Por que ESG também deve estar na pauta das pequenas empresas? O Sebrae responde: “Para garantir a continuidade do negócio”

A agenda ESG ainda permanece um mistério para muitos pequenos empreendedores. A dúvida é sempre a mesma: será que a pauta também deveria constar nas prioridades dos micro e pequenos empreendedores?

Se a meta é fazer com que o negócio seja bem-sucedido, a resposta, definitivamente, é sim.

“ESG é gestão. É reduzir o desperdício de matéria-prima, diminuindo custos e tensionando menos a natureza; é se relacionar de forma mais humanizada e assertiva com colaboradores para estimular a inovação e com fornecedores e parceiros para fomentar um comércio mais justo; é ter um programa sistematizado, uma política instituída, um código de ética e ser transparente com os clientes”.

A afirmação é de Helen Camargo de Almeida, gerente de negócios sustentáveis do Centro Sebrae de Sustentabilidade (CSS), unidade de referência nacional do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) no tema.

Ao mesmo tempo em que estimula a produtividade e garante a viabilidade e a continuidade do negócio, seguir um modelo de gestão guiado por práticas ESG também coloca os pequenos no papel de protagonistas da transição para o novo modelo econômico, “que resulta em melhoria do bem-estar da humanidade e igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz os riscos ambientais e a escassez ecológica”, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
Segundo dados do recém-divulgado Atlas dos Pequenos Negócios, do Sebrae, as mais de 16 milhões de micro e pequenas empresas brasileiras movimentam R$ 280 bilhões por ano e geram um terço do PIB brasileiro. Também são responsáveis por mais de 40% da massa salarial nacional.

Na entrevista a seguir, Helen Camargo de Almeida fala do papel dos pequenos negócios na nova agenda climática mundial, desfaz mitos sobre dificuldades e custos, e incentiva a ação.

NETZERO: O tema ESG faz parte do universo de pequenas e médias empresas?
HELEN CAMARGO DE ALMEIDA: Sem dúvida. Hoje ESG é uma pauta muito importante dentro das grandes empresas, inclusive porque é considerada fator decisório para investimentos, mas é importante lembrar que o universo dos pequenos negócios dialoga diretamente com esse assunto, já que muitos fazem parte da cadeia produtiva ou da rede de fornecedores dessas companhias. E mesmo os que não estão nessa posição têm um papel na sociedade e precisam se legitimar junto a ela. Para desmistificar o assunto e aproximá-lo dos pequenos negócios, o Centro Sebrae de Sustentabilidade, que é o braço de atuação do Sebrae no tema, utiliza como narrativa o entendimento de que ESG é gestão – e traz exemplos de acordo com a realidade desses negócios. Estamos falando de reduzir o desperdício de matéria-prima, diminuindo custos e tensionando menos a natureza. De ressignificar o relacionamento com colaboradores, levando a um modelo de gestão mais humanizado e assertivo, que estimula a inovação e a criação de soluções, e com a rede de fornecedores e parceiros para fomentar um comércio mais justo. Ter um bom relacionamento com todas as partes interessadas é também ter um programa sistematizado, uma política instituída, um código de ética e ser transparente com os clientes. Quando falamos dessa forma com os pequenos, então eles começam a entender como o ESG se aplica ao seu dia a dia, seja em uma panificadora, um salão de beleza, ou uma pet shop.

Quais são os benefícios desse modelo?

Quando um pequeno negócio aprimora sua gestão, ele causa menos impacto na natureza e melhora a relação com a sociedade. Ele também eleva a produtividade porque reduz riscos (como de turnover, por exemplo), torna-se mais eficiente e se estabelece como marca forte, elevando sua competitividade.

O ESG ajuda a selar as vulnerabilidades do negócio. Então, um pequeno empreendedor se qualifica para entrar e fazer parte de um mercado em que cada vez mais os consumidores exigem seus direitos e querem ver envolvimento e engajamento ambiental e social por parte das empresas, seja no aspecto ambiental ou social. Isso pode significar, por exemplo, estar apto a se tornar fornecedor de uma grande empresa. Ou a exportar produtos por atender a critérios de mercados como Europa, Japão e Canadá, que têm essas questões como valor e princípio no ato de consumo. O resultado final de tudo isso é perenidade, é a continuidade do negócio.

Mas os custos não são altos para o pequeno negócio?

Não necessariamente. As soluções muitas vezes dependem mais de modelo mental, de mudança, de fazer diferente do que propriamente de um investimento. Estamos lançando agora uma série justamente para desmistificar pontos como esse, na qual tratamos, entre outros assuntos, de planejamento estratégico. Muitas vezes a pequena empresa não tem missão, visão, política ou código de ética estabelecidos. Às vezes, nem mesmo o processo produtivo está organizado – e isso gera desperdício, risco de acidentes de trabalho, de comprometimento de equipamentos e atrasos em entregas.

Uma vez eu cheguei a uma empresa pronta para propor um modelo de processo e o próprio empresário e seus funcionários já haviam criado um sistema de produção com desenho ilustrado. Quem entrava ali conseguia entender claramente o processo e realizá-lo. Eu entrei e entendi. Até brinquei que podia trabalhar ali.
Tudo isso são valores que dão o tom, ajudam uma equipe a trabalhar e não custam muito.

