Quando foi fundada, em 1952, a fabricante de papelcartão Papirus, sediada na cidade de Limeira, no interior paulista, tinha como objetivo principal produzir as embalagens dos chapéus da marca da família, a Ramenzoni.
Nas décadas que se seguiram, a empresa se modernizou e incluiu novos produtos ao portfólio, até se deparar, em meados dos anos 2000, com o maior dilema de sua existência: como gostaria de ser reconhecida e, acima de tudo, quais eram seus diferenciais e legados no mercado nacional de papelcartão?
Por mais incerto que o cenário se mostrasse à época, inclusive com mudanças na liderança, a resposta para essas indagações já estavam dentro da companhia desde o início, em seu próprio DNA.
Desde que rodou suas máquinas pela primeira vez, a Papirus lançou mão de uma matéria-prima característica, as aparas, como são chamadas as sobras do material cortado nos processos de produção (e, também, mais recentemente, todo papel reciclado coletado por catadores de cooperativas).
Nos anos 1950, elas eram a opção mais acessível. Mas, em 2008, despontaram também como uma solução sustentável e ecologicamente responsável.
Amando Varella, co-CEO e diretor comercial e de marketing da Papirus, lembra:
“O mercado nos via como uma empresa que oferecia preço e produto abaixo das exigências do mercado. E nós nem sabíamos qual era nossa vantagem diferencial até mergulharmos num processo de autoconhecimento e relembrar: éramos recicladores.”
A Papirus reciclava por natureza e isso agregava um valor imensurável à sua produção, numa época em que o tema sustentabilidade não era tão estruturado dentro das empresas como é atualmente. Grandes volumes de resíduos que seriam descartados – e que certamente iriam parar em um dos milhares de aterros sanitários do país – sempre foram trazidos pela empresa de volta ao ciclo produtivo.
Com o auxílio de consultorias de negócios e de comunicação, a fabricante de papelcartão identificou em sua marca três atributos fundamentais – flexibilidade, DNA transformador e relações de valor –, que serviram de ponto de partida para a criação do primeiro produto com o apelo relacionado à sua vocação sustentável: o VitaCarta, feito com até 100% de aparas recicladas. Logo ficou claro que os conceitos extrapolavam o produto.
Mesmo o papelcartão que não incluía aparas na composição vinha de fontes sustentáveis e de florestas de celulose certificadas. Ou seja, também sustentável. E foi assim que todos os produtos da Papirus se unificaram sob esse mesmo guarda-chuva, originando a linha Vita, hoje responsável pelo faturamento de mais de R$ 450 milhões da empresa (dados de 2020). Sobre a ampliação do conceito sustentável, Varella comenta:
“Os produtos da Papirus deixaram de atender apenas às necessidades práticas do mercado. Com a linha Vita, passamos a valorizar a sustentabilidade e o meio ambiente estruturadamente. Nesse contexto, criamos um slogan, a princípio comercial, que acabou virando lema da empresa: ‘Transformamos papel, transformamos vidas’.”
Transformar por dentro para mudar por fora
Para que a linha Vita se tornasse um projeto de transformação, a Papirus lidou com duas questões que, juntas, criavam um ciclo problemático: a falta de padrão de qualidade e a baixa autoestima dos colaboradores, que, por trabalharem com “sobras”, não percebiam o valor de suas atividades.
Christian Kroes, gerente de produto e assistência técnica da empresa, comenta:
“Parecia um desafio inalcançável pensar que iríamos partir de uma matéria-prima teoricamente sem qualidade para um produto de primeira como outros do mercado, que usavam as melhores matérias-primas possíveis. Com um trabalho interno muito bem elaborado, porém, mostramos que era possível.”
Em relação ao primeiro obstáculo, já se consolidava internamente um trabalho de pesquisa e inovação, com investimentos em maquinários e estrutura e parcerias com institutos independentes, como o Centro de Tecnologia de Embalagem (Cetea) e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) para encontrar os melhores caminhos técnicos em termos de processos, receitas e novos materiais.
Isso permitiu que o papelcartão produzido ganhasse qualidade – em aspectos como lisura e geração de pó – e não só ampliasse a linha como também a tornasse capaz de atender novos segmentos.
