“Diversidade traz lucro para empresas”, diz advogada trans, que oferece consultoria sobre inclusão para grandes corporações

Cada um de nós tem um conjunto de atributos que nos torna únicos neste mundo. O que significa que, obviamente, todos somos diferentes uns dos outros. É isso que se chama diversidade – não à toa, um dos conceitos fundamentais das práticas ESG. “Começa com nome, idade, profissão, e vai até outras características como etnia, cultura, identidade de gênero, orientação sexual, condição física, entre inúmeros outros aspectos”. Assim define a Transcendemos, consultoria especializada em ajudar empresas a desenhar e implementar estratégias de diversidade e inclusão em seus quadros.

“Todo mundo ganha quando o assunto é diversidade. Se a gente somar todos os benefícios, como mais criatividade, produtividade, inovação, mais decisão de compra por parte do consumidor, tudo se reverte, no fim, em mais lucro”.

É o que diz Gabriela Augusto, 29 anos, advogada, mulher transgênero, diretora e fundadora da Transcendemos, responsável hoje por programas de inclusão em mais de 100 empresas, como Cyrela, Kraft-Heinz e Arcor.

Gabriela conta que ainda na faculdade passou a estudar a empregabilidade de grupos sub-representados. Em 2016, ela desenvolveu um pequeno livro de bolso chamado “Manual Empresa de Respeito” com os principais conceitos de igualdade racial, gênero e combate à LGBTQ+fobia. Foi preciso muita persistência até que seu material passasse a ser bem recebido pelas empresas. No início, ela era procurada apenas para treinamento de funcionários – com o tempo, os programas foram ficando maiores e mais estruturados. 

Hoje a consultoria de Gabriela é disputada no mercado. Em 2020,  ela recebeu o prêmio LGBTQ+ Achievement Award da Consultoria McKinsey & Company, e também foi eleita como Top Voice do LinkedIn. Em 2021, foi citada como uma das pessoas com menos de trinta anos mais brilhantes do Brasil pela Forbes. E, recentemente, foi escolhida como uma das 50 mulheres de impacto na América Latina pela Bloomberg Línea. 

Na entrevista a seguir, a advogada explica por que um quadro de funcionários composto pela diversidade é um ativo estratégico e traz benefícios – inclusive financeiros – para as empresas, além de construir uma sociedade mais justa e igualitária. “É a atitude mais inteligente que se pode ter”, resume.

NETZERO: Vale a pena para uma empresa contratar mais pessoas trans? 

GABRIELA AUGUSTO: Vale a pena contratar mais pessoas diversas, sejam elas trans, negras, mulheres, pessoas com deficiência. Está mais do que provado que todo mundo ganha com isso. Quando a gente fala de uma empresa inclusiva, seus colaboradores são mais felizes, para começo de conversa. Eles vão trabalhar com sorriso no rosto. Sorrindo, este funcionário trabalha melhor, ele se empenha mais, e isso se reverte em mais produtividade. A felicidade também gera mais criatividade, o que traz inovação. Se este mesmo colaborador está livre para ser quem ele é, sem sofrer represálias, sem ouvir piadinhas de mau gosto, isso acaba se revertendo numa boa experiência para o cliente. Quando há representatividade, o cliente se enxerga mais naquela empresa. O negro, o LGBTQ+ vai se sentir representado, que reflete na experiência do cliente, na decisão de compra. As pessoas querem consumir onde os ideais têm a ver com seus.

Então uma empresa inclusiva vende mais?

Sim, porque produz mais. E a experiência de consumo é diferenciada. Isso se reflete em mais vendas. Se a gente somar tudo: desde o acionista, mais criatividade, produtividade, inovação, mais decisão de compra, é óbvio que o total se reverte em mais lucro. Ou seja: mais dinheiro. Também. 

O que você quer dizer com “também”?

Porque não é apenas dinheiro. O dinheiro faz parte, mas não é só isso. A inclusão gera valor. 

Na medida em que uma empresa se posiciona, ela passa a ser um agente de transformação da sociedade. Ela pode ajudar a reverter as desigualdades do mundo: ao contratar pessoas negras, ao promover rodas de conversas sobre LGBTs fobias, por exemplo, ela passa a propagar uma mudança na sociedade.

É difícil e caro implantar a diversidade numa empresa?

