“Tem vento lá?”. Esta sempre foi a primeira pergunta que o executivo Marco Dalpozzo se colocou antes de aceitar cargos em qualquer lugar do mundo. Nascido em Bolonha, na Itália, ele chegou ao Brasil em 1993, vindo de Bruxelas, Bélgica, para assumir a direção da Unilever aqui. Chegou em São Paulo, onde nem sempre os ventos são uivantes, com a condição de poder velejar em Ilha Bela aos finais de semana. “Andei o Brasil inteiro em busca dos melhores ventos para a vela. Até que cheguei em Jericoacoara, no Ceará, o melhor vento do mundo. Eu me uni a dois sócios e montamos uma pousada com uma decisão: não derrubar nenhuma árvore e só contratar a população nativa”, lembra.
O hobby de Dalpozzo foi se transformando, pouco a pouco, em um negócio. Descobriu o kitesurf, esporte primo da vela, comprou um terreno maior, e montou a Surfin Sem Fim, empresa que leva aventureiros a percorrerem longas distâncias velejando – segundo ele, no Brasil, é possível percorrer 2 mil km sem colocar os pés em um carro.
Atualmente seus negócios no Ceará, que contam com pousada e investimentos turísticos, já têm 200 funcionários diretos, e dão lucro. “Tenho um case de business rentável, que nunca cortou uma árvore e só contrata população nativa. Encontramos uma fórmula equilibrada e totalmente ESG”, diz.
Na entrevista a seguir, o executivo, que além de empreendedor de turismo sustentável ligado ao mar e ao vento, também é sócio da Organizações Contemporâneas, professor da Fundação Dom Cabral e faz parte do conselho consultivo do Coppead (UFRJ), defende como é preciso que os empresários tenham um lado B que os ensine a lidar com imprevistos, e ainda lança uma provocação ao mercado:
“Convido as grandes empresas a colocarem a mão na massa: preservem. Trata-se de uma obrigação, não é um favor”.
NETZERO: Como foi possível um executivo sair do ar-condicionado e ir parar nas areias de Jericoacoara?
MARCO DALPOZZO: O líder empresarial do mundo contemporâneo tem que ter um lado B porque o A não basta. Um belo dia, veja você: caem as torres gêmeas, depois aparece uma pandemia de Covid-19 que muda tudo, e em outro dia estoura uma guerra na Ucrânia. Cada momento um susto diferente, que impacta o mercado, e exige decisões de quem está no comando. Você tem que saber lidar com o imprevisto, com o fora do contexto; este é o mundo que vivemos. Para isso, é preciso pensar fora do ar-condicionado, olhar para fora. Você conhece seu lado B? Para descobrir, é preciso se desnudar, ir para o mato, colocar uma sunga. Sentir a natureza não intelectualmente e sim emocionalmente.
Conte como você fez isso.
Comecei a fazer windsurf ainda na Itália, em 1978. Em todos os lugares onde morei, procurava o vento. Em São Paulo, quando cheguei ao Brasil em 1993, descobri a Ilha Bela. Este sempre foi meu lado B. Andei o Brasil inteiro. Até que minha mulher me disse: acho que tem um lugar que tem um vento incrível: Jericoacoara. Em 1997, comprei um terreno lá com outros dois sócios, montamos uma pequena pousada para nossas famílias. Decidimos fazer o seguinte: não vamos cortar nenhuma árvore, nem contrataremos ninguém que não seja nativo. Havia 59 coqueiros centenários lá naquela época; hoje ainda tem 59 coqueiros centenários.
Era só um hobby até então?
Sim. Mas a pousada começou a fazer sucesso. E nós passamos a perceber o capitalismo selvagem invadindo a região, desrespeitando leis, desmatando, poluindo. Ao mesmo tempo, conheci outro esporte primo da vela, o kitesurf. Então decidimos ampliar o negócio e compramos uma fazenda maior. Em 2005, montamos uma pousada grande, dedicada a velejadores e praticantes de kite. Com o mesmo conceito: sem desmatar, tudo simples, contratando apenas nativos. Nunca colocamos ar-condicionado, nossa arquitetura é planejada para que o vento refresque os quartos, não há televisão, somos simples e economizamos energia ao máximo.
Foi aí que a aventura passou a ficar mais séria, com ares de negócios?
Aprendi com os nativos que era possível percorrer muitos quilômetros de kitesurf, em vez de viajar de carro. Em 2010 fiz esta viagem pela primeira vez, a experiência mais extraordinária da minha vida, e achei que todo mundo que velejava deveria fazer isso também: usar a prancha como veículo. Lançamos então uma marca: a Surfin Sem Fim, que promove viagens de kitesurf, parando a cada 50 km para dormir. O Brasil tem o melhor vento do mundo: do marco zero do Brasil (RN) até Belém, sem colocar o pé num carro, são 2 mil km. É o único lugar do mundo onde você tem um litoral em que o vento bate sem parar, 8 meses por ano.
Descobrimos esta terra velejando. Ao perceber a especulação imobiliária, todo mundo desrespeitando leis brasileiras, carros na praia, construções indevidas, desmatamento eu decidi que vou me empenhar para preservar tudo isso. Tenho um case de um business de sucesso: dá lucro, nunca cortou uma árvore e só contrata população nativa. Encontramos uma fórmula equilibrada e é ESG.
De que forma você usa seu lado A, o executivo, nesta empreitada?
Vimos o inevitável progresso chegando, a ocupação desenfreada e pensamos: vamos convidar empresas, governos, organizações para encontrar o equilíbrio para chegar ao capitalismo consciente e sustentável. Usei meu lado executivo e bati nas portas, o meu lado A. Temos um Brasil que vive da pesca e temos um lado Nova York, com a estrutura de São Paulo. As empresas podem compensar. Preservar. Podemos gerar turismo sustentável, assim como fazemos em Jericoacoara. Queremos chamar empresas para colocar carros elétricos, tirar carros a combustão, empresas de energia que seja limpa.
O Brasil tem 8 mil km de litoral, 70% da população brasileira mora na praia ou perto da praia. Convido essas grandes empresas a colocarem a mão na massa. O Brasil não tem só a Amazonia, tem tudo isso também. Trata-se de uma obrigação das empresas. Não é uma questão se vale a pena ou um favor: é uma obrigação. Ou preserva ou o mundo vai parar.
De que forma o Brasil representa uma oportunidade deste tipo de negócio?
O rio Amazonas encontra o oceano a partir dos lençóis maranhenses. Antes, você tem as dunas, a areia, e a água doce. O único lugar do mundo que tem isso. Aí começa a Amazonia fluvial, de uma riqueza absurda. A sorte deste país é que ainda existe a natureza, no meu país já não tem mais nada. As empresas precisam se empenhar nesta preservação – e eu decidi que este é meu propósito.
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