Multinacional suíça aposta em troca de resíduos por recompensas e quer ajudar a estruturar a cadeia de reciclagem no país

Como impactar positivamente o mundo quando o seu negócio coloca no mercado 4,5 bilhões de embalagens que precisam ser corretamente descartadas pelos consumidores para não terminarem em aterros, ou mesmo poluírem rios e mares? 

A multinacional SIG Combibloc, que há 10 anos tem uma fábrica em Campo Largo, na região metropolitana de Curitiba, escolheu ajudar a estruturar a cadeia de reciclagem. 

Com sede na Suíça, a empresa produz embalagens utilizadas principalmente em laticínios, máquinas de envase flexíveis e soluções para operar fábricas mais inteligentes. Entre os clientes estão Nestlé, Shefa e Mococa. Para cumprir a meta de ser uma empresa de impacto positivo, busca desenvolver produtos mais sustentáveis usando papel com certificação FSC e energia solar nas suas plantas, mas também tem buscado trabalhar com a economia circular, mais especificamente com a reciclagem .

Isabela de Marchi, gerente de Sustentabilidade da SIG na América do Sul, conta que o objetivo de trabalhar com reciclagem é educar o consumidor, melhorar a infraestrutura da reciclagem no país e ajudar a trazer mais valor para o material.

“Se olhamos para as nossas matérias-primas com a exigência de garantir a certificação e uma cadeia responsável, por que não olhar para o descarte das embalagens com o mesmo cuidado? É lindo ver marca lançando produto com plástico reciclado, mas sabemos que esse plástico pode ter passado por uma cadeia muito frágil.”

Entre os riscos, ela conta que não é possível garantir que nesse processo não houve trabalho infantil ou um catador puxando carroça no meio da rua. “Não é esse tipo de reciclagem que queremos ver. Por isso trabalhamos para formar uma cadeia responsável”, conta. 

A estratégia de economia circular da companhia não passa por reciclar apenas as embalagens que saem da planta de Campo Largo –seria muito difícil controlar o destino desse material. A proposta é atuar em dois elos do ecossistema: estimular o consumidor a separar e coletar todo e qualquer material reciclável que tenha valor econômico e ajudar os municípios a estruturarem suas cadeias de reciclagem.

COMO DESENVOLVER UM ECOSSISTEMA DE RECICLAGEM

Para colocar em prática a estratégia de circularidade, a SIG Combibloc tem, desde 2017, uma parceria com a SO+MA Vantagens, startup que oferece um clube de vantagens para as pessoas que levam o material separado para reciclagem.

A parceria funciona em Curitiba e envolve também os governos municipal, que cedeu os espaços onde são recolhidos estes resíduos, e estadual, que oferece incentivos fiscais para companhias que investem em programas no estado. “Ter a prefeitura e o Estado envolvidos é garantir política pública e impacto”, diz Isabela. 

No programa SO+MA Vantagens, o cidadão se cadastra e leva seu resíduo a um dos 3 containers disponíveis na cidade, somando pontos que podem ser trocados por recompensas como cursos, alimentos ou descontos. O material recolhido é doado para uma cooperativa parceira do programa, que vai fazer a reciclagem. Em quatro anos de operação em Curitiba foram recolhidas 247 toneladas de resíduos e mais de 1.120 famílias se inscreveram no programa.

Para Isabela, a grande vantagem de ser parceiro dessa iniciativa é atuar diretamente na mudança de hábito da população. “O consumidor é o nosso primeiro elo da cadeia. Se ele não descartar no lugar correto, não adianta investirmos em nenhuma outra parte”, avalia.

“Diferentemente de um programa de educação ambiental, em que você ensina alguém como reciclar e a pessoa pode ou não fazê-lo, com essa iniciativa a pessoa reiteradamente tem essa atitude porque ela quer acumular pontos. Isso acaba se tornando um hábito.” 

Mas, por outro lado, não adianta ter um cidadão educado se não há uma boa infraestrutura para o descarte e a reciclagem do material. Pensando nisso, a SIG Combibloc resolveu, também em 2017, se tornar investidora-semente no programa Recicleiros Cidades, idealizado pela ONG Recicleiros.

Esse programa seleciona, por meio de edital, municípios que terão um apoio de até cinco anos para estruturar e implementar um projeto de coleta seletiva. O programa assessora prefeituras desde a regulamentação municipal, roteiros logísticos de coleta e processos produtivos até campanhas de comunicação para sensibilizar e orientar os moradores quanto ao descarte correto de resíduos. 