Não. E não necessariamente vai custar mais dinheiro. Você pode ter grupos LGBTQ+, de mulheres, de negros etc., que, em teoria, seriam custo zero. Por que, então, muitas empresas não fazem nada? Uma das coisas que a gente tem que colocar nessa equação é o desafio de comunicação. Muitas vezes estas questões de diversidade são levantadas em uma abordagem de embate, de briga, de enfrentamento. Mas não precisa ser assim. Aliás, no mundo corporativo a linguagem é outra. É preciso uma comunicação conciliadora. Porque, no fundo, estamos buscando as mesmas coisas: 

Você pode querer ser a melhor empresa do mundo, mas precisa ser a melhor para o mundo. Isso passa por uma sustentabilidade não só ambiental e como também social. Parece simples, mas não é.

O mundo corporativo enxerga estas vantagens?

Costumo falar que são dois lados da mesma moeda: temos, de um lado, a construção de uma sociedade mais justa. Do outro, temos um ativo estratégico para o negócio. Não se trata de uma opinião minha. Há diversas pesquisas que provam o que estou dizendo. Como exemplo, posso citar o Relatório Diversity Matters, da Mc Kinsey, que traz os números no impacto da felicidade corporativa, quando há um comportamento de equipe inclusivo mais consolidado, a relação entre diversidade racial e de gênero em lideranças nas empresas, e o impacto disso na performance financeira dessas organizações. Este e outros trabalhos mostram que equipes mais diversas tomam decisões de mais qualidade.

Você fala com autoridade no assunto. Ainda existe o preconceito?

Claro que quando eu levanto a minha discussão vem o preconceito. É difícil enxergar uma mulher trans como uma executiva, no mercado de trabalho. Para o senso comum, o lugar de uma mulher trans seria na prostituição. Nós, mulheres, somos sempre vistas como um adorno, ou objeto sexual. Se estamos ao lado de algo caro, nunca o mérito vai ser nosso. Outro dia eu estava numa viagem de negócios, aluguei um avião, quem pagou fui eu. Mas existiu um estranhamento naquele contexto. Como uma mulher trans pode estar neste lugar, num contexto de negócios? Outro lugar comum de uma pessoa trans seria o embate, a militância. Pessoas trans são vistas como difíceis, agressivas e combativas. Sou uma executiva, alguém que traz números, relatórios, argumentos sólidos. Não estou em nenhum destes lugares do imaginário.

Como uma empresa pode começar essa estratégia de diversidade?

Lembre que a diversidade é um dos pilares de ESG, ou seja, é imprescindível.

Diversidade se faz com intencionalidade. Não adianta você achar que isso é um valor orgânico da sua empresa e que já está lá. Não está. Isso se faz com ação. Precisa de letramentos constantes, periódicos, abrir vagas, ações práticas. Essas ações devem ser baseadas em um diagnóstico preciso. Levantar números sobre o cenário, entender quais são as dores. Cada empresa é um universo distinto. É preciso de estratégias baseadas em dados e, a partir daí, ações.

O que você espera do futuro corporativo?

Estamos saindo do lugar do convencimento. Já é consenso que a diversidade é importante. Quem ainda não entendeu fica para trás. Hoje, as metas ESG são determinantes, o mercado funciona desta forma. Há duas outras coisas a serem observadas neste momento: um conceito de “inclusion by design”, ou seja, políticas bem desenhadas, bem escritas para as organizações. 

Não se trata só de contratar pessoas negras: tem que ter uma meta, e em cargos de liderança. Isso tem que estar escrito, bem definido, para além de um discurso, de uma mera palestra.

Outro ponto é enxergar a pluralidade dentro da diversidade. Diversidade de gênero e racial, são demandas totalmente diferentes. Uma coisa é pensar numa política voltada para homens brancos gays, por exemplo. Outra coisa é pensar numa mulher trans e negra. São outras práticas e são dores diferentes. Para cada uma delas é preciso de ações direcionadas.

**

Seis pilares para uma empresa inclusiva

Por Gabriela Augusto

  1. Diagnóstico da empresa
  2. Estratégia
  3. Aprendizagem
  4. Comunicação
  5. Talent acquisition (ajuda na contratação de pessoas LGBTQ+, negros e negras, mulheres e outros grupos)
  6. Apoio contínuo