Lixões são depósitos de materiais tóxicos a céu aberto e precisam acabar: pela saúde pública e pelo meio ambiente

O Brasil sofre, há décadas, com o grave problema dos lixões, depósitos a céu aberto de resíduos sólidos, sem tratamento algum e transgressores de todos os princípios e normas ambientais. Trata-se de uma absurda e anacrônica situação, causadora de danos à saúde pública, poluidora do meio urbano e danosa à qualidade da vida.

Dentre as doenças relacionadas ao lixo, principalmente quando não devidamente coletado, tratado e transportado aos aterros sanitários, destinos ecologicamente corretos, encontram-se a
cisticercose, cólera, disenteria, febre tifoide, filariose, giardíase, leishmaniose, leptospirose, peste bubônica, salmonelose, toxoplasmose, tracoma e triquinose. Os impactos ambientais também são bastante nocivos: contaminação de mananciais pelo chorume e do ar; proliferação de moscas, baratas, ratos, pulgas, mosquitos e outros insetos; presença de urubus; e problemas estéticos e de odor.

Outra questão refere-se ao fato de os lixões contrariarem os compromissos do Brasil assumidos no âmbito do Acordo de Paris, que visa limitar a 1,5 grau o aumento da temperatura terrestre em relação ao período pré-industrial. Nosso país precisa diminuir em 37% a emissão de gases de efeito estufa na comparação com os índices de 2005. A redução deverá chegar a 43% em 2030. A erradicação dos lixões contribuiria para o êxito dessa meta.

Para se ter ideia da relevância da medida, os resíduos sólidos foram responsáveis, em 2021, pela emissão de 60,04 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2). Somados aos efluentes líquidos também presentes no lixo urbano, são 91,12 milhões de toneladas. Isso representa cerca de 5% do total de gases de efeito estufa do território nacional. Esses são os dados mais recentes do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa).

O mais grave é que há cidades brasileiras nas quais os resíduos sólidos representam de 10% a 20% das emissões de carbono, gerando volume expressivo de gases de efeito estufa. Tais localidades são exatamente aquelas nas quais, à revelia dos interesses maiores da sociedade, das leis e dos preceitos ambientais, são mantidos os famigerados lixões.

POR QUE AINDA EXISTEM LIXÕES?

A esta altura, o leitor, com justificada razão, deve estar se perguntando por que, diante de problemas tão danosos à saúde pública, ao meio ambiente e à agenda do clima, os lixões ainda não foram extintos no país, desafiando as leis, o bom senso e o direito dos brasileiros a um habitat urbano mais saudável. A resposta remonta ao descumprimento inicial da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS – Lei 12.305, de 2 de agosto de 2010), que havia estabelecido como prazo definitivo para a erradicação o mês de agosto de 2014. Porém, assistiu-se a um grande movimento de executivos municipais no Congresso Nacional, com o intuito de postergar as medidas e deixar de cumprir a legislação.

Eis, contudo, que o Novo Marco do Saneamento Básico (Lei 14.026), sancionado em julho de 2020, instituiu melhores condições para livrar o Brasil dos lixões: estabeleceu licitações livres para os serviços de coleta, tratamento e destinação final dos resíduos sólidos, com estímulo a investimentos privados e criação de empregos, substituindo um oneroso passivo ambiental por valor econômico sustentável. Em novembro de 2020, com o propósito de contribuir para o cumprimento da nova lei, a Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes (Abetre) criou o Atlas da Destinação Final de Resíduos. É uma ferramenta de livre acesso, que coloca à disposição da sociedade informações concretas para avaliação e cobrança das autoridades.

UM LONGO CAMINHO

A entidade havia contabilizado, que, ao final de 2018, havia 3.427 lixões espalhados pelo território brasileiro. Observamos que, passados 13 anos desde a promulgação da PNRS e quase três do Novo Marco do Saneamento, os avanços são lentos. Ainda temos no País, conforme os números mais recentes do Atlas, 2.577 desses depósitos ambientalmente incorretos. Pode ser até mesmo que o número seja maior, pois a fiscalização, quando existe, é muito tímida. Ademais, não há a necessária sanção judicial determinada na lei. É preocupante constatar que, apesar de todo esse histórico e de o novo Marco do Saneamento ter estabelecido um cronograma escalonado bastante exequível para a extinção dos lixões, os prazos, que expiram definitivamente em 2024 para as cidades com até 50 mil habitantes, as últimas da agenda definida, seguem sendo descumpridos por vários municípios, inclusive de regiões metropolitanas.

O teimoso desacato à lei revela incompreensível leniência na abordagem, compliance, fiscalização e sanções jurídicas cabíveis, bem como total desconsideração dos contemporâneos preceitos da governança ambiental, social e corporativa (ES), que se tornam cada vez mais parâmetros globais de conduta para os setores privado e público.

Nem mesmo a alegação da falta de dinheiro tem mais sentido, pois o Novo Marco do Saneamento criou todas as condições para a realização dos investimentos necessários à substituição dos lixões ainda existentes por 500 novos aterros sanitários, estimados pela Abetre em R$ 2,6 bilhões. Além das livres licitações, a lei conferiu às prefeituras a possibilidade de garantirem a sustentabilidade econômico-financeira da coleta, tratamento e destinação dos resíduos sólidos, com a instituição de tarifa específica para esses serviços.

Não há mais desculpas a serem dadas. Ante a persistência de um problema que mantém em vários municípios brasileiros um sistema de depósito de lixo de quase dois séculos atrás, paira apenas o silêncio de quem descumpre a lei e daqueles que deveriam fiscalizar. À sociedade resta, além da indignação, reivindicar soluções urgentes.     

**Luiz Gonzaga Alves Pereira é presidente da Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes (Abetre)


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