A importância da diversidade racial no ambiente corporativo está no topo da lista de prioridades da agenda ESG. Até aí, todo mundo sabe. Não é novidade que as empresas, todas elas, precisam aumentar o número de pessoas negras em seu quadro de colaboradores – especialmente em cargos de chefia. Iniciativas para melhorar este cenário não faltam. Mas como saber se elas realmente estão surtindo algum efeito prático?
A Associação Pacto de Promoção da Equidade Racial reuniu economistas do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), da Universidade de São Paulo (USP) e do Banco Mundial para criar um algoritmo capaz de mensurar o desequilíbrio racial das organizações, considerando os salários médios das ocupações e a distribuição racial na região – seja por cidade ou Estado em que a empresa opera. Atualmente, 40 empresas tais como Gerdau, Suzano, Ambev, Grupo Fleury, já aderiram a esta metodologia.
“Estamos falando da primeira e única ferramenta de medição de desigualdade nas empresas em todo o mundo. Usamos este índice como diagnóstico: ele serve como instrumento de acompanhamento da evolução da empresa neste quesito. Com esta ferramenta, você tem uma estatística, um número: ou você melhora, ou, se não avançar dentro do prazo, a sociedade estará informada sobre seu índice real”, disse Guibson Torres, gerente executivo da Associação Pacto de Promoção da Equidade Racial.
Na entrevista a seguir, Torres explica um pouco mais sobre esta ferramenta inédita, os primeiros resultados, e de que forma foi criado o primeiro protocolo ESG racial para o Brasil.
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NETZERO: Por que vocês decidiram desenvolver uma metodologia para para medir a desigualdade corporativa?
GUIBSON TORRES:
Estamos assistindo a uma ascensão da agenda ESG no Brasil, o que é excelente. Entretanto, também estamos vendo que existe uma ênfase na sustentabilidade, na questão ambiental. A letra E do ESG tem sido a protagonista na implementação desta agenda. Depois do meio ambiente, vem a governança. Na letra S, tem menos destaque. Enxergamos que ali estão a maioria dos desafios e a questão racial é um deles. De que forma as empresas podem melhorar isso? Reunimos, então, lideranças do movimento negro de todos os Estados deste país para o desenvolvimento de um projeto para implementação de políticas contra a desigualdade racial dentro de seus quadros de colaboradores, o protocolo ESG racial. Esta política foi traçada próxima aos investidores, acionistas – pois eles é que cobram das empresas que direção que elas vão tomar. Isso começou há 3 anos. Estas lideranças passaram a contribuir de forma voluntária e desenhar um protocolo que diz quais são as melhores práticas, quais os desafios que encontram para ter colaboradores mais equânimes.
Todo o protocolo foi pensado com a referência de que um Estado não é igual ao outro. Por exemplo: há 80% de pessoas negras na Bahia. E 12% no Rio Grande do Sul. As políticas não podem ser iguais nos dois Estados. Por isso temos um olhar para cada região, com recortes regionais, levando em consideração ainda a variabilidade de salário dos colaboradores.
O índice faz parte deste protocolo?
Sim. Ele é o coração do protocolo. Precisamos mudar a realidade corporativa no que diz respeito à equidade racial. Mas as empresas precisam de ajuda para chegar lá.
Como as empresas vão chegar a um possível plano de ação, a médio e longo prazo? O protocolo fala como conduzir esta política e cria um índice inédito medidor da desigualdade racial, que serve como instrumento de acompanhamento da melhora da empresa.
Ele foi criado pela equipe de economistas do protocolo e usa três bases de informações: a CBO (Classificação Brasileira de Ocupações), a PEA (População Economicamente Ativa) e a mais importante, a RAIS (Relação Anual de Informações Sociais), instrumento que as empresas já usam para reportar ao governo suas estatísticas sobre funcionários. Com estes bancos, foi elaborada uma fórmula com matrizes que apontam até que ponto a empresa está em desequilíbrio racial. Assim, a organização consegue entender o quanto está desequilibrada e onde ela precisa chegar, quais são seus desafios.
Usamos o índice como diagnóstico e a partir dele, é possível implementar as recomendações contidas no protocolo. Para cada ação que a empresa faz, ela recebe uma pontuação no índice, que é medido anualmente.
Como as empresas estão reagindo?
Sem dúvida.
Um dos grandes impactos que estamos vendo, logo de cara, é algo básico, mas que antes não era feito dentro das corporações: um censo. As empresas estão se movimentando para entender, em primeiro lugar, de que forma seus funcionários se identificam (não apenas a respeito da raça, mas também do gênero). Elas estão descobrindo que havia muitos negros que tinham medo de se declarar como negros e não conseguir promoções, ou crescer profissionalmente.
Damos o suporte para as empresas. Trazemos a pauta racial para perto, para o dia a dia. E não eventualmente. A questão agora é diária – provocamos um olhar transversal em todas as iniciativas. O protocolo traz este ganho.
Gigantes como Gerdau, Ambev, entre outras, já aderiram, certo?
Sim. Uma coisa interessante é que ninguém é obrigado a aderir ao protocolo. Mas as empresas que aderem estão à frente, na vanguarda, e ganham um respaldo nas ações afirmativas. Isso mexe com alto escalão, mexe com tudo. E o índice consegue mensurar o avanço da empresa, o quanto ela empresa está devolvendo para a comunidade. Há uma cadeia envolvida, toda uma cadeia na qual a empresa está inserida. O protocolo movimenta todos estes agentes, clientes, fornecedores, funcionários, famílias etc.
São grandes empregadores e temos uma representatividade bem grande, sim.
Os resultados já são visíveis?
As primeiras publicações sairão em breve. Estamos acompanhando muitas empresas se desenvolvendo, com planos de carreira, formação, tem muita coisa boa acontecendo. Ainda é pouco diante do desafio que temos: tornar a equidade uma prática comum. Sonhamos viver num país em que este protocolo e os índices não sejam mais mais necessários. Até lá, entretanto, seguimos buscando parcerias e empresas comprometidas.
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