Quem cala, consente: qualquer marca que não se posicione com uma atitude antirracista, favorece o racismo

A escalada da violência e o inegável racismo institucional nos ambientes esportivos, configurado mundialmente, sobretudo contra os atletas brasileiros, são notórios. Nos últimos meses, assistimos com perplexidade aos crimes de racismo e agressões ao jogador Vinícius Jr. Atos que envolveram torcidas, dirigentes e outros jogadores em estádio na Espanha. Atitudes covardes e violentas que reforçam a necessidade de ações mais efetivas por parte dos clubes, ligas e principalmente empresas patrocinadoras, que detém o poder de exigir atitudes mais civilizadas e integralistas destes grupos.

O racismo, além de crime inafiançável, constitui crime de ódio. Hoje em dia, qualquer organização que não se posicione contra o racismo, com uma atitude antirracista, está, na verdade, favorecendo o racismo. As empresas tem uma responsabilidade muito grande perante à sociedade, aos seus acionistas, investidores, clientes e funcionários, em se posicionar de uma maneira muito clara e vocal contra o racismo.

Neste episódio específico que envolveu o jogador Vini Jr. as empresas que, ao perceberem uma situação de racismo dentro de um campeonato que elas patrocinam, não a combaterem publicamente ou ainda não condenarem este tipo de crime, estão na verdade sendo condizentes com a violência racial que ocorreu ali. Porque o consumidor, o acionista e o investidor esperam que a empresa tenha um posicionamento muito claro com relação àquilo que eles entendem como sendo correto do ponto de vista social.

Nessa situação da La liga, na Espanha, não foi um racismo velado. Não foi uma situação de racismo institucional. Não é que o jogador não está sendo favorecido, ou não foi convocado. De forma aberta trataram o jogador Vini Jr. com uma atitude racista. E aí não tem como se omitir, porque, ao se omitirem, as empresas que fazem parte dessa cadeia do esporte não estão contribuindo para o combate à desigualdade racial, nem à discriminação racial que existe na Espanha, especificamente, onde ocorre o campeonato, e também na sociedade como um todo.

Não estou dizendo aqui que as empresas tenham que tomar uma ação A, B, C ou D em relação à La Liga. O que digo é que as marcas precisam se posicionar perante à sociedade, para que as pessoas tenham uma visão clara dos valores desta empresa com relação ao tema racial. Também não estou pedindo que as empresas se pronunciem sobre tudo. Mas o fato é que hoje em dia não existe espaço para que elas não se posicionem. Não há mais espaço para omissão. Se a empresa não se posiciona como uma organização contra o racismo, ela, na verdade, está permitindo que situações como essa continuem ocorrendo. Ou seja: estão favorecendo o racismo.

E tudo isso também tem alto impacto nos negócios das empresas. Nesse caso específico dos crimes de racismo e agressões ao jogador Vini Jr., temos três situações importantes. Primeiro, o risco para a imagem da organização. Se uma organização está patrocinando um evento/campeonato e não se posiciona contra um episódio de descriminação que aconteceu ali, ela está trazendo para si um risco de imagem muito grande.

O consumidor de hoje, o acionista, o investidor, os funcionários daquela companhia vão olhar e entender que aquela organização não contempla, não prioriza o respeito racial em seus valores. Então, o primeiro ponto é a questão de impacto para a empresa enquanto marca.

O segundo ponto é o impacto reputacional. É um risco de reputação que a empresa pode enfrentar pelo fato dela patrocinar um evento em que atitudes racistas são toleradas, “permitidas”. Sendo assim, a empresa precisa se certificar de que os organizadores daquele campeonato têm políticas claras de combate a qualquer tipo de discriminação racial. Se não se posiciona, a empresa traz para si o risco reputacional.

E por último, o risco perante os investidores, que é exatamente o tema da pauta ESG. Ao não se posicionar como empresa, a marca coloca em xeque exatamente aquela confiança depositada pelos investidores, que colocam dinheiro naquela organização, recursos, como investidores/acionistas, ou mesmo dedicam tempo como funcionários. Eles entendem que dentre os valores da empresa não existe o combate à discriminação racial.

Então, temos aqui um triplo impacto para a organização: risco de imagem, risco reputacional e risco perante os investidores, acionistas, empresários e a sociedade.

Não ser antirracista acaba se tornando também um problema de compliance para organização. Isso porque hoje em dia a sociedade não aceita que as organizações simplesmente se omitam, não se pronunciem. A sociedade espera que nós, como sociedade, empresa, investidor ou acionista, sejamos vocais em relação a qualquer tipo de discriminação racial.

Atualmente, se uma companhia/marca não se pronuncia, se não externa seu posicionamento em relação a essas questões de discriminação racial, ela acaba sendo conivente com esse tipo de situação e favorecendo que ela ocorra. Por isso, para evitar episódios como este, criamos o Protocolo ESG Racial do Pacto de Promoção da Equidade Racial, que mensura o desequilíbrio das organizações e as ajuda a traçar as melhores estratégias de promoção da equidade racial, por meio de uma jornada educativa e não punitiva.

**Gilberto Costa é diretor executivo da Associação Pacto de Promoção da Equidade Racial


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