Os insetos como alimento, tanto para seres humanos quanto para animais de criação, de estimação ou que vivem em zoológicos, merecem uma discussão científica, desapaixonada e pragmática.
Essa discussão tem como pano de fundo o aumento da população mundial, o crescimento da renda per capita, o incremento da demanda e do custo da proteína animal, a insegurança alimentar que atinge quase um bilhão de cidadãos do mundo, as pressões ambientais, a sustentabilidade dos sistemas produtivos, o esgotamento das fronteiras agrícolas e dos recursos naturais, entre outros temas relevantes. A sociedade precisa enfrentar essa discussão, antecipando soluções alternativas para as atuais fontes de proteína animal e vegetal de forma proativa, antes que ocorram graves problemas na oferta de proteínas para compor a alimentação.
As interfaces entre nós, humanos e os insetos têm uma longa história. Os insetos fornecem uma série de serviços ecossistêmicos, que são fundamentais para a sobrevivência da humanidade. Destaque-se um deles, extremamente importante para a produção de alimentos, que é a polinização de diversas culturas, além de espécies silvestres. Eles também melhoram a fertilidade do solo por meio da bioconversão de resíduos; atuam no controle biológico de pragas; e fornecem uma variedade de produtos valiosos para os seres humanos, como mel, própolis, cera e seda, além de aplicações médicas, como o uso de toxinas de abelhas em apiterapia.
Ao discutir o aproveitamento de insetos como alimento ou ração não estamos sendo propriamente originais. Atualmente, estima-se que os insetos façam parte da dieta tradicional de, aproximadamente, dois bilhões de pessoas em diferentes países do mundo. Mais de 1.900 espécies são usadas como alimento, conforme catálogo da Universidade de Wageningen, na Holanda.
UMA VISÃO AMBIENTAL
Insetos comestíveis estão presentes em uma grande variedade de habitats, desde ecossistemas aquáticos, solos, áreas de agricultura, florestas e outras formações de vegetação nativa. Os cientistas alertam que algumas espécies de insetos correm perigo de extinção. Vários fatores antropogênicos, como poluição, incêndios florestais e degradação, simplificação ou desaparecimento do habitat, estão contribuindo para o declínio de muitas populações de insetos, incluindo os comestíveis. As mudanças climáticas muito provavelmente terão influência na distribuição e na disponibilidade de insetos comestíveis para coleta.
Além de reduzir o risco de extinção de espécies de insetos comestíveis, os benefícios ambientais da sua criação para alimentação humana ou ração são baseados na alta eficiência de conversão alimentar dos insetos. Os grilos, por exemplo, têm 65% de eficiência de conversão de alimentos em biomassa, sendo 1,5 vezes maior que o frango; duas vezes maior que porcos ou ovelhas; e quatro vezes superior ao gado bovino. Além disso, os insetos podem ser criados em fluxos de matéria orgânica de processos industriais ou outros dejetos, contribuindo para reduzir a contaminação ambiental.
Estudos recentes comprovam que a criação de insetos emite menos gases de efeito estufa e menos amônia, requerendo significativamente menos terra e água do que a criação de gado ou porcos .
Em comparação com mamíferos e aves, os insetos também podem representar menos riscos de transmissão de infecções zoonóticas para humanos, animais de criação e vida selvagem, embora esse tópico exija estudos permanentes.
CONSUMO HUMANO
Os insetos são uma fonte alimentar altamente nutritiva e saudável, com elevado teor de gordura, proteína, vitaminas, fibras e minerais, embora ocorra variação no valor nutricional de cada espécie. Mesmo dentro da mesma espécie, o valor nutricional pode diferir, dependendo do estágio de desenvolvimento do inseto, do habitat em que vive e de sua dieta. Por exemplo, o teor de ômega-3 insaturado e de seis ácidos graxos, encontrados em larvas-da-farinha (Tenebrio molitor) é comparável ao de peixes (e maior do que em bovinos e suínos), sendo que o seu conteúdo de proteínas, vitaminas e minerais é semelhante ao de peixes e carnes.
