Corpos que brilham: a carioca Pura Color Beauty traz sustentabilidade ao Carnaval com o primeiro glitter biodegradável do Brasil

A alegria de desfilar com os corpos cobertos de brilho no Carnaval tem lá seu preço – os oceanos que o digam. O glitter convencional é considerado um tipo de microplástico, ou seja, seu tamanho varia até 5 milímetros, portanto é impossível de ser filtrado. Quando você lava o rosto e toma banho, essa maquiagem toda vai parar na água que depois você bebe – ou ainda na barriga dos peixes que nadam no mar e que, provavelmente, um dia você vai comer. Portanto, mesmo que as festas carnavalescas não te agradem, aceite: o glitter corre em suas veias neste momento.

Inconformada com este raciocínio e, pior, com as toneladas desse material despejadas por ano nos oceanos (são entre 15 e 51 trilhões de partículas), a arquiteta carioca Frances Sampaio Sansão saiu à procura de algum produto menos nocivo. O ano era 2016. E, por incrível que pareça, não existia nada tão inocente assim – o melhor que conseguiu encontrar foi um glitter vendido em Londres à base de celulose. Mas a importação era cara e a composição contava com folhas de alumínio, material que não se decompõe facilmente.

“Eu usava glitter e purpurina até para ir ao mercado. Não podia continuar usando sabendo que aquilo era plástico que ia parar na água, no sal, em tudo. Fui para a cozinha de casa e passei a testar receitas de glitter natural. Vi que tinha um pessoal que usava gelatina, mas ela é feita de tutano, que vem do boi e tem sofrimento animal. Pensei: vou tentar com ágar-ágar, que é uma alga. Deu certo!”.

E foi assim, numa mistura digna de caldeirão de bruxa, que Frances inventou a primeira fórmula de glitter biodegradável do Brasil. Misturou as algas com um pó de pedra, a mica – cuidadosamente comprada de fornecedores que não exploram o trabalho infantil e nenhum outro tipo de trabalho. Virou um tipo de massa de bolo desidratada. Desta alquimia consciente nasceu a Pura Color Beauty, que no início era só uma página no Instagram que vendia para os amigos.

UMA STARTUP COLORIDA

O sucesso foi tão grande que Frances passou a não dar conta de produzir tantos pedidos sozinha. Logo se juntou a Luciana Duarte e Marcela de Figueiredo, suas sócias, e profissionalizaram a empresa: passaram por acelerações de startups, alavancaram o negócio, aumentaram a escala de produção e aprimoraram a técnica. A fabricação saiu da cozinha de Frances e migrou para um pequeno laboratório instalado no centro do Rio de Janeiro.

O que era apenas uma experiência caseira “para ver no que vai dar” tornou-se uma empresa estruturada: o portfólio agora conta com 3 produtos básicos (glitter em escamas, o carro-chefe; maquiagem em gel para corpo e cabelo; e a versão em pó). A Pura também faz maquiagens em eventos e ações customizadas em empresas – o produto vem em charmosas garrafinhas que podem trazer a logomarca do cliente, por exemplo.

“O brilho traz alegria e as pessoas ficam espontaneamente mais felizes. Trabalhar com esta alegria é muito motivador. Eu não tinha nenhuma pretensão de virar empresária, mas a empresa nasceu. E nasceu com um propósito muito maior, portanto, ela vai levantar bandeiras importantes”.

Frances explica que a Pura começou com o objetivo de não poluir o ambiente. Mas hoje ela vai além e abraça causas como a diversidade, por exemplo: “Queremos mostrar a beleza visível em todas as peles, todos os corpos. O brilho é para todo mundo. Se você está montando uma empresa é preciso pensar numa reestruturação de pensamento e não repetir o que está aí”.

MUITO MAIS QUE O CARNAVAL

O problema da contaminação causada pelo glitter não se resume ao Carnaval ou a datas festivas. Por incrível que pareça ele está por toda parte: além dos cosméticos, está nas roupas, tênis, sapatos, mochilas, itens de papelaria, bolas, brinquedos – é usado até mesmo em aeronaves e em marcas d’água de cédulas de dinheiro.

O estrago é tão grande que o uso deste produto já foi proibido no Canadá, nos Estados Unidos, Reino Unido e Nova Zelândia. O glitter de plástico convencional é produzido a partir de placas de PET ou PVC que são metalizadas com alumínio e, depois, tingidas com diversas cores. Em seguida, estas plaquinhas são revestidas novamente com uma camada transparente para tentar “segurar” sua cor e então cortadas em uma espécie de triturador. Os funcionários das grandes fábricas costumam ficar permanentemente com seus corpos infestados de glitter – nos ouvidos, embaixo das unhas, cabelos e em tudo o que tocam.

“É chato ficar repetindo, mas o plástico é um problemão: está na nossa corrente sanguínea e ameaça a nossa existência. É uma questão de saúde pública. Ele não vai se degradar: está contaminando nosso sal, nossa água, nossa comida. Os bebês estão nascendo com plástico no organismo. Não existem mais seres humanos sem plástico no corpo. Como a gente não vê, não liga. Eu acho que é melhor prevenir que remediar, mas já passamos da fase do prevenir, precisamos remediar mesmo. Mudar hábitos e leis é uma questão urgente pra mudar a situação.


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