Para transformar a cultura interna, foi necessária uma força-tarefa. O novo conceito, de transformar papel e vidas, passou a ser trabalhado internamente, com ações de comunicação e endomarketing. Varella conta:
“A mudança na cultura da Papirus começou quando nos posicionamos claramente como recicladores (transformadores) e destacamos internamente a importância disso para o meio ambiente e para um mundo melhor. Foi assim que nossos colaboradores entenderam o valor de sua atividade. Com toda a equipe alinhada ao propósito de sermos “Vita”, a conquista dos objetivos, anos depois, fluiu naturalmente.”
A convergência entre o posicionamento da marca, o desenvolvimento de tecnologia de ponta e o fortalecimento da cultura interna, tão discutidos e assimilados internamente, acabaram por transformar os três atributos da linha Vita e da marca Papirus (flexibilidade, DNA transformador e relações de valor) nos próprios valores da empresa – aquilo que a norteia, direciona e condiciona sua atuação.
Economia circular e créditos de reciclagem
O projeto pioneiro da Papirus foi feito junto do Grupo Pão de Açúcar, em 2009. As empresas efetuaram a logística reversa das caixinhas de chá da marca Taeq. Funcionava assim: as embalagens descartadas nos postos de coleta da rede de supermercados eram levadas para a cooperativa Vira-Latas, no Estado de São Paulo.
Por lá, passavam por um processo de separação do que era reaproveitável e depois seguiam para a fábrica da Papirus, que produzia novas embalagens. Todo o processo era rastreado. A parceria foi o embrião para ampliar o conceito Vita para além de uma linha de produto.
Hoje, para embalagens feitas com dois de seus produtos – o VitaCarta e o VitaCycle, ambos com 30% de aparas pós-consumo em sua fórmula –, a linha Vita carrega também um serviço de economia circular. Em parceria com a startup Pólen, a Papirus, inclusive, gera créditos de reciclagem e se diferencia no mercado.
O ciclo virtuoso dos produtos Vita tem início no momento em que o consumidor realiza o descarte correto de seu lixo. Por meio da ação das cooperativas, que entram em cena para realizar a coleta (urbana e por catadores) e a seleção do papelcartão, esse material é retirado do meio ambiente.
Dessa maneira, esse descarte deixa de se juntar às mais de 70 milhões de toneladas de resíduos sólidos que anualmente vão parar nos aterros sanitários – uma das principais fontes de gases de efeito estufa no país – e pode ser reutilizado como fibras pós-consumo.
Além de ser um elo importante no aspecto social do ESG, as cooperativas também são o ponto de partida para emissão dos créditos de reciclagem. É delas que a Papirus compra parte de sua matéria-prima, (a outra parte é formada por fibras pós-industriais, das aparas das gráficas que imprimem as embalagens feitas de papelcartão).
Toda a informação referente à negociação é transmitida para a Pólen, que efetua os pagamentos para as cooperativas. É a startup, aliás, que certifica toda a cadeia de fornecimento de fibra reciclada, garantindo a documentação das cooperativas e muitas vezes trazendo-as para uma operação formal.
A Papirus paga ainda um valor extra para ter o direito de emitir créditos de reciclagem (em blockchain), que são transferidos para “end users” – empresas que utilizam as embalagens feitas com os Vitacarta e Vitacycle da empresa. Nessas parcerias, a ideia é incluir um QR Code no produto final para que o consumidor possa rastrear todo o ciclo, seja incentivado a realizar o descarte adequado e faça a roda da econômica circular girar.
Kroes comenta:
“Nosso modelo cria um fluxo tão direto e sem intermediários entre todos entes da logística reversa que oferece transparência e rastreabilidade o tempo todo, com cada etapa certificada, monitorada e documentada.”
Na linha Vita, todos os elos da cadeia saem ganhando:
• Cooperativas são certificadas e têm a garantia de compra;
• Empresas consumidoras adquirem produtos que agregam créditos de reciclagem, fundamentais para se adequarem à Política Nacional dos Resíduos Sólidos, que determina a necessidade de destinação de 22% das embalagens à reciclagem;
• Consumidor final tem a garantia de adquirir um produto que contribui para a redução de resíduos no meio ambiente.
E, como elo desse ciclo, a Papirus segue fazendo o trabalho de sempre, fortalecendo seu DNA sustentável e transformador.
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