“O PL do mercado de carbono foi construído sem ouvir os povos que mais serão impactados”, aponta especialista

É indiscutível a necessidade de aprovação – com urgência – do Projeto de Lei (PL) que está em trâmite no Congresso Nacional responsável por, enfim, regulamentar o mercado de carbono no país. Entretanto, a longo prazo, é preciso olhar com calma para este texto, que foi construído sem ouvir os principais interessados neste assunto: os povos originários. Esta é a opinião de Luciana Sonck, mestra em planejamento territorial, especialista em governança, e CEO da Tewá 225, empresa de impacto social que atua na construção de diagnósticos, monitoramento, análise da cultura e dinâmica das populações anfitriãs por meio da escuta qualificada.

“Este PL traz um ponto de governança importante. Ele foi construído a partir da escuta dos setores políticos e econômicos. Mas foi pouco triangulado com os setores ambientais, populares e tradicionais. Quando não há governança participativa, o texto simplesmente não contempla o interesse de uma série de populações – e, neste caso, estamos falando das populações mais interessadas”.

Luciana não deixa de salientar, entretanto, a relevância da regulação deste mercado no Brasil.

“O Brasil tem um déficit de regulamentação do mercado de carbono – e este texto é uma das melhores versões que já tivemos. Temos que lembrar que nenhum texto será perfeito – todos trarão pontos a serem observados. Mas, de modo geral, este PL é um avanço. Vivemos um momento de vontade política e por isso precisamos aproveitar”, completou.

IMPACTO NAS COMUNIDADES TRADICIONAIS

Pela falta de uma regulamentação e de fiscalização, o chamado mercado de carbono no Brasil tem originado abusos por parte das empresas junto aos povos originários. Luciana Sonck, que tem um trabalho direto de escuta nas comunidades, explica o que está acontecendo:

“Por um lado, estamos falando de uma população que desconhece a parte técnica deste mercado. Os povos originários estão sofrendo assédio de empresas e o processo de negociação não tem atendido a uma transparência necessária. De um lado, temos outra cultura diferente, uma outra linguagem, uma outra percepção sobre a floresta que precisa ser compreendida. As empresas abordam as comunidades, dizem que elas vão ganhar muito dinheiro, fazem promessas – mas isso depende de uma estrutura de repasse deste dinheiro que nem todas as populações estão preparadas. Sem contar que os contratos nem sempre são transparentes. Muitos são só de boca, e há projetos totalmente irregulares, como estamos vendo. Por lei, os indígenas precisam estar 100% de acordo com o que vai acontecer – e para isso eles precisam entender”.

Segundo Luciana, o principal ponto a ser observado a partir da regulamentação é a fiscalização. A partir de parâmetros legais, é preciso fiscalizar de que forma os indígenas serão abordados e se, de fato, existe um consentimento por parte deles. Isso para evitar o que acontece agora: muitas empresas, por exemplo, prometem que vão levar recursos e projetos de capacitação para estas populações e depois desaparecem.

Já para o restante da sociedade – e do planeta – a regulação chega a ser ainda mais necessária.

“Todos os setores terão, a partir de agora, um teto de emissões: ou as empresas compensam, ou vão ter que mudar seus sistemas produtivos para emitir menos. As emissões não serão mais livres. Isso é uma vitória, é um debate que temos há mais de 20 anos”.