Os escolhidos têm acesso a um recurso de 5 milhões de reais que chega em forma de assistência técnica e investimento direto nas cooperativas de catadores.

Isabela conta que, junto com a Recicleiros, ela visitou cooperativas e descobriu que 50% do material que chega até eles é rejeito, ou seja, aquele lixo que não pode ser reciclado porque está contaminado. 

“Isso acontece porque não tem coleta seletiva ou porque o processo é mal feito. Então, até que ponto vale a pena investir em uma cooperativa para ter os melhores equipamentos e os funcionários mais bem treinados se 50% da matéria-prima que chega não serve?”, diz ela. Por isso, a empresa passou a investir na parceria com a Recicleiros, que olha não só para a cooperativa, mas também para a coleta, ou seja, para o ecossistema completo.

Presente em 16 municípios nas cinco regiões do Brasil, o Recicleiros Cidades já reciclou 3.500 toneladas, mobilizou 940 mil pessoas e gerou 238 empregos para catadores. 

ENGAJAMENTO É FUNDAMENTAL PARA OS BONS RESULTADOS

Como investidor-semente, a SIG entrou no projeto quando a ONG estava desenvolvendo um piloto em Jijoca de Jericoacoara, no Ceará. Naquela época, lembra Isabela, houve algumas tentativas de implementação que não deram certo por falta de engajamento. Para mudar isso, foi idealizado um novo modelo de edital. 

“Nós começamos escolhendo os municípios. A gente apresentava o projeto para o prefeito, todo mundo se interessava, mas o nível de engajamento era baixo. Então, resolvemos que, em vez de escolher, íamos fazer a seleção entre os que estavam mais interessados. Foi quando a velocidade do projeto mudou radicalmente.”

Hoje, a seleção é feita por meio da Academia Recicleiros do Gestor Público, um programa de treinamento online que ajuda as equipes das prefeituras a estabelecer condições favoráveis para implantação e desenvolvimento sustentável da coleta seletiva e reciclagem. 

Os municípios se cadastram e passam por uma trilha de conhecimento que oferece informações sobre todo o ecossistema da coleta seletiva. Aqueles que concluírem esse processo, e tiverem população entre 32,5 mil e 500 mil habitantes, terão a oportunidade de concorrer a uma vaga no programa. 

“Essa forma de fazer é muito interessante porque é uma trilha de conhecimento gratuita para qualquer município do Brasil. Ou seja, informação sobre coleta seletiva disponibilizada de graça para qualquer um.” 

A meta é selecionar 24 municípios ainda este ano e totalizar 60 cidades atendidas até o fim de 2023.

COMO FAZER O RECICLÁVEL VALER MAIS DINHEIRO?

Um dos grandes desafios para ampliar a reciclagem é fazer com que o material reciclável tenha valor de mercado. Quanto mais valioso ele for, mais mercado terá. O alumínio, por exemplo, que já tem uma cadeia estabelecida, é um dos itens mais valiosos, ao contrário do vidro, que tem inúmeros desafios de reciclagem, principalmente de logística, por causa do peso e do espaço que ocupa.

Nesse sentido, a SIG Combibloc, que além de embalagens também desenvolve maquinário e processos de produção, busca desenvolver tecnologias que aprimorem a reciclagem desses materiais e os ajude a ganhar valor de mercado. 

“A gente vem investindo em tecnologias para o processo de reciclagem da nossa embalagem porque queremos dar valor a ela e torná-la mais interessante para toda a cadeia.” 

As embalagens que a SIG Combibloc coloca no mercado são compostas por 75% de papel, 5% de alumínio e 20% de plástico. A reciclagem desse material é feita, primeiro, com a separação do papel, que é utilizado principalmente para a produção de caixa, papel kraft, post it e papel toalha. Já a mistura de plástico com alumínio ainda não é separada no Brasil, segundo Isabela, e é usada prioritariamente para produzir telhas ecológicas. 

O desenvolvimento dessa tecnologia de reciclagem dentro da unidade brasileira da SIG Combibloc ainda está correndo em sigilo, mas a ideia é ajudar a resolver, por exemplo, a dificuldade de reinserir o material que sai das fábricas nas novas embalagens. Por ser um produto que fica em contato com o alimento é preciso cumprir uma série de exigências sanitárias que dificultam o reuso pela própria indústria. 

“Hoje, a cadeia de reciclagem está estruturada e é economicamente viável. Os recicladores estão trabalhando e existe o interesse de todos os elos da cadeia econômica. Mas a gente vem trabalhando no desenvolvimento de novas tecnologias para melhorar esse processo e, com isso, valorizar esse material e poder pagar mais para o catador”. 


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