No CEO Com Propósito, evento da Plataforma Liderança com Valores, realizado no último dia 26 de abril, na FAAP, em São Paulo, 10 líderes falaram sobre a importância da liderança sustentável, dimensionaram a extensão do seu impacto e contaram histórias de como estão transformando suas organizações em empresas melhores para o mundo. Na pauta de temas: ativismo de causa, inovação, humanização, resiliência, ética, transparência, walk the talk, empatia, inclusão, colaboração, coragem, vulnerabilidade e valores.
Liderar é gerar impacto positivo para a sociedade
Em sua palestra, Tania Cosentino, da Microsoft, lembrou que uma liderança precisa compreender que o seu papel fundamental é gerar impacto. Essa noção de impacto varia, segundo ela, de pessoa para pessoa e depende, sobretudo do nível de autoconhecimento do executivo e das possibilidades concretas que se oferecem numa determinada empresa para fazer a transformação positiva. Está ligada ao momento em que o profissional começa a tomar consciência do tipo de diferença que quer gerar na sociedade.
O seu insight sobre legado ocorreu quando era presidente da Schneider Electric, multinacional francesa líder em gestão de energia e automação:
“Descobri que queria promover desenvolvimento sustentável, mais do que apenas crescer com rentabilidade do negócio”, destacou. Tania tinha, pelo menos, uma certeza: não queria se envolver com um projeto isolado, comandado por uma área específica, que acabaria por ser interrompido no primeiro mínimo sinal de crise.
Não demorou a perceber que isso só seria possível se conectasse sustentabilidade com o core business da empresa — uma lição de liderança sustentável que levou consigo para a Microsoft Brasil, onde hoje é CEO. Nessa tarefa, foi fundamental — recorda — educar-se para os novos desafios, ampliar o repertório de argumentos técnicos e se aproximar de iniciativas como o Pacto Global da ONU e a Plataforma Liderança com Valores. De tanto pregar os 17 ODS acabou sendo reconhecida como uma das pioneiras da Agenda 2030 no Brasil e no mundo.
Na Microsoft, ao mergulhar nas soluções e compromissos globais da empresa, Tania transformou-se em ativista dos benefícios de sustentabilidade da Inteligência Artificial. As ferramentas de IA, acredita, oferecem respostas – e permitem escalar soluções – para problemas complexos da humanidade, como a implantação dos ODS, a previsão de desmatamento, os desastres climáticos e a erradicação de doenças. “Fico feliz de liderar numa empresa compromissada com o projeto de melhorar as condições de vida das pessoas e do planeta. Aqui posso liderar com impactos sociais e ambientais positivos. Posso ajudar o Brasil a se tornar uma potência numa economia de baixo carbono, com desenvolvimento econômico e menos desigualdades”, concluiu o seu depoimento.
Liderar com sustentabilidade é ser fiel a si mesmo
Guadalupe Franzozi, hoje CEO da Ingredion na América Latina, iniciou o seu depoimento à Plataforma Liderança com Valores lembrando o peso que teve a sua demissão após 22 anos de atuação numa empresa química multinacional americana.
“Para uma high perfomer como eu, foi como ficar sem chão. Pior ainda saber que o meu desligamento não estava associado com a qualidade das entregas, mas com o conflito que eu vivia, na companhia, com um discurso de sustentabilidade, diversidade e inclusão sem correspondência na prática. Para superar o meu conflito ético, e estar de bem com a minha imagem no espelho, decidi brigar. E acabei demitida”, relatou.
Calejada pela experiência, não pensou duas vezes em “entrevistar” a Ingredion durante o processo de seleção. Não queria enfrentar os mesmos dilemas éticos. Tinha medo de não poder liderar orientada por seus valores. Nem ter espaço para inserir os temas de sustentabilidade na estratégia da organização ou contar com a colaboração, nessa tarefa, dos pares da companhia. A Ingredion foi convincente. Guadalupe não se arrepende da escolha. E enxerga avanços importantes em ESG.
“Sustentabilidade é assegurar mudanças importante ao longo do tempo e não simplesmente promover uma mudança pontual e depois voltar atrás por qualquer motivo”, explica a executiva, satisfeita até aqui com a consistência dos movimentos da empresa.
De tudo o que tem aprendido, ela fez questão de compartilhar com o público três lições de liderança sustentável. A primeira é: seja fiel aos seus valores e trabalhe em empresas nas quais esses valores sejam respeitados. A segunda diz respeito a fortalecer a resiliência.
“Precisamos de energia para mudar o mundo. A energia para enfrentar os inevitáveis dias ruins aumenta quando estamos em empresas com valores semelhantes aos nossos”.
A terceira: não subestime o poder de liderança de gerar impacto na vida das pessoas.
