A instabilidade política no Brasil dos últimos anos tem abalado a confiança de investidores externos. O aumento do desmatamento e a falta de políticas públicas para conter crimes ambientais tem trazido uma sensação de insegurança para quem está de fora. Algo que Marina Cançado, especialista em investimentos sustentáveis e de impacto, vem tentando reverter. “Nosso país tem que deixar de se colocar como o patinho feio. Não somos o problema, somos parte da solução: temos um setor privado fazendo muita coisa pela Amazônia, um agro migrando para a sustentabilidade, nosso aço é o mais verde do mundo. Somos muito mais do que a política e qualquer governo. Temos que estar na mesa global de negociações”, acredita.
Marina é CEO da Future Carbon Group, startup focada em direcionar capital para a geração de créditos de carbono. Ex-Head de Sustainable Wealth da XP, ela liderou o Brazil Climate Summit em setembro passado, em Nova York. Aos 34 anos, ela foi uma das consultoras em educação financeira do Bolsa Família, trabalhou como membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República entre 2016 e 2019, e foi coordenadora do Legado para a Juventude Brasileira, um projeto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para transformar jovens da elite em lideranças. “O Brasil pode ser o maior gerador de crédito de carbono do mundo. No setor privado, isso é algo efetivo que se pode fazer, em escala. Ao vender créditos de carbono, eu monetizo a conservação e até a compra de determinadas áreas”, defende.
Na entrevista a seguir, Marina conta um pouco de sua trajetória e de que forma pretende direcionar o olhar do mercado financeiro a investimentos que levem em conta aspectos sociais, ambientais e de governança.
NETZERO: Qual a importância do mercado de carbono para o Brasil?
MARINA CANÇADO: O Brasil pode ser o maior gerador de crédito de carbono do mundo. Trata-se de um projeto em escala, e um investimento que vale a pena para empresas, pois é de longo prazo. Um projeto de carbono é coisa de 30 anos: as empresas preferem investir neste tipo de projeto em que elas poderão ter um aporte de compensação que precisarão usar nos próximos anos. Esse preço do aporte com certeza vai subir, então vale a pena se garantir e comprar desde já.
Como você chegou a esta conclusão?
Eu enveredei para a agenda de carbono quando trabalhei na XP, onde ajudei a montar a área de investimento sustentável. Descobri que esta é uma questão central da agenda climática. O crédito de carbono é algo efetivo que o setor privado pode fazer e tem um efeito em escala. Foi com isso em mente que entrei com meu sócio na Future Carbon: a gente gera projetos de créditos de carbono e depois comercializa, além de apoiar também as empresas a desenharem sua jornada e sua governança. O mercado de carbono tem aí seus 15, 20 anos. É novo, mas está mudando.
“O primeiro ponto de visão estratégica é entender quais são as oportunidades deste mercado, como está evoluindo, e para onde deveríamos olhar. No Brasil, grande parte das emissões está no desmatamento, na agricultura, e pecuária. Isso já define áreas de atuação”.
Outro ponto: atuar diretamente em florestas para conter o desmatamento. Mas esbarramos na questão de que dependemos do dono da terra para cuidar daquele espaço pelos próximos anos. Então nossa decisão estratégica foi partir para o modelo de compra de terra: já iniciamos o processo de compra de 1 milhão de hectares no arco desmatamento da Amazônia (áreas de avanço do desmatamento onde é preciso bloquear para o problema não avançar). Se eu tenho áreas, sou a dona. Portanto, protejo aquela área. Isso faz com que eu esteja contribuindo efetivamente para a contenção do desmatamento.
Comprar um pedaço da Amazônia é uma decisão um tanto ambiciosa. Não deve ser nem simples, nem barato…
Claro que não. Nosso trabalho justamente é trazer instituições para aporte financeiro, mobilizar essas instituições. Eu vendo créditos de carbono e assim monetizo a conservação e, por opção estratégica, também a compra de determinadas áreas. Como eu disse, um projeto de carbono é de 30 anos; de reflorestamento é 50 anos. São projetos de longuíssimo prazo.