Existem inúmeros sistemas desenvolvidos há séculos para a criação de insetos, como abelhas e bicho-da-seda, assim como alguns recentes, para controle biológico e polinização. Entretanto, o conceito de cultivo de insetos para alimentação é relativamente novo. Considerando o consumo atual, a maioria dos insetos comestíveis são colhidos na natureza, uma forma de extrativismo.
RAÇÃO ANIMAL
A alta demanda recente e os consequentes altos preços de farinha de peixe/soja, juntamente com o aumento da produção aquícola, estão impulsionando novas pesquisas para o desenvolvimento de proteínas de insetos para aquicultura e aves.
Os produtos alimentares à base de insetos podem ter um mercado semelhante ao da farinha de peixe e de soja, que são atualmente os principais componentes usados em fórmulas de ração para aquicultura e pecuária. Evidências disponíveis sugerem que rações à base de insetos são nutricionalmente comparáveis com farinha de peixe e farelo de soja.
Os insetos geralmente são consumidos inteiros, mas também podem ser processados em formas granulares ou pastosas. Também é possível extrair proteínas, gorduras, quitina, minerais e vitaminas. Atualmente, tais processos de extração são muito caros e precisarão ser desenvolvidos em escala industrial, para torná-los lucrativos e aplicáveis para uso nos setores de alimentos e rações.
OPORTUNIDADES DE NEGÓCIOS
A coleta e, principalmente, a criação de insetos em nível doméstico ou em escala industrial, surgem como importantes oportunidades de subsistência para pessoas em países desenvolvidos e em desenvolvimento. Essas atividades podem melhorar diretamente suas próprias dietas e fornecer renda por meio da venda como street food (comida de rua) ou em mercados e restaurantes. Os insetos podem ser coletados na natureza ou cultivados com custos mínimos de capital. A criação de insetos exige pouca terra e, onde os insetos já fazem parte da dieta alimentar, os esforços de introdução no mercado podem ser menores.
Nos países em desenvolvimento da África Austral e Central e do Sudeste Asiático, onde existe demanda por insetos comestíveis, o processo de coleta, criação e processamento de insetos em alimentos de rua ou para venda como ração para frangos e peixes, está ao alcance de pequenas empresas.
COMUNICAÇÃO DIFERENCIADA
Integrar a entomofagia aos hábitos alimentares de grandes contingentes de novos consumidores requer, necessariamente, abordagens de comunicação personalizadas para as diferentes situações. Nas comunidades onde a entomofagia está bem estabelecida, as estratégias de comunicação da mídia devem promover insetos comestíveis como fontes valiosas de nutrição para combater a crescente ocidentalização das dietas.
Já nas sociedades ocidentais serão necessárias estratégias de comunicação de mídia personalizadas e programas educacionais que abordem o fator repulsa. Influenciar o público em geral, bem como os formuladores de políticas e investidores nos setores de alimentos e rações, fornecendo informações validadas sobre o potencial dos insetos como fontes de alimentos e rações, pode ajudar a impulsionar os insetos nas agendas políticas, de investimento e de pesquisa em todo o mundo. Será necessário também estabelecer regulamentos para conferir segurança à expansão das cadeias de alimentos e rações.
Em síntese, para liberar o enorme potencial que os insetos oferecem para aumentar a segurança alimentar requer que quatro principais gargalos e desafios sejam abordados:
– Aprofundar os estudos e a divulgação dos valores nutricionais dos insetos, a fim de promover de forma mais eficiente os insetos como alimentos nutritivos e saudáveis;
– Mensurar os impactos ambientais da coleta e cultivo de insetos, comparando-os com fontes alternativas, especialmente de oferta proteica;
– Esclarecer os benefícios socioeconômicos que a coleta e cultivo de insetos podem oferecer;
– Conferir segurança jurídica, tanto no plano doméstico quanto no mercado internacional, para abrir caminho a mais investimentos, conduzindo ao pleno desenvolvimento da produção e comércio de produtos derivados de insetos para alimentação humana e rações animais.
As oportunidades são claras, as tendências estão visíveis, precisamos pavimentar a trilha que leve a um futuro com maior participação de insetos na dieta alimentar humana e de rações para animais.
*Décio Luiz Gazzoni é engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja e membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS)
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