A sustentabilidade das transformações está ligada à fortaleza da cultura
Para Paulo Correa, CEO da C&A, respeito, ética e diversidade são valores inegociáveis na companhia de origem anglo-holandesa, hoje de capital aberto no Brasil. Deveriam ser princípios cultuados em todas as empresas que desejam prosperar no século 21. “Aqui, todas as pesquisas internas apontam que esse trinômio representa o fundamento mais forte para quem entra ou para quem sai da C&A. Respeito une as pessoas, cria vínculos, forma o coletivo. Empresa é um esporte coletivo”, disse num dos momentos de sua palestra na Plataforma Liderança com Valores.
Segundo Correa, liderar é transformar e se transformar todos os dias. A “sustentabilidade” das transformações, crê, está ligada ao poder das equipes. E á fortaleza da cultura. Mas também na capacidade de a empresa compreender as expectativas e necessidades da sociedade. E, mais do que isso, oferecer uma contribuição única, sabendo compartilhar um propósito elevado para cada um dos colaboradores, independentemente se sua função.
“Para ser sustentável, uma empresa precisa ter cultura forte e times multidisciplinares, diversos e engajados”, completou Correa, para quem cabe à liderança estabelecer uma visão propositiva, definir uma cadência, testar, aprender e escalar boas soluções.
Coragem para criar uma visão propositiva no auge da crise
Quando foi chamado, em 2020, para ser CEO da CVC Corp, Leonel Andrade, com passagens marcantes por empresas como Visa, Credicard e Smiles, viu-se num dilema inusitado em sua carreira profissional. Aceitava ou não o que parecia uma fria? A empresa estava no pior momento de sua história: crise reputacional, problemas contábeis, dívida bilionária e, para piorar, a eclosão da pandemia que suspendeu as viagens de turismo.
Diante de um quadro tão adverso, seria razoável adiar investimentos, principalmente os de sustentabilidade. Mas Andrade seguiu o caminho contrário e criou o Reprograma, nome dado à estratégia de ESG da companhia.
“Muita gente me perguntou por que aceitei a posição. Não tem um porquê, mas um para quê. Para fazer renascer uma empresa que proporciona o sonho de viagem a milhões de brasileiros. Para recuperar o emprego e a renda de milhares de famílias por todo o país. Houve quem também me questionasse por que criar uma estratégia de sustentabilidade no meio da crise. Simples: para estabelecer um novo propósito, com novos valores, e assim reestruturar nossa cultura e governança”, comenta.
Na avaliação de Andrade, o Reprograma e a sua visão positiva, de longo prazo, do setor e da atividade, reforçaram a fé e a crença da companhia no futuro. Na prática, a CVC Corp avançou nas questões de diversidade, desenvolvimento de pessoas e investimento social privado. A empresa está só no começo da jornada de sustentabilidade, admite o seu presidente. Mas o sentimento é que as pessoas já compreenderam os valores do Reprograma e partilham dos mesmos compromissos da empresa.
“As coisas não são como são, mas como as enxergamos. É muito melhor ter as pessoas certas do que as melhores. Na CVC temos uma grande máxima: este é o melhor lugar para aprender na vida. Diferente da escola, onde se aprende uma lição e se faz uma prova, aqui, recebemos muitas provas e aprendemos muitas lições”, concluiu o seu depoimento à Plataforma Liderança com Valores.
Uma boa bússola para a liderança sustentável são suas raízes
Jovem cientista brasileira, formada por causa das políticas públicas de acesso à universidade, filha de pais comerciantes, Mariana Silva uniu a ciência com o empreendedorismo para criar a Planty Beauty, uma empresa de biocosméticos que já nasceu sustentável. “A ideia tem sido oferecer cosméticos naturais, com ingredientes mais sustentáveis, ricos na brasilidade de nossa exuberante natureza e cuidadosos em relação à cadeia de valor”, disse Mariana em sua palestra na Plataforma Liderança com Valores.
Liderar para a sustentabilidade é, segundo ela, liderar sob a orientação de valores. Mariana se deu conta da importância dessa afirmação ao refletir, num dado momento da empresa, sobre o quanto estava se afastando, por pressões externas, das suas crenças originais. Havia um desalinhamento de valores com os sócios. Sabia do potencial da biologia sintética, mas teve dúvidas se valia a pena continuar.
“Peguei-me mandando produtos para influencers, fazendo marketing convencional. E, de repente, me perguntei se não deveria dar um passo atrás e resgatar os meus valores. Eu e meu sócio passamos a investigar melhor expectativas do mercado e abrimos uma nova frente de pesquisa em biotecnologia, a Planty Beauty, para desenvolver ingredientes mais sustentáveis”, confessou aliviada.
