânica tão planejada e pedida ao longo da semana por Alok Sharma, presidente da reunião. Dois pontos em especial fizeram com que as negociações se estendessem para além da tarde desta sexta-feira: dinheiro dos mais ricos para os mais pobres conviverem com as mudanças climáticas e mercado internacional de carbono.

Essa extensão dos debates pelo fim de semana não é rara. A última conferência, em Madrid, em 2019, foi encerrada num domingo com um fechamento considerado frustrante pelos mesmos motivos que travaram a edição atual. A COP21, na França, onde o Acordo de Paris foi gestado, também foi além do cronograma, encerrada na noite de um sábado. 

Nas cenas finais, delegações se reúnem a portas fechadas e trabalham num terceiro rascunho do acordo. Dentre os elementos que tiveram um certo consenso está a menção aos combustíveis fósseis, que, embora não traga metas claras ou um cronograma para que os países abandonem o uso dessa fonte, foi bem avaliada.

De acordo com a última versão do rascunho sobre a qual os negociadores trabalham, as promessas feitas de corte de emissões não são suficientes para cumprir a meta de elevação máxima da temperatura do planeta de 1,5 ºC. Por isso o texto pedia aos países que atualizassem seus compromissos climáticos em 2022.

Por outro lado, a recomendação feita pela ciência de que as emissões globais de CO2 precisam cair 45% até 2030 em comparação com os níveis de 2010 permaneceu – só assim o aquecimento do planeta ficaria contido na marca estipulada no Acordo de Paris.

O debate sobre financiamento segue provocando discórdia. Os países em desenvolvimento criticam fortemente as nações mais ricas por não terem destinado a soma que foi prometida há 12 anos: US$ 100 bilhões anuais a partir de 2020. O recurso seria fundamental para que os países mais pobres limpassem sua matriz energética e se adaptassem aos impactos cada vez mais severos das mudanças climáticas.

As consequências para nações africanas, por exemplo, são duras e caras. Um estudo publicado em 2017 pela United Nations Economic Comission for Africa mostrou que o gasto com ações de adaptação ao clima varia entre 2% e 9% do PIB e é mais elevado que investimentos em educação e saúde em alguns casos.

A ausência de um financiamento firme por parte das nações mais ricas e mais poluidoras levantou uma série de protestos de organizações da sociedade civil.

Veronica Oakeshott, representante da Global Witness, comentou:

“Uma quantia muito maior do que os US$ 100 bilhões – mais de US$ 157 bilhões – foi canalizada por bancos e investidores para empresas de destruição de florestas. Durante o mesmo período, os 60 maiores bancos do mundo também financiaram combustíveis fósseis no valor de US$ 3,8 trilhões.”

De acordo com Oakeshott, “enquanto as instituições financeiras globais continuam a investir seus fundos na destruição da floresta tropical e em combustíveis fósseis, obtendo enormes receitas, os países mais afetados ainda esperam por seus US$ 100 bilhões.”

Brasil na COP26

No último dia programado para a conferência, uma notícia do Brasil foi amplamente divulgada em Glasgow. Dados do sistema de alerta Deter do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) calcularam que a Amazônia perdeu 877 km² em outubro, o maior nível de desmatamento já registrado no mês desde que o levantamento começou a ser feito. O recorde anterior, de outubro de 2019, foi superado em 5%.

Ane Alencar, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), comentou, direto de Glasgow:

“Mantivemos o mesmo patamar alto de desmatamento, mesmo com mais chuvas do que era esperado por causa do fenômeno La Niña. Isso demonstra claramente que as ações atuais do governo não têm efeito prático no chão.”

Durante uma coletiva de imprensa, Joaquim Leite, ministro de Meio Ambiente, evitou comentar os dados. Questionado por jornalistas, ele disse reconhecer que o desmatamento é um desafio nacional, mas que não estava na COP26 para falar dos desafios de cada país, mas dos desafios globais.

Leite também criticou a falta dos US$ 100 bilhões para financiar as nações mais vulneráveis e disse aguardar um bom acordo para colocar em funcionamento o mercado de carbono, ponto negociado no polêmico artigo 6 do Acordo de Paris.

Alerta final

Também nesta sexta-feira, a divulgação do primeiro relatório desenvolvido pelo Painel Científico para a Amazônia (SPA) e seus mais de 200 cientistas mostrou a urgência de uma mudança de rumo. Segundo o documento, a Amazônia está perto de um ponto de inflexão devido ao desmatamento, degradação, incêndios florestais e mudanças climáticas.

Caso esse limite seja atingido, a maior floresta tropical entra num ciclo que leva à sua perda permanente, transformando-se num ecossistema mais seco e degradado. Os cientistas do SPA estimam que 366.300 km2 de florestas foram degradados entre 1995 e 2017. Aproximadamente 17% da mata da Bacia Amazônica foram convertidas para outros usos da terra e pelo menos outros 17% foram degradados.


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