Estamos falando de ajustes que, além de não serem caros, ainda economizam. Precisamos trazer essa lucidez para o pequeno negócio e mostrar que ESG é bom para o bolso dele, para o meio ambiente, e para a sociedade.

É claro que, em determinadas situações, é preciso realizar investimentos, mas mesmo nesses casos existem tecnologias de todos os preços à disposição.

Você pode dar exemplos que mostrem essa viabilidade?

Pode ser uma escolha assertiva de equipamento na hora da troca. Por exemplo: a maneira como se disponibiliza o ar condicionado, sempre com a lógica de usar exatamente a energia necessária para produzir algo de qualidade. Em média, uma boa eficiência energética economiza 35% da conta de energia, e o pequeno negócio muitas vezes não entende que isso é sustentabilidade, que isso é ESG.
Há no mercado inúmeros softwares baratos para fazer e organizar modelo de gestão digital, para garantir a segurança de dados e a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), além de sistemas de automação do varejo para fazer atendimentos mais rápidos. O próprio WhatsApp, quando bem utilizado, pode estabelecer o relacionamento com os clientes e ativar vendas.
Mesmo quando falamos do “E” de ambiental há exemplos múltiplos de como fazer com baixo custo. A construção de cisternas, por exemplo, é acessível e tem mudado a vida de pousadas no Pantanal, reduzindo custos e sua pegada hídrica.

Também é importante lembrar que a lógica do ESG envolve novas economias, como a economia circular, que é centrada em parcerias. Os resíduos de um pequeno negócio podem ser matérias-primas para parceiros.


As práticas de ESG (ou a ausência delas) de uma pequena empresa podem comprometer financiamentos e outros recursos?

Aqui no Brasil, ainda não vemos isso de forma tão direta, mas alguns indicadores já são chaves para financiamento. O Sebrae contribui, por exemplo, para melhorar o score das empresas para elas buscarem recursos e fomentos para novos investimentos. Acredito que cada vez mais critérios de ESG serão exigidos em alguma medida. Afinal, trata-se de uma gestão mais assertiva e um negócio mais seguro para receber investimentos, com menos vulnerabilidades. Ninguém quer perder dinheiro. Com práticas de ESG, o pequeno negócio certamente vai se qualificar para ampliar sua oportunidade de acesso a serviços financeiros.

Qual é a maior dificuldade dos pequenos nesse novo modelo de negócios?

Uma das maiores é mensurar indicadores. Isso é muito importante porque significa formalizar as práticas como diferencial competitivo. Medir consumo de água, volume reciclado, programa de valorização dos colaboradores. Estes são exemplos que mostram quais resultados eles geram para o negócio. É preciso se organizar minimamente para ter um relatório simples que, de algum forma, registre o histórico. Basta marcar o T0 quando iniciar as mudanças, fazer os registros, e indicar onde quer chegar para garantir foco no resultado.

Por onde começar as práticas de ESG?

Para quem está começando do zero, a primeira coisa é pensar por letras. Isso facilita e torna o processo mais didático. Olhe sua empresa com atenção e pense em práticas que pode instituir em cada área e que, a priori, não irão demandar investimento financeiro. Considere que, às vezes, é necessário apenas um novo olhar. E realize medições de tudo.
Dentro do “E”: a legislação ambiental é atendida? Onde é possível economizar energia? E água? A separação de resíduos já é feita? Que tal iniciá-la e investir o dinheiro economizado em uma confraternização de colaboradores para conscientizar? No “S”: como está a relação com os colaboradores? Existe um ambiente de troca, com participação de todos no planejamento, e processo de escuta? Como está a relação com a comunidade? No “G”: existe um código de ética, um propósito e um planejamento organizado e escrito? Todos sabem o que precisa ser feito? A governança dentro de um pequeno negócio está muito atrelada a isso. Você é transparente com seu cliente e tem um canal para feedback e reclamações?
Dois perfis de empreendedores costumam nos procurar: aqueles que se conscientizam e enxergam as oportunidades de uma gestão focada em ESG antes mesmo de precisarem dela na prática, e os que vêm pela dor e pressão do mercado.  O que vemos é que, com mudanças simples, o nível de ambição das empresas para se aprimorarem inevitavelmente vai aumentando – mesmo as que chegaram ao Sebrae pelo segundo motivo.

Como você vê o papel dos pequenos negócios no novo modelo de economia sustentável?

É fácil imaginar as grandes empresas como causadoras de impacto ambiental e social, mas os pequenos negócios também geram resíduos, consomem energia e água e afetam a natureza e a sociedade de diversas maneiras. Agora pense que a grande maioria dos CNPJs brasileiros é, seguramente, composta de pequenos negócios. Muitas vezes, vemos cidades que não têm grandes empresas. O dinamismo econômico está na mão dos pequenos. Eles empregam, se relacionam com a comunidade, e constróem um tecido social e econômico importante, que contribui para o desenvolvimento da comunidade. Isso é muita responsabilidade. Se não fizerem nada, é como se todos nós estivéssemos enxugando gelo. Já vi empresários se emocionarem quando dizemos isso porque eles começam a ter um nível de consciência de que praticar sustentabilidade é muito mais que uma palavra bonita. É entender seu papel no desenvolvimento do país.


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