Segundo suas próprias palavras, para não mais desviar do seu propósito optou por ser “radical”, ou seja “retornar às raízes”, na concepção etimológica do termo, conectando-se com a sua origem, sua família e o planeta. A Planty Beauty, acredita, é o seu jeito de mostrar ao mundo não só a confiança nas inovações da biotecnologia brasileira, mas também uma celebração à riqueza de nossa biodiversidade.
Por uma agricultura regenerativa, de baixo carbono e redutora de desigualdades
A palestra de Marcio Santos, CEO da Bayer Brasil, na Plataforma Liderança com Valores, foi um singelo manifesto sobre a importância do agro brasileiro para o Brasil e para o mundo e também uma declaração de fé na construção necessária de um modelo de agricultura regenerativa, de baixo carbono, diverso e redutor de desigualdades.
“Muitas vezes o que ouvimos do agro é só sobre desmatamento. Isso destrói nossa imagem e não contribui para um entendimento sobre nosso potencial de transformação positiva. Há desmatamento ilegal e ele deve ser combatido. Mas o agro sério, que é a imensa maioria, alimenta o mundo com inovação, tecnologia, transformação e sustentabilidade”, alegou.
Em sua opinião, uma das características do sucesso do agro brasileiro é a sua extrema diversidade. Para seguir oferecendo uma produção cada vez mais sustentável, o setor tem investido pesadamente em tecnologia. E tecnologia demanda conhecimento diverso, inovação, desenvolvimento de soluções que, por sua vez, só são possíveis a partir da combinação de diferentes perspectivas e olhares.
Focando no “S” do ESG, em referência ao ODS 2, que trata de fome e agricultura sustentável, Santos lembrou um dado desafiador: existe um bilhão de pessoas no mundo que não comerão hoje e é para essas pessoas que todos, da cidade e do campo, devem trabalhar.
“Convido vocês a olharem o agro como um ativo que alimenta o mundo. Apesar de termos cidades do interior muito desenvolvidas, ainda somos um país extremamente desigual. E a melhoria do interior pode ser uma solução. Isso não vai acontecer só como consequência de um movimento de nós, agrônomos, ou dos produtores rurais. Vamos precisar de todo mundo junto”, convocou.
Sustentabilidade, para nós, é cuidado com as pessoas, dentro e fora da empresa
Liderar de forma sustentável significa assumir vulnerabilidades, fortalecer a humanidade e oferecer o melhor para o próximo — seja ele o colaborador, o cliente e a comunidade. Esta é a opinião de Lídia Abdalla, CEO do Grupo Sabin.
A medicina diagnóstica, área de atuação da empresa, é, segundo Lídia, um campo de oportunidades para quem quer fazer a diferença a favor das pessoas. “Onde há dificuldades há também oportunidades. O acesso à medicina de qualidade em diferentes regiões do país é uma forma de reduzir desigualdades. Sei que podemos melhorar a qualidade de vida de milhares de brasileiros fazendo bem aquilo que sabemos fazer. E este é o nosso propósito”, avalia a farmacêutica.
No Grupo há duas décadas, mulher de confianças das duas sócias fundadoras, Lídia admite que o “casamento” com o Sabin se deu por compatibilidade de valores. Para ela, nenhum modelo de negócio pode ser bem-sucedido se não conseguir equilibrar os objetivos estratégicos da empresa, crescimento e lucro com as necessidades, expectativas e sonhos de suas pessoas.
“Para nós sustentabilidade é cuidado com as pessoas. Mas não pode ser só um discurso, precisa ser genuíno”, alega Lidia.
Em tempos passados, lembra, o Grupo escolheu diminuir a marcha das aquisições por entender que a expansão estava, de algum modo, prejudicando a sua cultura organizacional. Na crise da pandemia, a empresa optou por reduzir margens para assegurar o emprego e a estabilidade de toda a sua rede de colaboradores.
Papel da liderança sustentável é ser porta-voz, provocar, engajar e cobrar
Na abertura de seu depoimento à Plataforma Liderança com Valores, Victor Wanderlei, CEO da Sucos Tial, citou Raj Sisódia e Michael Gelb, autores de Empresas que curam, para afirmar que as empresas têm mais capacidade de mudar o rumo da humanidade do que religião e política.
Wanderlei é um caso clássico de resiliência na condução do tema sustentabilidade. Depois de estudar nos EUA, onde teve contato com o ESG, retornou ao Brasil cheio de vontade de implantar o que havia aprendido na academia norte-americana. Numa das empresas da família, não obteve êxito. Não encontrou espaço nem aderência às ideias de sustentabilidade. E precisou, como muitos líderes engolir a frustração e adiar os seus planos por 10 anos.
