A despeito de todas as crises, conflitos e desafios da atualidade, o diretor de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CPFL vê o futuro com otimismo – ao menos no que diz respeito ao modo de fazer negócios, que será cada vez mais multifuncional e transparente. Rodolfo Sirol fala com conhecimento de causa. Ele também é presidente do Conselho de Administração da Rede Brasil do Pacto Global, da Organização das Nações Unidas, que, segundo ele, caminha para ser a maior rede de empresas comprometidas com a agenda sustentável em todo o mundo.
Aos 52 anos de idade, morando na cidade onde nasceu, Campinas (SP), casado há 20 e pai de dois adolescentes, Sirol lidera um movimento importante na CPFL. O plano de sustentabilidade prevê investimentos de mais de R$ 1,8 bilhão em projetos na área até 2024, incluindo soluções de energia limpa e ações de impacto positivo nas comunidades afetadas por projetos da companhia.
Oceanógrafo de formação, Sirol começou a carreira pela área acadêmica. Fez mestrado e doutorado na Universidade Federal de Viçosa (MG), em zootecnia, e chegou a cogitar tornar-se professor universitário. Quase por acaso, acabou na área corporativa, onde definitivamente se encontrou, e complementou sua formação com MBAs empresariais e cursos de gestão de pessoas e negociação.
Para ele, mais do que uma moda passageira, a responsabilidade corporativa e a agenda ESG promoveram uma verdadeira revolução nas empresas, algo cujo impacto será ainda discutido e estudado por muitos anos.
Por trás dessa revolução estão não apenas pressões sociais, mas também a força do mercado financeiro, que, segundo ele, “é o dono da bola, do campo e dos jogadores” e determinou que daqui em diante as empresas vão ter de ter um propósito que vá além do lucro a qualquer preço.
Confira a seguir a entrevista que Rodolfo Sirol concedeu a NetZero.
NETZERO: Diferentemente de muitos executivos do setor, sua área de formação não é administração ou economia. Como você se interessou pela área de meio ambiente e sustentabilidade?
RODOLFO SIROL: Sim, por incrível que pareça eu sou oceanógrafo, formado em 1988 na Universidade Federal do Rio Grande (RS), que na época era das únicas do país e base do Programa Antártico Brasileiro. É um curso muito interessante. Todo mundo faz piada dizendo que a gente estuda jet-ski, mas é um curso de exatas, com muita física, química, geologia, e apenas 25% de biologia.
E por que você quis ser oceanógrafo?
Entrei lá com um propósito. A minha geração se encantou com Jacques Cousteau [oceanógrafo, inventor e cineasta francês], além disso no Brasil temos mais de 8.000 km contínuos de costa, havia um Programa Antártico em crescimento. Sempre gostei muito da área de peixes, então fui com essa ideia de criar peixes marinhos – e mesmo hoje, depois de mais de 30 anos de formado, continuo vendo essa questão como de muito futuro. Mas eu me formei no fim do governo [Fernando] Collor, início do FHC [Fernando Henrique Cardoso]. Não tinha emprego.
Que caminho você deciciu seguir, então?
Descobri que a Universidade Federal de Viçosa (MG) tinha um programa de pós-graduação de excelência em zootecnia e migrei do peixe marinho para o peixe de água doce. Me formei no mestrado em 1991 e me apaixonei pela área, então decidi fazer também o doutorado – que concluí em 1999.
Viçosa é muito focada no trabalho de campo e eu tinha uma relação estreita com o mercado de produção de peixe. Eu dava consultorias e cursos para produtores rurais ensinando o pessoal a ganhar dinheiro com peixe. Fazia uma imersão nas fazendas. Nesse momento eu estava em dúvidas se seguiria uma carreira acadêmica ou iria para o mercado.
E como se deu a opção pelo mercado?
Nessa época das consultorias, um dos sócios de uma das maiores construtoras do país queria montar um resort de pesca esportiva e eu fui fazer a implantação. Eles também precisavam de uma pessoa que coordenasse as outras áreas, de hotelaria e recreação, e assim eu me vi por dois anos coordenando mais de 200 pessoas e fazendo a implantação de um megaempreendimento.
Eu trabalhava para o dono da construtora, como se fosse o caseiro de um sítio luxuoso de 14 mil hectares. Cheguei a receber cinco helicópteros ao mesmo tempo para visitas ao resort, fizemos lá uma etapa do campeonato brasileiro de equitação. Eram coisas sofisticadas, de um nível muito alto.
Eu lidava com muito dinheiro e tinha muitos fornecedores que recebiam semanalmente em espécie. Isso no começo não me chamava a atenção, porque eu vinha da universidade, tinha pouca experiência, achava que aquilo era um jeito de agilizar as coisas e facilitar a vida das pessoas.
Um dia percebi que aquilo era um esquema de caixa dois. Me vi numa situação delicada, enredado, fazendo algo que, na minha ética, pela minha criação em família de classe média, era totalmente impensável. Precisava sair dali.
