Quando o ambientalista Fabio Feldmann iniciou sua carreira, na década de 1970, o Brasil praticamente não contava com uma pauta ambiental, e o tema era restrito a determinados círculos. “Hoje, mudança do clima e biodiversidade são temas presentes na sociedade brasileira”, afirma. “Agora o que se espera é mais ação.”
Deputado federal por três mandatos consecutivos (1987-1999), Feldmann foi o responsável pela elaboração do capítulo de meio ambiente da Constituição de 1988. O texto é considerado um dos mais completos do mundo. É autor ainda de diversas leis que tratam de assuntos como resíduos sólidos, baterias, energia nuclear e proteção da Mata Atlântica, entre outros, e é consultor sênior de Articulação Política do Centro Brasil no Clima.
Com 40 anos de carreira e vivendo um momento-chave para as discussões ambientais em todo o mundo, Feldman vê boas perspectivas para o Brasil. Ele acredita que o país já dá sinais de que vai romper o isolamento dos últimos anos e cita a assinatura do acordo para redução das emissões de metano, firmado no início da COP26 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), como símbolo desse movimento.
Também destaca a força que o mercado de carbono deve ganhar com a esperada regulamentação do Artigo 6 do Acordo de Paris. Mas insiste: “Nosso grande desafio é combater o desmatamento da Amazônia, que é um dos grandes emissores de gases do efeito estufa do mundo”. A seguir, em entrevista a NetZero, Feldmann fala também sobre a força da agenda ESG nas empresas brasileiras, desafios e oportunidade do mercado de carbono e o que ainda podemos esperar da COP26.
NETZERO: Como você avalia até aqui a COP26?
FABIO FELDMANN: O que posso dizer desta primeira semana é que está indo bem, podemos ver algumas iniciativas. Quero ressaltar, primeiro, a grande participação dos jovens, que é um dado muito importante, e a participação de populações tradicionais, como os indígenas. Além disso, o Brasil sinalizou que pretende quebrar um pouco o isolamento em que se encontra. O Brasil assinou, por exemplo, o acordo para reduzir a emissão de metano. A primeira semana é um jogo preparatório para a principal negociação, que é a regulamentação do Artigo 6 do Acordo de Paris.
Qual é o principal desafio do país hoje em relação às mudanças climáticas?
Acho que o grande desafio continua sendo combater o desmatamento da Amazônia, do cerrado e as queimadas. O desmatamento ilegal é um dos grandes emissores de gases do efeito estufa e há uma enorme pressão para diminuí-lo, pois ele só beneficia grileiros, garimpeiros, madeireiros.
O que se espera do Brasil é que o país anuncie na prática a intenção de diminuir o desmatamento. Esse é nosso calcanhar de Aquiles. É difícil dizer o que vai acontecer, porque o governo Bolsonaro apoia o desmatamento na medida em que não o combate. Mas a pressão internacional tem feito o Brasil estar mais sensível ao tema.
Com pressão internacional quero dizer a eleição do presidente [Joe] Biden nos Estados Unidos e a pressão por eventuais boicotes a produtos brasileiros, especialmente às commodities. Isso cria uma conjuntura em que não combater o desmatamento torna o país – especialmente o governo – vulnerável.
A regulamentação do Artigo 6 do Acordo de Paris é um dos pontos centrais da COP26. Você acredita que isso vá acontecer nos próximos dias?
Esse é o grande tema desta COP26, então temos expectativa que se chegue a um acordo. Tudo indica que sim, mas, como toda negociação importante, deve ser decidida nas últimas 48 horas. Se não se chegar a um acordo, não será uma COP bem-sucedida.
Quais são as principais dificuldades para que se chegue a esse acordo?
