A executiva Dilma Souza Campos é a mais pura definição de uma líder que traz o ESG nas entranhas. Há 13 anos, ao não encontrar espaço para seu trabalho dentro do mercado corporativo, decidiu empreender. Criou duas empresas de comunicação e eventos com propostas de igualdade completa de gênero, para fomentar a diversidade, zerar as emissões de carbono. Apostou forte no marketing. Não tardou e hoje elas fazem parte da holding de tecnologia, vendas e marketing B&Partners.co, onde Dilma é a head de ESG.
“Eu queria ser vice-presidente, CEO. Era onde eu queria chegar. Para isso, tinha que empreender – não teria outra forma de fazer isso”, resumiu, nesta entrevista exclusiva a NetZero.
Ex-bailarina, atriz (foi uma das passarinhas do programa infantil Castelo Rá-Tim-Bum, sucesso da TV Cultura nos anos 1990), estudante de odontologia, Dilma é inquieta e estuda sem parar. “Adoro estudar, sou da tendência life long learning”. Hoje ela centra esforços na plataforma Nossa Praia, software que coleta dados e usa um algoritmo de boas práticas para analisar a maturidade ESG do ecossistema do negócio, e em um plano estruturado de ações, com letramento para executivos C-Level.
Especialista em marketing, Dilma defende que o futuro não pode estar dissociado do marketing regenerativo. “O marketing pode ser um super aliado da pauta ESG, servindo para regenerar a relação entre marcas, sociedade e meio ambiente.”
Durante a entrevista a seguir, a executiva, que é coautora do livro “Uma sobe e puxa a outra” , junto com nomes como a jornalista Christiane Pelajo e a cientista Regina Pekelmann Markus, mostrou com orgulho uma série de bilhetes de agradecimento que recebe de mulheres pretas que, como ela, encontraram barreiras na escada corporativa – mas contaram com sua mentoria. “Quando falamos de mulheres pretas, há vários outros desafios além de incluir. É preciso criar uma cultura diversa que não “expulse” estas mulheres e que faça com que elas entendam que, sim, este lugar é para elas”.
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NETZERO: Como suas trajetórias pessoal e profissional a aproximaram do ESG?
DILMA SOUZA CAMPOS:
O termo ESG, antes de ser cunhado, já estava na minha vida porque eu nasci com uma das partes desse tema, que é a questão da diversidade. E ele apareceu muito forte na minha vida quando o racismo estrutural virou um bloqueio para o meu crescimento como executiva em um grande grupo de comunicação, em 2009, onde trabalhava, por conta do racismo estrutural. Eu sabia que ele existia, é claro, e tinha um bom letramento sobre isso, mas era mais defensivo e para reação, não para ação: “Você vai encontrar o racismo, um policial vai parar você, então coloque a mão no vidro e não se mexa. Mas vamos “hackeando” o sistema e entendendo o caminho a trilhar, que nunca é uma linha reta para uma pessoa preta, especialmente uma mulher, mas que permite que você evolua de certa forma. Nesse momento eu estava havia sete anos num grupo de comunicação no mesmo cargo. Se isso acontece, ou você é muito ruim (mas nesse caso, se fosse, eu não estaria lá) ou você não está crescendo por algum motivo (mas meus feedbacks eram positivos) ou você não performa (mas eu tinha bônus anuais). Então você vai se culpando.
Comecei a olhar pros lados e vi que estava sozinha. Não era possível que todo mundo que tinha começado comigo estava em outro cargo e eu continuava no mesmo. Passei a questionar a questão da diversidade no ambiente corporativo da educação e a bater na tecla de que, se não há diversidade e inclusão, não há a moeda mais importante – a moeda da criatividade, a moeda da inovação. Porque é com gente que pensa diferente que a gente inova.
Minha bandeira dentro da diversidade não falava nem de uma dívida histórica, mas era muito relacionada ao tanto que as empresas perdem quando perdem uma mente que pensa diferente e pode ali ajudar em vários processos de design, fluxo, trabalho…
E foi então que você fundou sua primeira empresa.
Sim, percebi que, se eu tinha que mostrar que podia ser mais, talvez eu tivesse que criar o meu ambiente. Obviamente, se não tinha lugar para mim no mercado corporativo, eu resolvi que ia empreender. Como eu queria ser vice-presidente, CEO, era onde eu queria chegar, eu tinha que empreender para ser CEO da minha própria empresa. Eu não teria outra forma de fazer isso. A De Magrela Ideias em Movimento, empresa de eventos, foi minha primeira jornada empreendedora de muito sucesso porque em um ano e meio tivemos uma proposta de aquisição de um grupo global na nossa mesa – que eventualmente acabou não dando certo. Falávamos em eventos zero carbono e reciclagem de lixo e começo a tatear na área ambiental, além da diversidade e inclusão.
Anos depois, em 2013, criei a Outra Praia, uma butique de criatividade estratégica, com a proposta de ser diferente, de ter completamente igualdade de gênero, diversidade, zerar carbono. Éramos signatários do Pacto Global, dos WEPS (Princípios de Empoderamento das Mulheres), reciclávamos lixo e fazíamos parcerias com cooperativas e carroceiros, chamávamos ONGs para participar de eventos abertos à comunidade.