Isso demonstra que você tem um ótimo trânsito no mercado financeiro. Como você chegou a este setor?
“Na adolescência, vivi uma situação de quase morte. Tive anorexia severa, fui internada, e tomei uma decisão: se eu for viver, quero dar minha contribuição efetiva para melhorar este planeta e para que o ser humano possa viver sua vida em pleno potencial. Foi um compromisso que assumi com a vida.”
Meus pais são da área de saúde. Meu pai é médico e minha mãe dentista. Cresci vendo os dois dedicados a atender no serviço público e trabalhadores sem condições de pagar. Entendia as dificuldades da vidas das pessoas – minha vida sempre foi conectada em fazer algo pelos outros. Isso ficou claro para mim no hospital. O que me diferenciou da trajetória dos meus pais é que eles pensam no indivíduo e eu penso em escala: como mudo uma sociedade inteira, como mudo a política? Fui fazer FGV (Fundação Getúlio Vargas). Na época, não havia muito espaço no setor privado, os institutos estavam nascendo. Eu sabia que, para trabalhar em escala, eu tinha que fazer algo com o governo. Comecei então com o Tellus, que auxilia governos e políticas públicas.
Então para chegar no setor privado você passou pelo público?
Sim. Em 2014, fui convidada para desenhar e testar um programa de educação financeira que se tornou parte do Bolsa Família. Não bastava dar o dinheiro, era preciso ajudar estas famílias a fazer uso deste valor. Desenvolvi ferramentas para facilitar na organização desse dinheiro. Passei um ano fazendo trabalho de campo com famílias testando ferramentas, tais como cofrinhos de cores diferentes, caderninhos com categorias de gastos para separar o dinheiro. Nosso trabalho ficou reconhecido como o programa mais efetivo para organizações financeiras de famílias do mundo por entidades como o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), por exemplo. Em outra parte do tempo eu trabalhava com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso num projeto para a formação de líderes da juventude da elite brasileira.
“Neste momento, mergulhei na agenda ESG de impacto. Minha visão: como alinhar o capitalismo e o futuro que a gente quer construir? Entender como alinhar negócios e investimentos com os temas essenciais para o futuro.”
Encerrei os dois trabalhos e tirei um ano para viajar pelo mundo e entender o que estava sendo feito nesta agenda, quais as melhores práticas.
Como você vê a adesão de empresas brasileiras ao ESG, ao mercado de carbono?
As empresas estão pressionadas por todos os lados. Não tem mais como ignorar essa agenda, elas terão que entrar para o jogo. Porque precisam vender, receber investimento, enfim, uma série de coisas. Trata-se de um cenário de mercado a despeito de governo. Olha, já participei de fóruns de governo e acho que o Brasil tem que ser maior que seus problemas: a gente não pode ficar refém de governo nenhum.
“O mundo não vai resolver as questões climáticas sem o Brasil. Podemos ser exportadores de uma série de soluções verdes. Estamos diante de um cenário de crise em que o Brasil é parte da solução. Se a gente esperar que a política resolva por nós, nada vai acontecer”.
Por isso você liderou o Brazil Climate Summit, em Nova York?
Sim, sim. Precisamos mostrar para o mundo que existe um setor privado fazendo coisas pela Amazônia, migrando o agro para a sustentabilidade, comprando o aço do Brasil que é mais verde. Não somos o patinho feio. A gente não emite como Estados Unidos e China, por exemplo. Somos parte da solução e o setor privado deve tomar a frente disso a despeito do setor público. Temos que estar na mesa global.
“No Brazil Summit, percebemos que o Brasil é visto de fora como risco, como o país que desmata, e tem política frágil. A gente é mais que isso. Temos outro lado, um setor privado pujante que pode contribuir para vários setores do mundo. No Summit foi importante mostrar este lado do Brasil. Pudemos apresentar um setor privado que fala. A despeito de qualquer governo.”
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