No fim de 2001 fui pra Duke Energy e assumi uma estação de hidrobiologia e implantei sistemas de gestão.
Você ficou sete anos na Duke Energy. Foi lá que consagrou a migração para a área de sustentabilidade corporativa?
Nesse tempo na Duke, fui para a área de licenciamento ambiental. Aí as coisas se cruzaram. Eu consegui fazer a regulação ambiental das usinas, o licenciamento no Ibama, mas a empresa tinha assumido um passivo civil grande da Cesp e precisava de um negociador profissional. Eu tinha um background extremamente técnico, mas investiram em mim e eu fiz uma especialização em negociação, depois um MBA empresarial, e passei a ser um negociador.
Em 2007, fui reconhecido pela Duke Corp. como o melhor funcionário de meio ambiente no mundo. Mas em 2008 eu estava em uma posição em que já havia resolvido as grandes usinas e faltava uma perspectiva para mim na organização. De repente eu estava sem atrativos para me desenvolver, com 38 anos de idade, filho recém-nascido, casa recém-construída.
Como saiu dessa crise?
Fui para Campinas conversar com o meu pai, que foi RH durante 55 anos da vida dele. Procurei todas as empresas de energia do país para mandar currículo. Meu pai sugeriu CPFL. Eu falei que ela era uma distribuidora, e eu entendia de água, de produção, mas ele insistiu. Então aconteceu algo fantástico.
A gente tinha um CEO, o Wilson Ferreira Júnior, que falava que não adianta só acordar cedo e estudar, a gente também precisa ter sorte na vida. Pois bem, quando chegou o meu currículo na CPFL, o gerente de meio ambiente da área de geração havia pedido demissão dois dias antes. Então, em 2008 eu entrei na CPFL.
Aqui a gente cuida de toda a parte operacional também, então não existe um meio ambiente separado em algum lugar. E começamos a ganhar visibilidade porque passamos de um meio ambiente reativo, de apagar incêndio, para algo planejado.
Qual é a sua estratégia para fortalecer a agenda ESG na CPFL?
A CPFL é de uma rigidez financeira incrível. Somos muito austeros. Se você perguntar “pode gastar isso?”, vão responder “pode, mas qual vai ser o retorno?”. Então eu tinha que mostrar que muitas vezes era preciso investir em uma comunidade para que ela fosse mais amigável e, com isso, a gente aceleraria a implantação. Ou aumentar uma indenização para diminuir a judicialização.
Aplicamos três princípios sempre: a proteção de valor, ou seja, não posso receber multa, tenho uma preocupação de compliance enorme; fazer sempre melhor, buscar falhas e oportunidades de melhoria; adicionar valor com a sustentabilidade. Por exemplo, hoje a gente cadastra compradores para subprodutos que antes eram vendidos a batelada, como cobre e alumínio, e já faturamos de R$ 20 milhões a R$ 30 milhões por ano com atividades desse tipo.
Como está a legislação brasileira hoje em relação ao licenciamento ambiental?
Tanto no Rio Grande do Sul como em São Paulo tivemos um avanço na legislação. A gente conseguiu demonstrar quais das nossas atividades mereciam licenciamento mais robusto por conta de interferência em áreas urbanizadas ou alagadas e quais não precisavam. Temos uma relação de respeito mútuo, pois sempre digo que o órgão ambiental é do tamanho das coisas que ele licencia.
Hoje deve haver mais de 50 mil dispositivos legais que tratam de ambiente no Brasil, em todas as esferas. Se pensar na municipal, 60% das normas são inconstitucionais ou ilegais. Por exemplo, teve um município do Rio Grande do Sul que proibiu a passagem de linhas de transmissão. A gente foi lá e disse: vocês não podem legislar sobre isso. Reverteram a legislação.
Qual a situação das empresas brasileiras em relação à agenda ESG hoje?
Hoje não falamos mais em compliance legal, temos que ir além da legislação. A gente tem esse processo normal de pensar no que é moral, no que é ético e no que é legal.
Hoje a área de ESG está vivendo mais no plano moral, não é mais apenas legal. Ou você tem isso na sua empresa ou não vai ter acesso mais ao mercado consumidor ou ao mercado financeiro.
Como você se tornou presidente do conselho de administração da Rede Brasil do Pacto Global, da ONU?
A CPFL assina o Pacto Global desde 2004, então desde que entrei na empresa comecei a entender isso melhor. Em 2017 fui vice-presidente da Rede Brasil do Pacto Global por um período, daí a gente reformulou tudo. Ele era dentro do PNUD [Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento]. Era uma unidade discreta, de seis pessoas. Resolvemos tentar algo maior, mas tinham amarras dentro do próprio PNUD, que é imenso, com 20 mil funcionários, então a gente não tinha a atenção necessária.
Decidimos sair do PNUD em 2020. Em 2021, o board me conduziu para a presidência e conseguimos fazer uma organização completamente diferente. Hoje somos 1.500 associados, uma rede extremamente forte, caminhando para ser a maior do mundo.
