No artigo anterior, da nossa seção de mentoria aberta em Net Zero, tratei de um assunto muito importante ao longo da minha carreira em sustentabilidade empresarial: atuar com e para empresas orientadas por valores constrói mais significado, emula propósito e confere maior impacto à vida profissional. Algo claramente afinado com esses tempos em que jovens em início de jornada e outros em transição parecem buscar: significado, propósito e impacto em suas carreiras. Hoje, quero abordar outra atitude bastante recomendável para quem quer trabalhar nas diferentes áreas de ESG: evite a procrastinação, acelere o passo.
A procrastinação, isto é, o vício de empurrar para depois o que precisa ser feito agora, está intimamente ligada à história da sustentabilidade empresarial no Brasil. Vi isso de perto, e por dentro, por mais de 25 anos. Não me refiro à procrastinação “patológica”, definida pela psicologia como o atraso inútil e sem motivo racional para um ato ou uma decisão, acompanhado de sofrimento psicológico e emoções negativas, como culpa e insatisfação. A procrastinação de atos relacionados à sustentabilidade, de natureza “cultural”, sempre teve motivos muito racionais. Nenhuma emoção negativa.
CINCO PERÍODOS DA PROCRASTINAÇÃO
As razões para adiar o assunto podem ser classificadas em cinco períodos — segundo uma linha do tempo muito pessoal e um conjunto de observações referentes à média geral das empresas, não às exceções virtuosas.
No primeiro ciclo (1998/2003), o da responsabilidade social, pesava o desconhecimento da “novidade”. Não se sabendo ainda por que empresas deveriam se responsabilizar por temas socioambientais (que pareciam ser uma obrigação exclusiva de governos!) nem que tipo de impactos (negativos e positivos) o conceito poderia gerar para os negócios, o melhor era deixar para depois. Não havia fontes de pressão consideráveis, nem regulatórias, nem de stakeholders. As poucas regras eram pouco claras. Havia poucos indicadores. E uma sensação geral de que, apesar de relevante, o assunto não se conectava com os negócios. O GRI nasceu em 1997, mas só em 2000, a Natura publicaria o primeiro relatório de sustentabilidade no Brasil.
No segundo ciclo (2003/2008), o da Sustentabilidade 1.0 (mais reativa), já havia uma certa consciência (tímida e não disseminada) sobre oportunidades e riscos associados aos impactos socioambientais. O repertório da procrastinação, curiosamente, cresceu na mesma velocidade em que o tema foi ganhando alguma ressonância na sociedade. Relembro os mais notórios, hoje quase anedóticos: (1) Impossível ser rentável e sustentável ao mesmo tempo; (2) Sustentabilidade é para setores menos competitivos que não brigam por custos e margens apertadas; (3) Só vamos investir quando houver incentivo do governo ou o consumidor estiver disposto a pagar o preço do produto mais sustentável.
O conceito de sustentabilidade vinha associado, como se pode notar, à ideia de custo e não de investimento. De risco, nunca de oportunidade. Uma queixa dos CFOS da época é que só passariam a levá-la a sério quando houvesse métricas seguras capazes de justificar o seu retorno financeiro. Nascido em 2004, o ESG era um bebê estranho, e de futuro incerto, criado na bolha do mercado de investidores mais ativistas. A ciência do clima só entraria mais amplamente no radar empresarial, em 2007, no lançamento público do seu mais rumoroso relatório sobre o impacto do ser humano nas mudanças climáticas.
O terceiro ciclo (2008/2019), da Sustentabilidade 2.0 (mais proativa) marcou a consolidação da sustentabilidade como conceito de atuação da maioria das empresas líderes do Brasil e do mundo. A percepção crescente dos benefícios de ser mais sustentável tomou impulso com o aumento dos sistemas de métricas, indicadores e regulações setoriais; e também com a cobrança maior de stakeholders pela ampliação de políticas ambientais, diversidade e inclusão, investimento social privado e respeito a direitos humanos na cadeia de valor. Os primeiros bons resultados da carteira ISE da B3, lançada em 2006, indicavam já uma inequívoca correlação entre sustentabilidade e valorização de ativos. Isso não significou, no entanto, o fim da protelação.
Mudaram ligeiramente as razões. CEOs e CFOs seguiram conservadores em planejamento, metas e planos de ação, adiando decisões de negócios com investimento relevante de curto prazo. O rompimento das barragens mineiras em Mariana (Samarco, das sócias Vale e BHP) e Brumadinho (Vale), mostrou a face trágica da procrastinação: quando medidas preventivas de sustentabilidade importantes são adiadas, como o descontingenciamento de barragens velhas, quem perde (e muito) é a segurança de colaboradores, comunidades e meio ambiente.
O quarto ciclo (a partir de 2019) marca a ascensão global do conceito de ESG num contexto de maior pressão da ciência do clima e da chegada dos millenials ao poder nas empresas. O ESG tornou-se mandatório para empresas de capital aberto. Virou critério para grandes investidores financeiros. As chamadas informações não financeiras, antes desprezadas por conselhos e investidores, passaram a ser filtro para análise de riscos de negócios e vetor de impacto no valor dos negócios. Ferramentas financeiras, como os green bonds, ofereceram respostas econômicas contemporâneas para os mais renitentes CFOs. Os CEOs mais resistentes, por sua vez, tiveram de se mexer em busca de respostas exigidas pelos conselhos — posicionamento público, estratégia, metas claras, KPIs, planos de incentivo.
