Em busca de um novo modelo, economia afetiva quer repensar a cadeia produtiva, dividir lucros e promover mudanças

Eu afeto, tu afetas, ele afeta, nós afetamos, eles afetam. A conjugação do verbo afetar está diretamente ligada à ideia de Economia Afetiva desenhada, em 2014, por Jackson Araújo, comunicólogo, ativista da sustentabilidade na moda e diretor criativo da Trama Afetiva, quando fazia um projeto de integração entre escola e players da indústria têxtil de Santa Catarina.

Ao conhecer o trabalho do surfista Jairo Lumertz, da ONG Eco Garopaba, que convida as crianças para recolher garrafas pet da praia e, com essas garrafas, ensina as crianças a fazer as pranchas e também a surfar, Jackson viu que existia um novo tipo de economia acontecendo.

“Fiquei pensando que havia uma moeda ali que não era o capital e resolvi pensar que era o afeto. Não o afeto no sentido de amor, mas o afeto no sentido do verbo afetar. Eu afeto você, você afeta o próximo, vamos construindo uma rede afetiva e juntos podemos afetar o meio ambiente de forma positiva, criando bolsões de virulência positiva, onde podemos ir contaminando os nossos próximos com essas vontades, desejos e motivações de aprendizagem coletiva”.

Foi com essa ideia na cabeça que Jackson criou a Trama Afetiva, uma empresa que atua com projetos que ressignificam os resíduos da indústria de roupas, acessórios e objetos, além de oferecer palestras, oficinas e consultorias usando a Economia Afetiva como base. O negócio surgiu em 2016 a partir de uma parceria com a Fundação Hermann Hering (braço social da Cia. Hering) para criar um projeto de comunicação que fosse a grande bandeira da instituição.

No ano seguinte, ele e o co-fundador Luca Predabon começaram a trabalhar com a ressignificação de estoques parados da indústria da moda e, desde 2020, a matéria-prima dos trabalhos autorais é o nylon de guarda-chuvas recolhidos em aterros sanitários, que viram kimonos comercializados em algumas feiras de São Paulo.

DINHEIRO É IMPORTANTE, MAS TEM QUE SER PARA TODO MUNDO

Um dos pilares da Economia Afetiva é a coletividade. Para afetar é preciso estar junto, ter conexões, compartilhar conhecimento.

“A gente atua pensando nisso e se inspirando também no vocabulário da economia circular e da economia regenerativa, buscando encontrar soluções simples para problemas complexos dentro do coletivo e para o coletivo”, diz Jackson.

Quando se trata de monetização, a Economia Afetiva olha para o lucro como algo a ser dividido. Além de ganhar dinheiro com o trabalho, é importante remunerar adequadamente todos os envolvidos. Só assim as redes, e toda a sociedade, se fortalece.

“O foco não é o enriquecimento pessoal, mas sim dividir os lucros e reinvestir nos grupos para fortalecer a dignidade. E a gente sabe que no sistema capitalista a dignidade vem com o fortalecimento da sua poupancinha”.

O dinheiro que circula com a economia afetiva não pode andar sozinho. Por isso, os projetos sempre pressupõem algum processo de aprendizagem, já que o conhecimento é levado para o futuro por cada uma das pessoas afetadas. É aí que está o legado desse negócio.

Um exemplo é quando a Trama Afetiva, contratada pela Cia. Hering, vai dar aulas sobre
quais são as profissões do futuro para uma ONG de adolescentes periféricos em busca de formação profissional.

“Quando a Cia Hering investe nisso ela não está atuando na fabricação de peças para vender, mas na mudança de pensamento de uma nova geração que pode até se tornar colaborador da empresa”.

CULTURA ESG

Ao propor a construção de uma rede que afete todas as pessoas envolvidas, a Economia Afetiva traz um alinhamento com ESG porque, segundo Jackson, se propõe a atuar no lugar da mudança estrutural dentro das empresas.

Se uma empresa, por exemplo, quer colocar pessoas trans e mulheres em seus quadros, deve se questionar se elas vão ocupar cargos de poder e tomada de decisão. Uma revista que coloca uma modelo negra na capa precisa pensar se a maquiadora e o fotógrafo também são negros.

“Essas provocações são importantes para que a pessoa tenha um contato positivo com isso, pare de encher álbum de figurinha e crie estruturas e pensamentos para que as pessoas possam ser verdadeiramente incluídas”, diz.

“É por aí que a gente consegue construir novas relações de impacto e fazer com que a economia afetiva seja uma nova forma de ressignificar o mercado de produtos, bens, relacionamento e consumo. A economia afetiva faz essa ponte. Ela se conecta com essas pluralidades”.

E não é uma ideia para ser usada apenas em questões de diversidade. As questões ambientais também podem ser afetadas – e muito – pela Economia Afetiva.

A própria Trama Afetiva é um exemplo disso. Ao usar nylon de guarda-chuva na criação de produtos, ela criou uma nova demanda para os catadores, que vendem o nylon para a empresa e o alumínio da estrutura para a cadeia de reciclagem de alumínio. Antes, tudo ia para o aterro sanitário.

O importante é que a Economia Afetiva deixa um “resíduo intelectual”, capaz de promover transformações em várias instâncias, ou seja, afetar.

Se olharmos para o projeto que inspirou o conceito, as pranchas de surf feitas com garrafas PET recolhidas na praia, isso fica óbvio.

“Aquele projeto está, em última análise, formando agentes do futuro, pessoas que vão atuar na ideia de construção do melhor a partir de cuidado com a natureza e ação coletiva”.


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