Somos a rede que mais cresceu na pandemia. Temos uma pegada bem provocadora para o setor empresarial. Estamos colocando ambições. Quais são as empresas que vão assinar o nosso termo de 30% de mulheres na equipe em 2025 e 50% em 2030? E as metas para pessoas negras, para questões de saúde mental, para o ambiente e o net zero?
Como convencer as empresas a aderirem a compromissos assim?
A gente precisa estar no negócio. Se não tiver resultado, não existe empresa. Então o que a gente fez nos últimos dois anos foi promover cursos, para CFOs [diretores-executivos financeiros], sobre como a sustentabilidade pode gerar valor, em parceria com o Insper.
O CFO talvez seja a última linha de resistência. Vamos apresentar green bonds, ESG bonds, explicar como ganhar dinheiro com um produto de ciclo de vida fechado, sem resíduos, como educar consumidores e fornecedores e trazer valor para a organização.
O profissional de sustentabilidade hoje, e já há algum tempo, não fica de pé se não conseguir mostrar a materialização da sustentabilidade.
Converso muito com gestores de ativos, como a BlackRock, e eles cobram muito isso. A conclusão é que a gente precisa apresentar um inventário perfeito, metas ambiciosas, metas net zero, e ainda por cima ganhar dinheiro.
E internamente, os executivos da CPFL compraram essas causas?
A gente transformou os executivos da organização. O profissional de sustentabilidade precisa ser incansável: repetir, explicar de formas diferentes e numa linguagem que o interlocutor entenda. Nos últimos anos os executivos da CPFL se apoderaram dessa agenda, porque é uma agenda gostosa. Quem não gosta de falar de valor compartilhado, energias renováveis, atendimento a baixa renda, reciclagem de transformadores? É uma agenda que todo executivo gosta de ter, porque ele só trata de assuntos difíceis o dia inteiro.
Temos 15 compromissos públicos que já amadureceram e agora queremos expandir para uma visão que abranja governança, diversidade de gênero, de sexo, de idade, essas práticas todas.
Qual é o papel do mercado financeiro nesse processo de conscientização?
O mercado financeiro é o dono da bola, do campo e dos jogadores. No máximo você assiste ao jogo. Assim, a partir do momento em que ESG entrou na agenda do mercado investidor, acabou a história.
O que estamos vivendo hoje é uma revolução na forma de fazer negócios. A gente vai estudar em alguns anos esse momento que estamos vivendo. O Larry Fink [CEO da BlackRock] falou em choque de placas tectônicas, mas para mim vai ser um momento revolucionário em que a opinião do funcionário, do regulador, do cliente, do concorrente passa a interessar.
Existe uma migração que vai além da gestão de stakeholder para shareholder. As empresas realmente têm que ter um propósito. Eu falei isso em um evento para 150 CEOs: vocês estão ferrados. A discussão está mais ampla e complexa, e a tomada decisão, que era linear, agora é multifuncional.
Qual o impacto da pandemia nessa discussão?
A pandemia catapultou essa agenda porque vimos que as estratégias empresariais eram falhas em muitos aspectos, como a cadeia de fornecimento altamente dependente de um único fornecedor global. Ajudou muito na compreensão do que vêm a ser negócios responsáveis, o que é uma gestão efetiva de riscos, como é se deparar com o desafio de ter que voltar alguns passos atrás para fazer responsabilidade social com doações de insumos básicos.
A gente viu empresas revertendo produção de bebida alcoólica para fazer álcool em gel. Nós na CPFL usamos nossos veículos para fazer distribuição de álcool. A pandemia trouxe um senso de coletividade: empresas e sociedade vão precisar trabalhar juntas.
E para a sociedade, o que pode estar mudando?
Despertou para o cidadão que ele precisa enxergar onde está, precisa conhecer sua região, valorizar serviços locais. Trouxe uma nova percepção de sociedade. Eu falo que sou grato por ter passado por uma experiência dessas vivo, sem ter perdido parentes de primeiro grau.
Mas claro que fui impactado, fiquei dois anos sem férias, tive burnout, meus mecanismos de relaxamento não deram conta do estresse.
Você acha que as empresas hoje são de fato melhores, em termos de responsabilidade social, do que no passado?
Não tenho dúvidas de que as empresas são melhores hoje. Claro, existem as que estão liderando esse processo, existem as que estão no meio do caminho, que fazem ações sem saber por quê, e existem as que simplesmente vão ficar para trás.
Eu estou muito feliz, muito realizado, porque vejo um caminho. Acho que de verdade valeu a pena todo o esforço de acreditar, sempre. A gente passou a ter um espaço dentro das organizações que antes não existia, um espaço de tomador de decisão.
Em todas as tomadas de decisão hoje existem fatores ESG colocados. Não dá mais para quebrar um fornecedor, desconsiderar a força de trabalho ou não estimular a diversidade. Não tenho dúvida de que é uma revolução. Fico feliz de estar vivendo isso.
Deixe um comentário