Healthtech cria plataforma para auxiliar prefeituras do país a melhorar indicadores de saúde pública e a aumentar repasses federais

Quando a pandemia de coronavírus chegou ao Brasil, em 2020, fazia apenas um ano que a Sysvale havia decidido se dedicar exclusivamente ao setor de saúde e se assumir como uma healthtech.

Fundada em 2015 por um grupo de estudantes de engenharia da Universidade Federal do Vale do São Francisco, em Petrolina (PE), a companhia nasceu como uma fábrica de software, com soluções para indústrias tão variadas como agronegócio, educação, segurança e, claro, saúde.

Na virada para 2019, contudo, percebeu que precisava de um foco mais claro. “Conversando com clientes e investidores-anjo, informalmente, fomos vendo que ser uma fábrica de software tão diversificada não trazia grande segurança para o mercado”, lembra Carlos Eduardo Guimarães, que assumiu a função de CEO no início deste ano, mas entrou na empresa ainda como estagiário, no começo de tudo.  “Imagina, como eu poderia ter cerca de 15 funcionários atuando em áreas muito diferentes e convencer o cliente que eu faria um atendimento de excelência?”, indica. Era preciso focar.

A decisão não foi tão difícil, já que, à época, a área de saúde já bancava a empresa. Eram cerca de 20 clientes no total, sendo apenas um ou dois de outras áreas. Hoje, são 45 – 44 deles são municípios interessados em melhorar a gestão dos sistemas de saúde pública, especialidade da healthtech.

Com esse perfil, a Sysvale acabou por se tornar também uma govtech, ou seja, uma startup que busca gerar inovação para a gestão pública e otimizar a administração de recursos.  

Assim, quando a pandemia chegou, a empresa acompanhou de perto o impacto no microcosmo das redes municipais de saúde, em especial da região Nordeste, onde está a maior parte dos seus contratos.

“A gente viu o desespero instalado em cada secretaria de saúde quando veio a pandemia. Então, na época procuramos ouvir as dores dos secretários e contribuir com a nossa experiência sobre adaptação a mudanças muito rápidas. Ouvimos muita gente, conversamos também com quem não era cliente, e fizemos muitas consultorias gratuitas.

A experiência como fábrica de softwares veio a calhar durante esse período, quando o cenário era – e ainda é, com novas variantes – de muita incerteza e de rápidas mudanças de plano. “Por exemplo, vamos supor que a prefeitura tenha um lote de vacinas programado para chegar na segunda-feira, mas ele atrasa e chega na terça. No modelo normal de gestão, as vacinas começariam a ser administradas só na segunda-feira seguinte, mas é claro que em uma pandemia não dá para esperar tanto. A gente busca ajudar nessa gestão”, afirma o CEO.

Um dos produtos que a healthtech desenvolveu nessa época foi o aplicativo gratuito “Liga Saudável”, parte da chamada “Operação Co-Vida”, um conjunto de iniciativas de combate à Covid-19 que previa um sistema de autoavaliação do estado de saúde do usuário, com possibilidade de acompanhamento de casos suspeitos pelo gestor municipal, publicações de conscientização em redes sociais e cadastros para agentes comunitários de saúde emitirem alertas.

SOLUÇÕES TECNOLÓGICAS AGILIZAM ENTRADA E ANÁLISE DE DADOS

O fundador e Product Owner da Sysvale, Eugênio Marques. (Foto: Divulgação)

Hoje, as soluções da Sysvale estão agrupadas na plataforma Cidade Saudável. Os produtos que a empresa fornece, segundo explica o fundador e Product Owner Eugênio Marques, cobrem cinco diferentes áreas de gestão de saúde: Agentes Comunitários de Saúde, Endemias, Prontuário, Central de Marcação e Previne Indicadores – este último relativo ao novo programa do Ministério da Saúde para aumentar o repasse de verbas a municípios com melhor qualidade de dados.

O primeiro módulo da plataforma Cidade Saudável foi, segundo lembra Marques, o ACS (Agente Comunitário de Saúde).

“Quando começamos, esse era o único produto, que atacava a grande dor do município, que era o trabalho dos agentes. Eles precisavam visitar as pessoas e preencher várias fichas em papel, mas o Ministério da Saúde já queria que isso chegasse a ele de forma eletrônica. Imagine o pessoal de municípios grandes, como Recife ou Salvador, preenchendo e depois digitalizando fichas de papel. Isso ainda é realidade na maior parte das cidades”, explica o fundador da Sysvale.

Foi em Petrolina que a empresa começou a validar a ideia do Cidade Saudável. Iniciou pelo módulo ACS, treinando os agentes comunitários a irem a campo com pequenos tablets que agilizavam a coleta de dados diretamente com os cidadãos atendidos.

