Na COP 27, números desconfortáveis costumam ser evocados como forma de chamar a atenção para a desigualdade climática. Fazem o papel de cutucar a consciência. Maiores emissores globais, os EUA estão no centro das controvérsias. Segundo a organização Climate Clock, a cota do país no pacote de emissões de carbono corresponde a US$ 32,3 bilhões anuais. No entanto, sua contribuição em 2021 ao fundo de adaptação às mudanças climáticas foi de US$ 7,6 bilhões.
Este fundo – vale lembrar – é o mesmo idealizado na COP 15, de Copenhagen, em 2009. Constitui uma reserva financeira que deveria ser de US$ 100 bilhões/ano para apoiar os países mais pobres em seus processos de adaptação ao aquecimento global. Em 2021, o instrumento amealhou US$ 83 bilhões.
Fazendo as contas: graças ao seu modelo de desenvolvimento calcado em combustíveis fósseis, os EUA são responsáveis históricos por 20% das emissões globais, mas depositam no fundo quantia equivalente a 9,1% do total. É como aquele indivíduo que vai ao restaurante com amigos, escolhe sem pedir a autorização dos demais convidados a comida e o vinho mais caros, e ao final, do banquete, paga menos da metade do que deveria pagar.
Isso explica não só a antipatia pelo país nas COPs como a recorrente expectativa de que, um dia, ele assuma, de fato a sua responsabilidade sem questionar ou relativizar a responsabilidade dos outros.
A desfaçatez, vale ressaltar, não é só um comportamento norte-americano. Presidente do segundo maior emissor de GEEs, Xi Jinping não deve dar as caras na COP27. Há anos, os diplomatas da China relutam em assumir compromissos com metas de redução alegando terem entrado mais tarde no processo de desenvolvimento econômico—a tese é que o grupo de países mais desenvolvidos, encabeçado por seu rival no cenário econômico global, os EUA, deve pagar a maior parte da conta de um banquete do qual os países em desenvolvimento só puderam participar nas últimas décadas.
Na COP26, no Reino Unido, os chineses deixaram claro que vão seguir emitindo mais carbono até atingir o topo da curva em 2030, para só então iniciar as reduções. Suas metas relacionadas a outros gases, como o metano, são sempre vagas.
Distraído com a guerra da Ucrânia, Vladimir Putin, presidente da Rússia, é outra ausência garantida. Entre outros efeitos colaterais, o conflito bélico que inventou tem atrasado o cumprimento do Acordo de Paris: com a forçosa interrupção do fornecimento do gás russo, países europeus, como a Alemanha, se viram obrigados a recorrer, no curto prazo, às fontes de energia mais sujas.
Nunca é demais lembrar: os países do G20, incluindo o Brasil, são responsáveis diretos por 80% das emissões. O que equivale a um prejuízo da ordem de US$ 30 trilhões para os países pobres e em desenvolvimento, na forma de secas, ondas de calor, escassez de água e alimentos, elevação do nível do mar e inundações mais intensas. Os números são eloquentes e dão a medida econômica da chamada injustiça climática. Uma forma de eliminar injustiças é reconhecer responsabilidades e agir agora.
CETICISMO EM ALTA
A urgência em torno do “agir” tem dado o tom na maioria dos discursos na COP do Egito. Proliferam conferências sobre a necessidade de acelerar as diferentes frentes da ação climática (mitigação, adaptação e finanças). Observa-se um esforço grande para manter a “chama acesa” em falas que se sucedem pregando ambição no cumprimento das metas climáticas. À medida em que os dias vão passando, no entanto, aumenta o cordão dos céticos, divididos entre a dúvida consistente pontuada pelos cientistas e a confiança frágil dos diplomatas de que dá para virar o jogo.
O ceticismo se explica. Com os compromissos atuais, assumidos pelos países, a temperatura deve aumentar de 2,1 graus a 2,9 graus até o final do século em comparação com a era pré-industrial. Muito acima do limite de 1,5 grau considerado seguro pela ciência.
O que gera a desconfiança são os fatos mais recentes. Os países não só não estão cumprindo os seus compromissos como parecem relutantes em assumir metas. Lembrando: apenas 26 dos 193 países signatários do Acordo de Paris cumpriram o combinado feito na COP 26 de atualizar anualmente as suas contribuições nacionalmente determinadas (NDC, na sigla em inglês). O trato anterior previa revisão a cada cinco anos. Houve um entendimento de que um quinquênio era tempo demais, considerando a urgência de colocar em ação planos para os próximos oito anos.
O Brasil foi um deles. Mas de forma controversa, por meio de uma “pedalada climática.” Ao mudar a base de cálculo para maior a mudança do patamar de 43% de redução até 2030 para 50%, autorizou o país a emitir 81 milhões de toneladas de carbono a mais do que na proposta de 2016.
Incomoda a alta diplomacia da ONU, no entanto, o fato de que entre os países que atualizaram suas NDCs não estão os mais poluidores. Quem assina um contrato, sabendo de sua importância, e o descumpre no primeiro ano de combinado, deixa claro que ou não confia nele ou em sua capacidade de cumpri-lo. As duas situações não são boas para a humanidade.
FALTA SENSO DE URGÊNCIA
Na COP 27 há muitas empresas brasileiras apresentando metas e compromissos climáticos em palcos criados para esta finalidade. Com a ascensão do ESG, o assunto ganhou importância na pauta de relações públicas e se tornou elemento-chave para a reputação.
A onipresença do tema dos discursos de ESG não significa avanço real. Como a maioria das empresas globais, as brasileiras ainda se equilibram entre o benefício de tirar proveito de comunicar já e o desafio de operar a mudança necessária, com todos os seus custos e dilemas.
Pesquisa sobre ESG da PwC e do Instituto de Auditoria Independente do Brasil (Ibracon) com 88 empresas listadas na Bolsa de Valores de São Paulo mostra que 82% delas divulgam inventário emissões de GEEs nos três escopos. Cerca de 57% informam publicamente metas de redução; apenas 41% nos três escopos. O estudo não entrou no mérito (importante, diga-se) da qualidade e efetividade dos planos de ação – uma zona cinzenta marcada por medidas difusas, métricas frouxas e monitoramento condescendente. Mas uma conclusão óbvia é que há menos empresas assumindo metas de descarbonização do que seria necessário dada a urgência do assunto.
ESCASSEZ DE EMPATIA
Na semana passada, falei numa palestra sobre a COP 27 e os seus desafios. Como de costume, tracei um panorama geral abordando os desafios da “implementação” e alguns desafios-chave como custos de adaptação, perdas e danos, transição energética, injustiça climática, financiamento e mercado de carbono. Prevaleceu um foco técnico. Reforcei que seria uma COP com poucos resultados práticos.
Ao final da minha exposição, uma jovem profissional tomou a palavra para fazer um comentário que divido aqui:
“Se a ciência já nos alertou para a urgência de reduzir emissões sob o risco de destruirmos o planeta, se os países já se comprometeram com metas, a única coisa que explica seguir o caminho do abismo é falta de empatia.”
Concordo com ela. Falta a governantes e empresários se colocarem no lugar do outro, principalmente o mais vulnerável, sentindo a sua dor e a sua incerteza quanto ao futuro. Presos que estão a uma lógica econômica monolítica, falta-lhes, sobretudo, compreender que custa mais barato prevenir hoje do que remediar os seus efeitos num futuro com 2.5 graus. Falta-lhe, como disse o filósofo Edgar Morin, consciência de cidadania terrena.
**Ricardo Voltolini é CEO da consultoria Ideia Sustentável e cofundador de NetZero
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