Foi quando assumiu como CEO outra empresa do grupo, a Tial, que o jovem executivo conseguiu realizar o projeto de desenhar uma estratégia de ESG para a companhia. Nenhum tema material ficou de fora. Iniciou inclusive uma jornada para se tornar empresa B, um sinal de firmeza no propósito de ser mais sustentável.
“Como líder sustentável, fiz o papel de ser porta-voz, provocar, cobrar, envolver os demais líderes. Com o engajamento de todos, a estratégia de ESG se disseminou rapidamente e começou a mudar uma cultura até então acostumada a seguir as melhores práticas dos líderes do setor”, conta.
Um caso emblemático, lembra, foi quando decidiu descontinuar um produto bem-sucedido, com boa margem, mas que usava muito plástico na embalagem, continha conservantes e, portanto, contrariava a nova política de sustentabilidade. “O diretor comercial não compreendeu a decisão e a contestou com muita veemência. Sem saber mais como convencê-lo, dei-lhe de presente um exemplar do livro “Vamos Falar de ESG?”, de Ricardo Voltolini. E então, finalmente, ele não só concordou com a medida como passou a ser um entusiasta de ESG no negócio”, completa.
Liderança orientada por propósito deve buscar impacto, inclusão e inovação
Pode uma empresa ser extensão completa e absoluta do propósito de sua fundadora? Sim, claro. A Pantys, de Emily Ewell, é um dos inúmeros casos notáveis no mercado brasileiro. Especializada em calcinhas absorventes naturais, a companhia materializa um compromisso assumido pela fundadora aos 18 anos de idade (“fazer a diferença na área de saúde ao longo de toda a minha carreira”) e confirma, na prática, as três palavras com as quais Emily gosta de definir a sua vida profissional: inovação, inclusão e impacto.
A Pantys inovou em comunicação ao criar conexão emocional e engajamento com as consumidoras. Incluiu ao considerar a imagem da mulher real, com todos os formatos de corpo e tons de pela. Gerou impacto ambiental positivo ao evitar o lixo gerado pela menstruação, ao ser carbono neutro e ao fazer um mapeamento de ciclo de vida do produto. E também gerou impacto social positivo, promovendo a bandeira da dignidade menstrual.
“No mundo, mais de 500 milhões de meninas e mulheres não têm acesso a produtos menstruais. Com um absorvente reutilizável, o acesso dura anos”, afirma. No Brasil, 15 bilhões de absorventes são descartados todos os anos, resultando em forte impacto ambiental.
Emily compartilhou quatro aprendizados com a plateia. O primeiro é ter coragem e estar aberto para aprender ao longo da jornada. O segundo diz respeito á relação entre a saúde do planeta e a nossa saúde — são indissociáveis. O terceiro tem a ver com o fato de que não existe empresa nem produto 100% sustentável — é preciso se esforçar para fazer melhor a cada dia, com honestidade. E o quarto diz sobre propósito. “Se ele não está claro para você, ache um jeito de enxergá-lo no seu trabalho. É isso que vai te levar ao sucesso.”
Não existe sustentabilidade na empresa sem “sustentabilidade da alma”
No palco da Plataforma Liderança com Valores, Alexandre Seraphim, CEO da Adium Brasil, deu um recado, no mínimo inusitado: o ESG precisa do “H” de humanização. E a arte pode ser um veículo no urgente processo de “re-humanização” das empresas, tão afetadas, acredita, pelo excesso de racionalização, a perda de afetos, o esvaziamento do sentido da vida e de significados.
“Como líder, fui buscar uma saída para a desumanização fora do ambiente da gestão porque não é no lugar do problema que se encontra a solução. E acabei me deparando com a metodologia do laboratório de leitura, do professor Dante Gallian. A ideia é que, por meio do trabalho estético e reflexivo da literatura, conseguimos mobilizar o afeto, a inteligência e a vontade que nos faz agir se transformar”, conta. O resultado, segundo Seraphim, tem sido alentador: o que era um lugar apenas de desenvolvimento de carreira passou a ser de desenvolvimento humano; se antes o trabalho produzia doença, passou a gerar saúde, significado e felicidade. “O Laboratório fomenta gratidão, reflexão, empatia, motivação, engajamento, criatividade e até inovação”, completa.
Na Adium, a leitura de clássicos constitui uma ferramenta para a estratégia de ESG. E tem ajudado não só na reflexão de temais socioambientais importantes, mas no que Seraphim chama poeticamente de “sustentabilidade da alma.” O laboratório já faz parte da cultura da companhia denominada ESG+H. E integra da rotina de autodesenvolvimento dos líderes.
“A empresa do século 21 precisa ter alta performance, mas tem que ser também humana. Difícil sustentar resultados cada vez mais desafiadores sem densidade humanística para suportar os momentos de altos e baixos. A responsabilidade humanística é next level”, acredita o executivo.
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