Hoje o sistema funciona também off-line, lembra Marques, para que mesmo em áreas mais afastadas e sem acesso a internet seja possível trabalhar normalmente – no fim do dia, a plataforma é sincronizada na unidade de saúde da região. Além de eliminar o uso de papel, a digitalização deixa os dados mais limpos e claros, facilitando a análise e tomada de decisão do gestor.

O segundo módulo, de endemias, possibilita plotar as informações em mapas georreferenciados que facilitam a visualização dos casos – o que ajuda a detectar precocemente um foco endêmico. “O produto nunca acaba, ele vai sendo ampliado com o tempo. Começou com os agentes, depois o combate a endemias, depois trabalhamos em soluções off-line”, conta Marques.

“Um dia um município na Bahia nos procurou pedindo ajuda para organizar as filas de atendimento, então lançamos o módulo de central de marcação. Quando veio a pandemia, começamos a construir um sistema também para ajudar na marcação das vacinas, e assim evoluímos.”   

O módulo mais recente da Sysvale é o Previne Indicadores. O produto mapeia a situação do município em relação aos indicadores monitorados pelo Ministério da Saúde, diretamente relacionados ao repasse de verbas. Se os dados são de má qualidade, ou mesmo inexistentes, o órgão diminui os pagamentos ao município, para prevenir desperdícios. “A gente fez um trabalho nesse sentido com Petrolina, que na época recebia por mês cerca de R$ 180 mil de verba federal”, conta Guimarães.

Depois da implantação do Previne Indicadores, com a melhoria da visualização e a análise das fragilidades do município nos quesitos apontados, “os repasses chegaram a R$ 460 mil por mês, superando a capital, Recife”, comemora o CEO.

Carlos Eduardo Guimarães, CEO da Sysvale. (Foto: Divulgação)

Marques dá um exemplo: às vezes, uma mulher pode ficar com o status de “gestante” por anos no cadastro da unidade de saúde. Com o sistema da Sysvale, a plataforma emite um alerta nessas situações, para que o agente de saúde verifique a situação e atualize o sistema. Outra facilidade é que a informação não fica centralizada na mão de um médico ou enfermeiro. Uma vez cadastrada, todos os profissionais autorizados têm acesso a ela.

“O Previne Brasil traz um olhar muito criterioso. O Ministério da Saúde não quer apenas receber o dado, mas o quer com qualidade, e nós ajudamos nisso”, diz Guimarães.

Como a esmagadora maioria dos clientes da Sysvale são municípios, a govtech fecha seus contratos por meio de licitações. Por um lado, diz o CEO, isso garante uma certa previsibilidade dos negócios. Por outro, contudo, “traz fragilidades”. “Podem sair novas portarias, a qualquer momento, que mexam no coração do nosso sistema. Uma assinatura pode mudar muita coisa, de forma positiva ou negativa.”

Por conta desse risco, a Sysvale planeja aumentar a proporção de clientes privados – o B2B. O ideal, diz o CEO, é que haja uma divisão meio a meio entre contratos com a iniciativa privada e com o serviço público. “Ainda somos uma empresa de desenvolvimento, não somos uma empresa de produto fechado. Ficamos de olho nas oportunidades”, completa.

Em relação ao poder público, Guimarães vê a iniciativa privada como parceira – não concorrente, e muito menos substituta. Em vários aspectos, diz, a experiência do SUS é louvável e deve ser respeitada. “Acho que a gente precisa se entender como parceiro. O Ministério da Saúde tem um prontuário muito bom para a atenção básica, por exemplo, e não faz sentido a gente começar do zero a fazer algo que já é feito com excelência, então a gente faz soluções complementares”, indica. E complementa: “O ministério tem o melhor prontuário, mas não conseguiu fazer com que os dados sejam tratados de forma a produzir um painel de indicadores claro para o gestor municipal olhar e melhorar os indicadores. Isso a gente faz. Vejo como uma parceria”.

“Já ouvi do próprio governo em Brasília que os desenvolvedores do Datasus têm que dar suporte a inúmeros sistemas e ainda acompanhar a evolução da tecnologia. Como isso é possível com uma equipe limitada? Por isso o governo mesmo faz esse chamamento: a gente não consegue dar suporte a todos esses sistemas internos e externos sem a ajuda da iniciativa privada.”

Em 2020, a Sysvale foi selecionada para participar de dois programas de aceleração de startups do movimento InovAtiva, o maior da área na América Latina, criado em 2013 pelo Ministério da Economia. Para Eugênio Marques, fundador da startup, isso “foi um marco” na empresa.

“Começou a abrir os nossos olhos para coisas que a gente sabia que existiam, mas às quais não dávamos muito foco, como ações de marketing, por exemplo. Depois que começamos a participar das mentorias do programa fomos entender melhor o olhar do investidor. Percebemos que havia muito a ser feito. Hoje, por exemplo, já tenho um pitch pronto para participar de rodadas de investimento”, completa o empreendedor.


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