Aos profissionais que me consultam sobre trabalhar com ESG, animados com as possibilidades de uma carreira de impacto positivo, costumo fazer recomendações. No primeiro artigo, para essa série de mentoria aberta de Net Zero, sugeri ser intelectualmente honesto. Neste, vou tratar da importância de praticar valores ESG.
Anote, para o começo da conversa: valores representam princípios que definem de que forma indivíduos e empresas agem e interagem. Formados ao longo de uma vida, nas interações com diferentes grupos, os valores pessoais orientam comportamentos e influenciam condutas. Os valores empresariais, por sua vez, são tão importantes para as corporações quanto os valores éticos e morais são para os indivíduos. Moldam atitudes, hábitos, decisões e políticas internas. Norteiam o negócio, servindo como uma espécie de guia para atitudes e mentalidades.
Quando comecei minha carreira profissional, há 35 anos, os valores pessoais não eram tão estimados no mundo empresarial. Havia um acordo tácito: da porta para dentro, a empresa definia o que era certo e errado, e isso não estava em discussão. O colaborador que lutasse. Lembro do alerta do meu primeiro empregador: se eu quisesse “vencer” na empresa, deveria deixar os meus valores do lado de fora. Zeloso, ele queria, no fundo, proteger-me de frustrações em relação a atitudes nem sempre muito éticas que a empresa, segundo ele, era “forçada” a tomar para se “manter no mercado.” Recomendou que eu aceitasse as “regras” sem julgá-las, ou não esquentaria cadeira na organização. Não esquentei mesmo. Meus valores éticos nãos se afinavam com os daquela companhia. E ela não fazia nenhum esforço para criar afinidade. Outros tempos.
Corte rápido: três décadas depois, as empresas me contratam para dizer aos seus jovens líderes que não só respeitam os seus valores pessoais como desejam ser um veículo para convertê-los em propósito, melhores vínculos, relações e negócios. Hoje, mais do que em épocas passadas, escolhem os seus colaboradores conforme a compatibilidade com os seus valores, não por acaso, cada vez mais permeados pelas crenças de ESG.
Uma cultura orientada por valores ESG reconhece e estimula a empatia, o cuidado, a cooperação. Incentiva a diversidade, inclusão e equidade, o diálogo horizontal. Encoraja a ética, a transparência e o walk the talk. Considera o respeito ao outro e ao meio ambiente, uma visão positiva que concilia propósito com lucro e a ideia de ser melhor para o mundo. Ao incorporar esses valores à sua cultura, as empresas nada mais fazem do que responder aos desejos, expectativas e aspirações das novas gerações.
UM CASO PARA PENSAR
Conto uma história para mostrar como o respeito aos valores evoluiu no mundo empresarial. Ocorreu há duas décadas. No intervalo de uma aula de MBA, um colega de turma discorreu, com requintes crueldade desconcertante, sobre o modo como “buscava maximizar a eficácia na negociação com pequenos fornecedores.” O procedimento do qual se orgulhava – na verdade, uma modalidade de tortura-, consistia em expor o “parceiro” a situações de estresse psicológico (longas esperas, sem água e café, silêncios programados, rispidez no trato) para destruir os seus nervos, minar a sua auto-estima e pressioná-lo a aceitar o preço imposto pela empresa.
O episódio, vale lembrar, não só não foi condenado como recebeu elogios calorosos dos executivos estudantes. Quando hoje o apresento em grupos de mentoria a reação é de reprovação imediata. A conversa deriva para um debate sobre valores humanos. E, invariavelmente, os mentorados alegam que prefeririam sair da empresa a conviver com uma situação tão degradante.
Uma das características dos valores é que eles evoluem – ou, pelo menos, deveriam evoluir – em conjunto com os hábitos e costumes da sociedade. Há 20 anos, a tortura psicológica de fornecedores era moralmente aceitável segundo uma ética da “porta para dentro.” Hoje pouca gente a admitiria em público sem parecer insano. Há duas décadas, o racismo, a homofobia, a gordofobia, o autoritarismo patológico, o bullying, a chefia tóxica, o assédio moral e sexual eram socialmente tolerados em empresas movidas a comando-controle. Hoje repelem gente saudável. Afastam indivíduos que não aceitam práticas corporativas contrárias aos seus valores.
