COP 27: ainda há esperança de recuperar o tempo perdido e escapar do pior caos climático da história?

“Estamos em uma estrada para o inferno climático com o pé ainda no acelerador”. As palavras de António Guterres, na abertura da COP 27, reforçam o justificado tom alarmista que sucedeu as discussões prévias da conferência do Egito e deve caracterizar as próximas duas semanas do mais importante evento sobre mudanças climáticas do mundo. Dramática, a metáfora do suplício das almas pecadoras nunca soou tão oportuna.

No exercício de sua liderança, o secretário-geral da ONU nada mais fez do que alertar ao mundo para o fato de que caminhamos na direção de uma esquina a partir da qual o caos climático poderá ser irreversível. Os números comprovam falta ambição e de senso de urgência na condução do assunto:  ainda que governos cumpram rigorosamente as suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, na sigla em inglês), seladas na COP26, em Glasgow, os países signatários chegarão a 1% de redução em 2030, muito aquém dos 45% estabelecidos em compromisso público. A distância é grande porque as metas foram sub dimensionadas.

Tudo que é ruim pode piorar. Em 2021, o mundo andou para trás nesse assunto. Dados da Organização Meteorológica Mundial mostram um recorde na concentração dos três principais gases de efeito estufa. Nos 40 anos de medição da OMM, o ano passado registrou o maior acúmulo de metano na atmosfera. E também o de óxido nitroso.

Em apenas um ano, o aumento nos níveis de dióxido de carbono superou a taxa média de crescimento anual dos últimos dez anos. 2022 deve bater novos recordes. O termômetro continuará a subir. Prevê-se um aumento na temperatura de cerca de 1,15°C acima da marca pré-industrial, seguindo uma curva de alta já conhecida de todos nós: entre 2015 e 2021 vivemos os anos mais quentes da história.

O quadro no Brasil não é diferente da mediana global. Na COP 26, o país assumiu o compromisso de cortar 50% de suas emissões até 2030.  Na prática, alcançar essa meta só seria possível se cumprisse o outro acordo firmado no evento de zerar o desmatamento até 2030. Impasse certo. Dados publicados pelo Observatório do Clima no início de novembro indicam o tamanho do desafio.

Segundo o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa, entre 2020 e 2021 o país emitiu 2,42 bilhões de toneladas brutas de carbono equivalente, um aumento de 12,2% puxado pela atividade agropecuária (18%) e de energia (18%), mas principalmente pelo desmatamento (49%.)  De acordo com o Imazon, a área desmatada pela extração ilegal de madeira e pelas queimadas saltou de 1.137 km2 em setembro de 2021 para 5.214 km2 em setembro de 2022. Um aumento da ordem de 359%, o maior nos últimos 15 anos, equivale a oito cidades do Rio de Janeiro. A perda de 1.126 km2 de floresta, registrada só no último mês de setembro, corresponde a um município de Belo Horizonte. Números ruins para quem precisa zerar a prova em sete anos.  É como se o país voltasse cinco casas no jogo da descarbonização. E o planeta, por tabela, recuasse dez. Segundo o cientista Carlos Nobre, uma destruição da floresta amazônica entre 50% e 70% nas próximas décadas tornará impossível cumprir a ambição do Acordo de Paris de limitar o aquecimento em 1,5 grau Celsius até 2100.

Não há exagero, portanto, quando Guterres diz “estarmos perdendo a luta de nossas vidas.” O tom propositalmente apocalíptico aumenta as expectativas em torno da COP27.

Não por acaso, um dos desafios da conferência será cobrar maior ambição nas metas nacionais de redução de emissões. Assim como exigir planos de ação mais agressivos, principalmente dos que emitem mais.

Responsáveis por quase 40% das emissões globais de gases de efeito estufa, EUA (20%), China (11%) e Rússia (7%) precisam sair de posição defensivista e aceitar a ideia flexibilizar interesses comerciais a favor do interesse comum por um planeta com clima estável.

Aos líderes dos países ricos, muitos dos quais queimadores de carvão, é imperativo assumir responsabilidades históricas, destravar a burocracia e implantar o fundo de US$ 100 bilhões destinado a financiar a adaptação às mudanças climáticas dos países mais pobres. Aprovado há 13 anos na COP15, em Copenhague, e festejado à época como uma alternativa importante para reduzir a injustiça climática, o fundo nunca saiu da apresentação de ppt.

As cartas estão sob a mesa. Sobram estratégias para a descarbonização, economicamente viáveis e tecnicamente possíveis. E elas serão discutidas nos painéis e plenárias contra e favor de interesses variados num contexto global de aumento de custos, inflação alta, polarização política, onda anti-ESG entre os republicanos dos EUA e guerra da Ucrânia. Na pauta, circularão propostas já conhecidas: retirar incentivos à produção de combustíveis fósseis, estimular a substituição por fontes renováveis, precificar o carbono e fazer acontecer um mercado global de créditos de carbono (o chamado Artigo 6), eletrificar as frotas, manter intactos as florestas e biomas, adotar planos de carbono negativo, investir em técnicas regenerativas, inovar em tecnologias que possibilitem economizar recursos naturais.  Cooperar em vez de competir será uma bandeira, oportuna e necessária.

A COP 27 tende a ser ainda um teste de fogo para o Brasil e para o sistema de consenso nas tomadas de decisão da ONU. Quarto maior emissor de gases de efeito estufa, o Brasil desperta interesse global, não só porque é um player relevante em energia de fontes renováveis mas porque tem sob sua “gestão” a Amazônia, um dos maiores reguladores do clima do Planeta. O mundo espera do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (com presença já confirmada na próxima semana) um sinal claro de compromisso com o não desmatamento.

Consenso, segundo o dicionário, consiste na deliberação, tomada em conselhos ou assembleias, que se caracteriza pela ausência de manifestações de discordância, argumentos contrários ou objeções.  É a forma pela qual as Nações Unidas constroem decisões, o que explica a já famosa expectativa de que, em eventos como as COPs, as “coisas se definem aos 45 minutos do segundo tempo, às vezes nos acréscimos.” Nunca é demais reforçar o coro puxado por Guterres: a hora é agora, a humanidade tem pressa, “bora” fazer.

**Ricardo Voltolini é CEO da consultoria Ideia Sustentável e cofundador de NetZero


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