No caso do Brasil, é o que vai se fazer com os créditos do antigo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo [O Brasil é um defensor do carregamento desses créditos, enquanto outros países apresentam resistência]. A segunda dificuldade é ter transparência e evitar a contabilidade dupla. Mas eu pessoalmente acho que, como já faz seis anos da assinatura do acordo de Paris, há uma pressão muito grande para a implementação.
O que o Brasil tem a ganhar com a precificação do carbono?
O Brasil tem muito a ganhar porque pode se transformar num grande exportador de créditos de carbono. Se você quer reduzir emissões, possuir um mercado de carbono bem desenvolvido pode ajudar muito.
Qual é o papel do setor empresarial brasileiro no mercado de carbono?
O setor empresarial tem muito interesse em que essa questão seja resolvida, porque isso dá segurança para agir. A pendência cria um ambiente de insegurança. Acho que tanto no Brasil quanto no mundo há uma expectativa positiva de que se possa superar essas questões.
A agenda climática já está muito presente no setor empresarial, especialmente no financeiro. Não é mais uma agenda só de ONG.
Existia uma expectativa de que o Projeto de Lei 290/2020, que poderá impulsionar no país o mercado de carbono, fosse aprovado na Câmara dos Deputados antes do início da COP26. Como o senhor avalia o projeto e qual pode ser o impacto da sua aprovação na agenda ESG das empresas?
Eu pessoalmente acho que teria sido importante ter aprovado esse projeto antes [da COP26] para sinalizar que o Brasil está sintonizado com o tema de mudança climática. Mas agora esperamos que a regulamentação do Artigo 6 sirva de estímulo para o Brasil aprová-lo também.
Há algum setor produtivo ou tipo de empresa que se beneficiaria mais com a precificação do carbono?
Acho que o mercado de carbono pode ajudar a economia brasileira como um todo, mas aqueles que estejam mais engajados na redução de carbono tendem a se beneficiar. Como isso deve acontecer? Se eu consigo reduzir as emissões de carbono além da meta, a diferença pode ser comercializada e gerar receita. O setor empresarial brasileiro está ansioso por isso.
Um dos pontos de discussão quando se fala em mercado de carbono é que isso poderia gerar um comportamento em que países mais poluidores se vejam “autorizados” a poluir. Esse é um risco? Como evitar que isso aconteça?
O mercado de carbono se justifica porque é preciso reduzir as emissões e essa nem sempre é uma tarefa fácil. O mercado de carbono surge exatamente para ajudar nisso. O ideal seria não ter o mercado de carbono e todo mundo reduzir suas emissões. Mas ele precisa existir por conta das barreiras e dificuldades que os países e mercados têm. Ele é complementar e tem um prazo. O ideal é que, em 2050 ou 2060, a economia do mundo fosse sustentável o suficiente para que o mercado de carbono deixasse de ser utilizado.
Nos últimos anos, a agenda ESG foi valorizada pelas empresas brasileiras, que passaram a divulgar metas e a se engajar em projetos ambientais e sociais. Como você vê esse movimento?
Acho que é muito importante que se valorize essa agenda ESG no Brasil, como ocorre no mundo. Mas faço um alerta de que isso tem que ser pra valer, tem que ser implementado mesmo, para evitar o greenwashing. A agenda veio para ficar, é importante que se tenha metas claras, que se tenha inventário e transparência.
Sempre dou um exemplo: quando converso com uma empresa, pergunto quem lá dentro cuida da agenda ESG. Se é o marketing, vejo com desconfiança, porque ela tem que estar no coração da empresa. A grande preocupação é esse tema estar no coração estratégico da tomada de decisão das empresas.
Você fundou a SOS Mata Atlântica, foi deputado constituinte e está há décadas chamando a atenção para questões ambientais. Como você vê a evolução desse debate ao longo desse período?
Acompanho essa questão há 40 anos e há uma mudança de consciência qualitativa. Mudança do clima e biodiversidade são temas presentes na sociedade brasileira e houve um mudança radical de consciência e transformação. Agora o que se espera é mais ação.
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