Em 2015, a subsidiária brasileira da empresa de customer experience Foundever contratou, pela primeira vez, nove profissionais recém-chegados da Venezuela. A decisão foi circunstancial: clientes buscavam atendentes que falassem espanhol nativo, o que era, justamente, o ponto forte dos candidatos.
Quase uma década mais tarde, a empresa descobriu que este grupo de funcionários era muito mais potente do que imaginava: a inclusão de refugiados, grupo quase sempre negligenciado no mercado de trabalho nacional (e mundial), traz benefícios que vão muito além da fluência no idioma. Com eles, a companhia ganhou motivação, engajamento, lealdade e força para sua cultura interna.
Hoje a Foundever brasileira conta com 700 refugiados em seu quadro de funcionários (com o compromisso de ampliar esse número para mil até o final de 2024) e já inspira outras subsidiárias a seguirem o exemplo. O trabalho tem sido tão significativo que a companhia se tornou parceira do ACNUR (Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados) para inclusão desses profissionais no mercado de trabalho nacional. Mas o caminho para chegar lá não foi simples.
“Estamos falando de pessoas que, muitas vezes, chegam ao Brasil com a roupa do corpo e uma mochila. Não tínhamos uma equipe preparada para lidar com o assunto e logo entendemos que precisávamos agir também como consultores para esses funcionários em assuntos como legislação e documentação”, conta Adriana Wells, diretora de RH da empresa.
UM TRABALHO QUE VAI ALÉM DA CONTRATAÇÃO
De acordo com o ACNUR, mais de 60 mil pessoas são reconhecidas como refugiadas no Brasil, e a grande maioria (48.789) vem da Venezuela. Em seguida vem os sírios (3.682), e depois os congoleses (1.078). A Foundever dá preferência a venezuelanos por conta do idioma – a maioria de seus clientes são de países latino-americanos.
Conseguir trabalho para se estabelecer financeiramente em um novo país é um dos principais obstáculos para a adaptação de refugiados, já que envolve não só questões de idioma e cultura como também dificuldades práticas, como documentação adequada.
“Além de capacitar nosso time de RH, nos associamos a parceiros que capitaneiam o processo de acolhimento de refugiados no país, como ONGs e igrejas, que nos mostraram e nos fizeram refletir sobre o que era necessário para tornar a experiência dessas pessoas ser a melhor possível.”Um exemplo simples, mas que no início passou despercebido: apesar de grande parte das vagas não exigir conhecimento de língua portuguesa, o recrutador fazia a entrevista no idioma. Esse foi um dos primeiros processos a ser alterado, e toda a jornada do funcionário passou a ser feita no idioma de origem, do recrutamento e seleção à admissão e treinamento.
“Uma pessoa que precisa sair de seu país e está em busca de um trabalho se sente obviamente insegura, mas participar de um processo seletivo em sua língua materna já oferece um certo conforto”.
Foi criado ainda um departamento de idiomas para ajudar a integrar as áreas. Todos os funcionários que interagem com refugiados precisam falar espanhol, e os venezuelanos também passaram a receber aulas de português para se inserirem com mais facilidade à sociedade brasileira.
PREPARAÇÃO DOS GESTORESOutra descoberta: “Percebemos que precisávamos criar uma consciência e preparar o time executivo para lidar com o tema”, conta a diretora do RH.
“Hoje, recomendo a uma empresa que esteja iniciando o processo que faça um mapeamento para tentar entender o nível de resistência que vai encontrar e elabore um plano de conscientização e desenvolvimento porque faz toda diferença contar com uma liderança que capitaneie e promova essa inclusão.”
O passo seguinte foi montar um calendário com palestras de conscientização, com focus groups – em espanhol – para falar sobre a experiência e inspirar novas ideias.Além de impactar positivamente a agenda interna de diversidade – atualmente a empresa tem um comitê de diversidade, equidade e inclusão, e os focus groups mensais que tratam das experiências de outros grupos minoritários –, o movimento para a inclusão de refugiados sacudiu toda a gestão de pessoas, com mais transparência na comunicação, novas políticas contra assédio, melhora nos níveis de satisfação dos colaboradores e na retenção de talentos.
“Os funcionários refugiados nos motivaram a provocar e criar reflexões que no passado não aconteciam. Garantir seu acolhimento significa também que vamos receber as outras minorias da melhor forma possível. Os colaboradores entendem que serão ouvidos. Não dá mais para focar apenas em receita e lucro. Candidatos só vão querer trabalhar conosco se estivermos preocupados com a comunidade, entregarmos valor para a sociedade e tivermos uma cultura inclusiva, com investimentos pautados por propósitos e acolhimento.”
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