Outros tempos. Há dois meses, um mentorado trocou a empresa onde era vice-presidente por discordar do “modo desumano” com que o CEO tratou um acidente com mortes na comunidade. Uma jovem física, trainee de uma grande empresa brasileira, deixou o cobiçado programa por não enxergar correspondência entre o discurso de diversidade e a efetiva inclusão das pessoas diversas. Uma comunicadora retirou-se de um processo de seleção depois de a empresa se envolver num escândalo de prática de trabalho análogo ao escravo. Um consultor, em fase de transição, “demitiu” um cliente após o diretor de sustentabilidade assediar moralmente uma de suas colaboradoras.
Portanto, se quiser trabalhar com ESG, pratique valores e atitudes ESG.
COMO SERIA ISSO?
(1) Aproprie-se da sua consciência.
Não coloque uma venda em sua consciência. Não deixe os seus valores pessoais fora do jogo. Ninguém é obrigado a trabalhar numa (ou para uma) empresa que não estimula a empatia e o cuidado, a diversidade e a inclusão, o respeito ao outro e ao planeta.
(2) Saiba que nenhuma decisão ESG é neutra.
Anote aí: decisões de negócios não são atos meramente técnicos. São atos sobretudo humanos, porque podem melhorar ou piorar a vida de pessoas e meio ambiente. A dimensão “técnica” não deve servir como um salvo-conduto. Quando você empresta o seu conhecimento, sem crítica, sem colocar na mesa objeções necessárias, para uma decisão que pode prejudicar comunidades e meio ambiente, está aceitando o ônus moral da conivência.
(3) Questione o walk the talk.
Não consinta, sem crítica, com as famosas contradições entre o discurso e a prática. O walk the talk é um valor ESG. É seu papel, sim, questionar clientes e superiores sempre que perceber incoerências desconfortáveis, sempre que notar que as conveniências do negócio estão sendo colocadas acima de/ou contra os interesses da sociedade e do meio ambiente. Conteste, argumente, defenda posições com serenidade. O contraponto é uma maneira de promover revisões de consciência.
(4) Entenda que intolerância pode ser necessária e pedagógica.
Não tolere, em nenhuma hipótese, o racismo, a homofobia, o bullying, o assédio moral e sexual, o despeito a direitos humanos na cadeia de valor. São práticas com valores essencialmente contrários aos valores ESG. Também não tolere situações, muitas vezes dissimuladas, que coloquem em risco a sua saúde mental, a segurança emocional dos que trabalham com você e o equilíbrio trabalho-tempo livre.
(5) Seja transparente sempre.
Se você é consultor ESG, seja transparente em relação às suas posições e valores pessoais. E exija também transparência dos clientes. Demonstrar vulnerabilidade é uma força que aproxima e cria vínculos justos e honestos. Apesar de nem sempre tão simples, uma relação aberta, em que as partes se conhecem e se respeitam, traz ganhos para todo mundo. A transparência é um valor ESG.
(6) Exercite a empatia.
Se você é colaborador ESG de uma empresa, cobre dos seus superiores a realização prática cotidiana daquela máxima cristã de não fazer ao outro o que não gostaria que lhe fosse feito: não normalize a comunicação violenta, não peça a consultores detalhamento de projetos sem pagar por isso, discuta os prazos longos de pagamento que podem prejudicar pequenos fornecedores.
(7) Compreenda por quê e para quem trabalhamos.
Cobre dos clientes e superiores uma adequação da estratégia da empresa aos 17 ODSs. Não de forma protocolar. Mas por convicção e propósito. A agenda 2030 nos faz lembrar por quê (superar os desafios que ameaçam a sustentabilidade da vida no planeta) e para quem (as pessoas mais vulneráveis, as futuras gerações) trabalhamos. Trabalhe também para acionar o ODS Zero, isto é, a chave necessária na mudança de consciência dos líderes de negócios para os seus desafios humanos. Seremos julgados no futuro pelo que fizemos ou deixamos de fazer hoje.
**Ricardo Voltolini é CEO da consultoria Ideia Sustentável e cofundador de NetZero.
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