Mentoria especial – parte 5: “Quer trabalhar com ESG? Pratique o walk the talk”

No artigo anterior, deste painel de mentoria aberta, tratei do tema da procrastinação, um entrave importante aos esforços de evolução da agenda ESG nas empresas. Hoje quero abordar a relevância do walk the talk como prática desejável para quem, iniciando jornada ou em processo de transição de carreira, quer atua na área.

Não me lembro a primeira vez que ouvi a expressão walk the talk, que significa, em tradução livre, fazer o que se fala ou a coerência radical entre discurso e prática. Não me sai da memória, no entanto, a conversa mais inspiradora que tive sobre o assunto. Foi em 2010, com Fábio Barbosa, então presidente do Banco Real, hoje CEO da Natureza & Co.

Conforme combinado, o executivo me recebeu para uma entrevista de uma hora. Esperava com o encontro apenas registrar o seu depoimento para o meu livro Conversas com Líderes Sustentáveis. Mas acabei recebendo, como bônus, um mestrado expresso de walk the talk, a mais importante característica, segundo Fabio, de um líder em sustentabilidade.

“Crença firme mobiliza as pessoas. Mas não basta dizer que se acredita em algo. É fundamental viver a crença no cotidiano, porque é só a partir do comportamento coerente que os colaboradores conseguem perceber exatamente o que você é e em que acredita. A coerência confere credibilidade á crença”, disse ele atribuindo o incrível sucesso da estratégia de sustentabilidade do Banco Real à correspondência entre o que foi dito e o que foi feito em nove anos de história.

Para exemplificar a ideia da crença forte levada às últimas consequências, Fabio contou a história de uma de suas primeiras decisões de sustentabilidade, em 2001, no comando do banco. Surpreendendo não só principal acionista (o holandês ABN Anro Bank), mas todo o mercado bancário, anunciou a medida de que não emprestaria mais dinheiro a empresas que estavam derrubando florestas na Amazônia. “Por que o banco deveria se preocupar com o modo com que o cliente utiliza o dinheiro que lhe tomou emprestado, julgando o mérito do que seria feito com ele?”, muita gente se perguntou.

Eram tempos pré-sustentabilidade empresarial, vale lembrar. Houve estresse, barulho e perplexidade. Fabio manteve-se firme. Estava convencido de que, em troca da debandada de alguns poucos clientes ruins – que provavelmente nem pagariam o empréstimo porque antes seriam punidos pela sociedade – o Real ganharia uma legião de outros clientes bons, que o procurariam por afinidade com o seu credo de valores sociais e ambientais. Walk the talk na veia, com riscos e incertezas.

O tempo confirmou que Fabio tinha razão. O Real transformou-se, segundo o Financial Times, num dos bancos mais sustentáveis do mundo. Quando foi vendido ao Santander, por 12 bilhões de euros (quatro vezes mais do que o valor que o ABNS pagara pelo Real em 1998), em 2007, o comprador espanhol aceitou remunerar 25% a mais sobre o preço de mercado, a exata medida do valor intangível de sustentabilidade do banco.

Walk the talk gera resultado econômico. Em sustentabilidade, coerência produz valor, engajamento, cultura orientada por valores. Incoerência, por sua vez, desengaja, destrói valor e abre espaço para o greenwashing e todos os outros “washings” da família. Eis uma recomendação relevante para quem quer atuar com ESG.

Empresto de Fabio uma imagem simples, mas funcional do valor da coerência. Um líder, acredita ele, não pode mais, como no passado, ter os botões de on e off, e acioná-los segundo as circunstâncias de sua vida e os ambientes em que circula. Não dá para “ligar” atitudes de respeito a diversidade no local de trabalho e “desligá-las” fora dele. Como também não rola acionar o off, no trabalho, para os valores éticos que pautam sua vida em família e na comunidade. Devemos estar on o tempo todo, vivendo como se fôssemos um restaurante com a porta da cozinha aberta, sujeito ao julgamento permanente dos nossos stakeholders, cada vez mais atentos e críticos às incoerências de líderes e empresas.

Não foram poucas as vezes, na minha vida profissional, em que me vi obrigado a lidar com incoerências estruturantes praticadas sem constrangimento por líderes supostamente “sustentáveis.” O CEO que estimula a construção de uma política de diversidade e inclusão na empresa, mas não participa, por falta de tempo, de nenhum evento ligado a esse processo, está enviando um sinal invertido preocupante: o assunto importa sim, mas não a ponto de contar com o meu engajamento. A VP que contrata consultores para falar sobre os benefícios de um ambiente leve, inclusivo e psicologicamente seguro, mas segue sendo um exemplo de instabilidade, uma fonte de atitudes tóxicas, ofende a inteligência e sensibilidade dos colaboradores. A diretora que mobiliza suas equipes para elaborar com urgência uma estratégia de ESG, mas, no meio do caminho, invadida por medo ou insegurança, procrastina os processos, perde a confiança dos que acreditaram que era para valer.

O VALOR DAS AÇÕES

A esta altura do texto, compartilho uma segunda recomendação recorrendo a uma figura de linguagem conhecida como sinestesia, a relação entre planos sensoriais diferentes: aprenda a “escutar” atitudes. Sim, elas costumam falar mais alto, segundo o filósofo norte-americano Ralph Emerson. Deixe de lado o que os líderes estão falando, preste atenção no que estão fazendo. E, dentro do possível, cobre walk the talk.

Proponho o mesmo exercício a você, que quer trabalhar com ESG: ao final de um dia de trabalho, bom ou ruim, avalie se fez tudo aquilo que falou que faria ao seu chefe ou cliente. Entregou o relatório de materialidade com a mesma qualidade do discurso que usou para vender a sua importância? Antes de apresentar, como ferramenta de trabalho, um framework novo de ESG, foi tão rigoroso ao checar sua aplicabilidade quanto eloquente ao convencer de que era imprescindível? Ao evocar a importância de uma política de direitos humanos na cadeia de suprimentos, cuidou para tratar bem, com dignidade, todas os colaboradores da empresa com quem lidou ao longo do dia?

Seja a mudança que você deseja ver na empresa. Pense a respeito disso. Aja a respeito a respeito disso.

**Ricardo Voltolini é CEO da consultoria Ideia Sustentável e cofundador de NetZero.