“Não se trata de transição, e sim de regressão”. Desta forma, Guilherme Syrkis, diretor executivo do Centro Brasil no Clima, definiu a intenção da Petrobras de perfurar e explorar petróleo na foz do rio Amazonas. O debate, diz ele, vai além do impasse técnico. “Que Brasil a gente quer? Que economia a gente quer? E, por fim: qual o modelo de negócios da Petrobras a gente quer?”, questionou, ao apontar que a estatal está agindo na contramão de todas as ações globais que tentam conter a emergência climática que vivemos.
As operações da Petrobras na região que guarda parte vital da biodiversidade do nosso planeta, além de ser fonte essencial para a vida de milhões de pessoas, direta e indiretamente, foram barradas pelo Ibama, que vê “inconsistências técnicas” para uma operação segura na área. Por outro lado, o Plano Estratégico da Petrobras (2023-2027) prevê um investimento de quase US$ 3 bi na região da foz do Amazonas nos próximos cinco anos – isso inclui a perfuração de 16 poços. Estimativas dão conta que a margem equatorial pode guardar reservas de 30 bilhões de barris de petróleo. Parece uma verdadeira “galinha dos ovos de ouro”? Sim. Mas que tem lá seu preço. E isso tem a ver com o modelo de negócios a que se refere Syrkis.
“Estamos perto da COP em Belém do Pará e o recado que a Petrobras manda aos investidores é extremamente negativo. Se acontece um vazamento nesta região, por exemplo, que pega a Amazônia Azul, um celeiro riquíssimo, a empresa simplesmente não terá o que fazer. É neste tipo de projeto de risco que a estatal deve investir?”
Guilherme Syrkis parece ter herdado a argumentação certeira do pai, o ambientalista, jornalista e ex-deputado Alfredo Sirkis, falecido em 2020. “Como diria meu pai, governar é trocar problemas maiores por problemas menores. Precisa ver o que compensa, no fim. Há preços que não valem a pena pagar”, brincou.
A seguir, Syrkis fala um pouco sobre sua visão de negócios, os impasses que a economia mundial vive hoje diante das crises climáticas, o mercado emergencial de carbono e para onde devemos olhar daqui por diante.
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NETZERO: Há um impasse neste momento entre a Petrobras, que quer explorar petróleo na foz do rio Amazonas e defende que isso será importante para a economia nacional, e o Ibama, que não autorizou a operação por falta de segurança. Como você vê este debate?
GUILHERME SYRKIS: Nós fomos uma das primeiras instituições a nos posicionarmos sobre o assunto. A Petrobras errou desde o início. Forçar a exploração de petróleo, num momento como agora, e numa região como esta? Para começar, um vazamento nesta área afetaria milhares de quilômetros no litoral, prejudicando a vida marinha e as comunidades costeiras. É preciso questionar o comprometimento da Petrobras com a sustentabilidade e sua transição para uma empresa de energia verdadeiramente limpa.
De que forma então esta transição deve ser feita?
É inquestionável que o momento é de transição. Trata-se de uma necessidade urgente e sabemos que toda transição tem seu preço. Mas neste caso não se trata de transição e sim de regressão. A gente sabe que, ao mudar uma economia, há impactos financeiros e nos empregos, por exemplo. Inclusive um dos nossos principais desafios no CBC é apontar caminhos. Quais serão os novos investimentos? De que forma os modelos de negócios terão que ser repensados para atrair estes investimentos? Já caiu a ficha das grandes fontes de investimentos e ninguém vai botar dinheiro em empresas emissoras de carbono. Neste ponto, o recado da Petrobras é muito negativo.
Em que ponto está a iniciativa privada nesta transição econômica de baixo carbono?
O CBC tem um trabalho importante de sensibilização dos tomadores de decisão. As grandes empresas estão se mobilizando, sim, mas as pequenas e médias nem tanto – e elas precisam estar junto. Quando a gente fala em mudanças climáticas, as iniciativas devem ser transversais, então você tem um leque de melhorias que se diferenciam de acordo com a natureza de cada negócio. As discussões atuais sobre a regulação do mercado de carbono são um bom estímulo a estas mudanças.
Você tem uma participação bastante relevante junto às políticas públicas neste debate. Será possível aprovar uma regulação do mercado de carbono em breve?
Eu adoraria que este texto fosse aprovado ainda neste ano. Por outro lado, se houver fragilidades, é melhor esperar e aprovar algo consistente. É importante, por exemplo, aprovar a criação de uma Autoridade Climática, uma espécie de câmara de compensações, onde estes contratos e cálculos seriam feitos.
Quais os impasses que você vê no momento?
O maior desafio é o lobby das indústrias. Veja, este lobby é legítimo, mas é um dos conflitos. Vai ser basicamente impossível saber quem ganha e perde nessa história. Sem dúvida, entendo que devemos nos basear em quem emitiu mais nos últimos anos – seria um princípio para fazer a gestão deste mercado, mas ainda há muita discussão pela frente. Por outro lado, abre-se uma porta de grandes oportunidades – é um processo que deve ser regulado, portanto é preciso criar mecanismos. Vamos precisar de uma espécie de agência para fazer o monitoramento e a regulação. Para evitar o que já está acontecendo, por exemplo, estes cowboys, ou piratas do carbono, prometendo mundos e fundos para a população indígena, sem cumprir nada.
Você falou sobre oportunidades. Quais são elas?
Empresas como a do Arminio Fraga, que buscam no mercado voluntário crédito de grande valor, são interessantes. Vejo com bons olhos. Em termos de energia temos grandes oportunidades, a solar ainda representa uma pequena fatia; temos nossas hidrelétricas funcionando, mas o mercado de hidrogênio verde é promissor – principalmente para o mercado interno, como o agronegócio, por exemplo. Outro setor interessante são os veículos elétricos: depois que as fábricas chinesas se instalaram aqui passei a ficar impressionado com este rápido crescimento. Acho que daqui a 2 a 4 anos vamos ver uma mudança considerável na nossa frota. Só precisa ver se teremos lítio suficiente para tantas baterias… Enfim, como dizia meu pai: governar é trocar um problema maior por um menor. Primeiro, então, trocamos os veículos que poluem mais. Depois tratamos do restante.
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