Quando estávamos perto de completar 10 anos decidimos fazer uma pesquisa com nossos clientes. Uma das questões perguntava por que buscavam nossa empresa e recebemos respostas como “porque é sustentável”, “porque é ESG”… Vimos que nascemos ESG e, talvez por causa do dia a dia de uma pequena empresa, não tínhamos parado para pensar e nomear o que fazíamos. Inclusive quando recebemos a proposta da B&Partners.co ouvimos a mesma coisa.
Depois de 13 anos empreendendo, você está de volta ao mundo corporativo da comunicação como head de ESG na B&Partners.co. Como avalia a experiência até agora?
Antes de assumir eu cheguei a ter um certo receio de cair, de alguma forma, na lentidão corporativa para definir e assumir pautas. Mas felizmente isso não tem acontecido. Porque não pode mais acontecer. Cheguei a um lugar onde posso implementar as coisas. Olhar os três pilares de ESG das 16 empresas do grupo, que é focado em comunicação, vendas e tecnologia, tem sido um super desafio porque nos obriga a equacionar para que todos estejam no mesmo lugar e possam evoluir. Temos jornadas diferentes de maturidade entre as empresas e a geral.
Mas não perdemos tempo. Temos um plano de ações estruturadas até 2025, já assinamos o Pacto Global, assumimos duas ODS, estamos aplicando o terceiro censo, estamos lançando o canal de ética e transparência, com letramento para C-Level. Já estamos construindo saberes e queremos compartilhar porque os ecossistemas tornam o mundo muito mais colaborativos e com mais longevidade.
Muitas vezes, quando se fala em marketing, que é sua área de formação, e ESG, a primeira coisa que vem à cabeça é greenwashing. É sempre assim?
De jeito nenhum, o marketing pode ser um super aliado da pauta. Estamos falando do marketing regenerativo, que nasce paralelo, obviamente, à economia regenerativa. Se continuarmos fazendo as mesmas coisas, na mesma velocidade, não sei o que vai ser do mundo. Então precisamos, na verdade, zerar. E nem assim será suficiente. Precisamos fazer um pouco a mais. A verba de marketing não pode só servir para campanhas. Uma parte dela tem que servir para regenerar a relação entre marcas, sociedade e meio ambiente.
Você pode dar um exemplo de iniciativas nesse sentido?
Um grande exemplo é o da Natura, que acaba de lançar o Compromisso Antirracista. Isso tem uma grandiosidade. Não é mais um manual antirrascista ou mais uma campanha antirracista. Pense em uma empresa entendendo que regenerar é fazer não só dentro dela. A Natura podia parar no produto, na questão da Amazônia, nas comunidades em que já tem uma atuação muito bem feita, mas só isso não está sendo suficiente para a velocidade que temos hoje no mundo. É preciso abrir para fazer a escuta ativa do movimento que está acontecendo, sob a pena de sua empresa ter um preço alto, mas pouco valor. O preço resolve o problema dela hoje, mas o valor tem a ver com longo prazo. E ESG privilegia valor, inovação, criatividade e empreendedorismo, inclusive dentro das empresas.
Você é influenciadora e mentora da Rede Mulher Empreendedora (RME) e coautora do livro “Uma sobe e puxa a outra”. O que ainda falta para as mulheres ocuparem mais espaço no mercado de trabalho, inclusive de liderança?
Precisamos tomar cuidado quando falamos em mulheres porque há mulheres e mulheres negras e temos que entender essa interseccionalidade. Quando falamos de mulheres pretas, há vários outros desafios além de incluir. É preciso criar uma cultura diversa que não “expulse” essas mulheres e que faça com que elas entendam que, sim, esse lugar é para elas e, naturalmente, quebrar o racismo estrutural, que está, sim, nas empresas.
Quando falamos de igualdade de gênero em geral caminhamos bem, ainda longe do ideal, mas há entendimento entre as barreiras. Há, é claro, setores como o de tecnologia, com um gap enorme, que me incomoda muito porque abre a porta para vieses duros de entendermos nos dias de hoje. Nele, para chegar na metade de profissionais mulheres ainda vai chão e, para chegar a ter diversidade, vai mais chão ainda. Não surpreende, portanto, que a inteligência artificial apenas apresente fotos de executivos homens ou de mulheres loiras e magras. Com isso, estamos perdendo oportunidades de fazer algo muito mais inovador, inclusivo e realista para os dias de hoje. Mas há também segmentos onde a presença de mulheres líderes chegou rapidamente aos 50%, como é o caso da comunicação.
Mas, veja, mesmo assim, temos questões importantes enraizadas. Em uma das primeiras conversas com o Bazinho [Ferraz, fundador da holding B&Partners] antes da venda da Outra Praia, lembro que ele me perguntou qual era o meu sonho, o que eu queria fazer, e para onde queria ir dali. Eu falei, muito empolgada, que queria tecnologia, criar uma plataforma para mensurar melhor os índices de ESG de toda a cadeia. E uma das coisas que eu já havia aprendido é que nós mulheres não falamos o que queremos. Temos essa postura. Mas isso me veio à cabeça quando ele perguntou e eu saí falando. Então ele respondeu: “Vamos juntos.”
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