Mais empresas preocupadas em adotar a sigla não tem resultado em maior senso de urgência mesmo em cenário de emergência climática. Entre os motivos para postergar decisões, alguns merecem destaque: (1) Há muito a fazer, e em pouco tempo; não estamos preparados para tanta mudança; (2) Não sabemos por onde começar nem como definir metas; (3) O mercado ainda está confuso em relação ao que é realmente relevante; (4) Precisamos priorizar, nenhuma empresa consegue fazer tudo.
Acho que já alinhavei argumentos suficientes sobre o poder da procrastinação e o fato de que, em sustentabilidade, assim como na vida, ela não faz bem para ninguém.
Se você quer trabalhar com ESG, acelere o passo, medite e proponha ao seu chefe ou cliente refletir sobre:
(1) URGÊNCIA DOS DESAFIOS PEDE PRAZOS CURTOS
Definidos, com profundidade, os grandes temas materiais, os objetivos, as metas e as métricas, estabeleça prazos desafiadores nos planos de ação; não alongue horizontes por falta de coragem na mudança, conforto ou comodidade. Tempos desnecessariamente longos dispersam energia e esforços.
Tempos longos não combinam com a urgência das agendas e compromissos globais. Os 17 ODS têm data limite em 2030. Segundo o Acordo de Paris, os países signatários de ONU devem reduzir em 45% as emissões de carbono até 2030 e zerar até 2050. A universalização do saneamento básico precisa ocorrer até 2033. Se não forem adotadas ações afirmativas mulheres seguirão ganhando 30% a menos do que homens nas mesmas funções e os negros, 55% da população brasileira, vão continuar a ocupar apenas 12% dos cargos que pagam os maiores salários. A ciência do clima alerta que se as empresas não fizerem o que é necessário agora, muito dificilmente conseguiremos manter, até o final da década, o aumento da temperatura no nível seguro de 1,5 grau. Seremos julgados no futuro pelo que fizemos ou deixamos de fazer agora.
(2) O PROBLEMA É SEU, SIM. FAÇA A SUA PARTE
A esta altura do texto, você deve estar pensando, e com razão: “Não sou eu que tomo decisões na empresa. Logo não tenho como acelerar uma agenda que depende dos que detêm o poder.” É verdade. Mas isso não quer dizer que precise concordar com a procrastinação. Na posição de colaborador ou consultor especializado, reúna argumentos, antecipe cenários, demonstre os riscos inerentes à decisão adiada, reveja os planos de ação se necessário. Entenda como a empresa toma decisões e que fatores (técnicos, culturais, comportamentais) podem ser mobilizados/desmobilizados a favor da celeridade de processos. É seu papel propor caminhos.
(3) ELEGER PRIORIDADES DESTRAVA CAMINHOS. SAIBA FAZER
Entre os caminhos possíveis, recorra às prioridades.
Muitas empresas travam mesmo diante de estratégias de ESG com muitos objetivos, metas e planos de ação. Isso não significa necessariamente má vontade. Tende a ser insegurança.
Eleger prioridades costumam ser uma boa forma de destravar os caminhos porque fortalece a sensação de controle. Ao selecionar as prioridades, use como critério a chamada materialidade dupla: prefira os grandes temas materiais que podem representar maior risco ao negócio e que riscos o negócio pode representar para pessoas e meio ambiente. Equilibre-os nos pilares de E, de S e de G. Transforme-os em compromissos públicos. E confira transparência à sua evolução.
(4) AS PRIORIDADES NÃO SÃO TODA A JORNADA. MAS O COMEÇO DELA
Não perca de vista os demais temas. Escolher prioridades não libera a empresa de estabelecer objetivos, metas e planos de ação para controlar os seus demais temas socioambientais. Mas é um exercício inicial para quebrar barreiras, destravar mecanismos que emperram sair da intenção para a ação.
(5) IDENTIFIQUE A FONTE DE INSEGURANÇA E TENTE DESMOBILIZÁ-LA
Como reforcei, no item 3, a procrastinação costuma ser fruto de insegurança. Procure identificar a fonte. Pode ser que o tomador não esteja seguro quanto à metodologia adotada, ou à extensão da meta estabelecida ou ainda se, com os recursos internos, a empresa está apta a enfrentar o desafio. O seu papel, neste caso, é estudar profunda e sistemicamente as necessidades do plano de ação, conversar com parceiros técnicos externos, dominar métodos e ferramentas e compreender o passo a passo, às vezes longo e complexo, como nos planos de Net Zero, para poder apoiar adequadamente o chefe ou cliente. Às vezes, a insegurança tem a ver com um certo cansaço em relação aos argumentos discutidos e validados internamente. Nesse caso, um especialista de fora, com olhar, saberes e abordagem novas, pode ser suficiente para quebrar resistências. Tem horas em que santo de casa começa a não fazer milagres. Assim é se lhe parece, escreveu um dia o escritor italiano Luigi Pirandello.
(6) APELE PARA A HUMANIDADE QUE NOS HABITA
Esgotadas as discussões de natureza técnica, colocadas na mesa todas as objeções econômico-financeiras, compreendidas as inseguranças, ainda assim é possível que a decisão seja protelar algo importante. Sugiro redirecionar o diálogo do lado esquerdo do cérebro, onde fica a razão, para o lado direito, abrigo das emoções. Tenho utilizado, com impacto positivo, a carta assinada por Antonio Guterrez, secretário-geral das Nações Unidas, publicada a pedido na revista Time para sua tataraneta ler em 2100. É uma carta emocionante em que ele demonstra dúvidas muito humanas se fomos ou não capazes de assegurar hoje um mundo melhor para as crianças do próximo século.
**Ricardo Voltolini é CEO da consultoria Ideia Sustentável e cofundador de NetZero.
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